Guarda: Homilia da Vigília pascal de D. Manuel Felício

Vigília Pascal – A surpresa da Ressurreição

Naquela madrugada da Ressurreição tudo começou, realmente, de novo, para os discípulos de Cristo.

A Paixão e morte do Mestre foi uma grande desilusão que deixou desfeitas as suas expetativas.

E a desilusão foi tal que praticamente todos o abandonaram e fugiram. Da facto a morte ignominiosa da  Cruz deixou-os sem esperança e decididos a voltar às anteriores ocupações. Esta é a disposição daqueles dois discípulos que, na tarde desse mesmo dia, tinham abandonado a cidade e caminhavam para a sua terra, Emaús.

Mas algo de novo aconteceu e os seus sinais começavam a aparecer.

Assim, aquelas mulheres, que acompanharam Jesus desde a Galileia, foram ao sepulcro, logo de manhazinha, no primeiro dia da semana, para fazer os últimos tratamentos fúnebres do corpo já sepultado de Jesus, levando consigo os perfumes e o bálsamo recomendados. Pelo caminho, falavam entre si – quem nos ajudará a remover a pedra que é grande.

E logo que chegaram, começou a surpresa – a pedra estava removida.

A surpresa continua quando entram no sepulcro e, em vez do corpo morto de Jesus, encontram um jovem vestido de branco. Assustaram-se, o que é normal.

A surpresa cresceu ainda mais quando esse jovem vestido de branco lhes diz – Sei que procurais Jesus o Crucificado. Não está aqui, ressuscitou. Ide dizer aos discípulos e também a Pedro que ele vai adiante de vós para a Galileia. Lá o vereis.

A Galileia tinha sido o lugar do primeiro encontro com este Mestre e irá ser o lugar do reencontro e  ponto de partida para a nova etapa da causa de Jesus.

O Evangelho de Marcos que escutámos fica-se por aqui, sem dizer o que fizeram a seguir estas mulheres surpreendidas pela notícia do anjo. Mas nós sabemos que elas foram mesmo levar essa notícia aos onze, que estavam reunidos em Jerusalém, também com medo das repercussões dos acontecimentos da sexta-feira anterior.

Disseram-lhes o que tinham visto, e eles não acreditaram à primeira; mas, pelo sim pelo não, Pedro e o outro discípulo (João) correram de imediato para o sepulcro e confirmaram tudo oque as mulheres lhes disseram.

E acreditaram também.

Tudo realmente começava de novo, a partir desta notícia inesperada, seguida da experiência do reencontro com Cristo de novo vivo, que se foi consolidando, sobretudo com as subsequentes aparições do Ressuscitado.

Afirma-se, assim, a identidade e o estatuto do discípulo que, tendo feito essa experiência do encontro com o Senhor Ressuscitado, entra numa vida nova, pelo Batismo, como nos lembra hoje o Apóstolo S. Paulo.

Também nós, pelo Batismo, morremos para a criatura velha que, de facto, antes éramos, sujeitos à escravidão do pecado e ressuscitámos com Cristo para a vida nova. Por isso sentimo-nos mortos para o pecado e vivos para Deus, em Cristo.

Vamos hoje mesmo relembrar esta condição de batizados, com a renovação das nossas promessas batismais.

Nelas, por um lado, queremos reafirmar a vontade de dizer sempre não ao pecado e, por outo, professamos a nossa Fé em Deus Trindade Santíssima, na Comunhão da Igreja e na Vida Eterna.

É esta a nossa identidade na qual assenta a vocação de discípulos missionários, que somos.

A Galileia, na qual Jesus voltará a aparecer aos discípulos, representa o mundo real da vida das pessoas que espera o anúncio do Evangelho.

E desde a primeira hora que eles compreenderam a urgência do cumprir a missão evangelizadora.

Assim, ao lermos os textos do Novo Testamento, verificamos como a primeira evangelização foi, na realidade, um desabrochar espontâneo desta experiência feliz do encontro vivo com o Senhor Ressuscitado. E foram muitos os discípulos missionários que partiram em todas as direções para darem cumprimento ao mandato de Jesus – Ide por todo o mundo, anunciai o Evangelho e fazei discípulos de todas as nações.

Este mandato era para anunciar o próprio Jesus Cristo de novo Vivo, como também a novidade da sua praxis da vida pública, agora com releitura feita à luz da Ressurreição. Dela derivavam novas formas de vida para os discípulos, para as suas suas comunidades, como também para a vida em sociedade.

E o sonho foi-se cumprindo, com relativa rapidez na primeira geração dos evangelizadores, que contavam ainda com a presença física e visível dos apóstolos.

Vem depois a segunda geração do anúncio em que, por um lado, era necessário firmeza nas propostas de vida nova inspiradas em Jesus e na sua prática e, por outro, se impunha consolidar a vida das comunidades, grande parte das quais fundadas ainda pelos apóstolos.

E nós hoje temos muito a aprender desta segunda geração, que já não tinha o apoio físico e presencial dos apóstolos, como nós, mas, com persistência e no relativo anonimato, foi consolidando as novas práticas e as próprias comunidades, dentro de um processo que era novo e, como tal, exigia muitas mudanças na vida das pessoas, das comunidades e dos próprios costumes mais comuns.

Como eles, também nós hoje, embora à distância, no tempo,  dos acontecimentos originais, continuamos com a urgência de voltar, de novo, à experiência do encontro com o Senhor Ressuscitado, que é sempre o ponto de partida de toda a vida da Fé e da ação evangelizadora.

De facto, a experiência da Fé modifica a nossa vida e as nossas relações, introduzindo novidade também na vida social.

Em todo este processo, o suporte da comunidade é indispensável. Por isso, e também tendo em conta a prática das primeiras gerações cristãs, é importante fortificar e consolidar as nossas comunidades, sabendo nós que o horizonte da Fé vai para além delas, pois é o “Ide por todo o mundo, anunciai o Evangelho e fazei discípulos de todos as nações”, mandato este que Jesus deixou aos seus discípulos.

Nesta Páscoa, pedimos ao Senhor Ressuscitado a graça de fortalecer a vida das nossas comunidades  com o objetivo de ir mais longe no anúncio do Evangelho, sobretudo de olhos colocadas nessas periferias para as quais incessantemente nos chama a atenção o Papa Francisco.

E pedimos também que, no esforço por revitalizar as nossas comunidades, saibamos aproveitar e aplicar bem as propostas do caminho sinodal que nos estão a ser feitas. Precisamos de comunidades que vivam a experiência da máxima participação de todos e com grandes opções de vida assentes no discernimento comunitário.

Deixemos que o Senhor Ressuscitado e a força do Seu Espírito nos animem nesta caminhada de vida nova, de autêntica vida pascal.

30.3.2024

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda

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