Futuro da arquitectura religiosa está em aberto

Ninguém sabe como serão as igrejas do futuro. Esta poderia ser a grande conclusão do colóquio sobre arquitectura religiosa que se realizou este Sábado, em Lisboa, com a presença de especialistas portugueses e alemães, para debater o panorama e contexto histórico do último século, à volta de temas como “A liturgia como programa de Igrejas” e “Arte na Igreja e Igreja na Cidade”.

O colóquio, que decorreu no auditório do Goethe-Institut em Lisboa, partiu da experiência germânica, confrontada e traduzida para a realidade nacional. Ao longo do dia, várias propostas e perspectivas apresentadas deixaram a certeza de que, nesta área, tudo está em aberto.

Na abertura dos trabalhos marcou presença D. Carlos Azevedo, Bispo auxiliar de Lisboa e uma das maiores autoridades da Igreja Católica em Portugal nesta matéria, para quem existe a “necessidade de uma nova reconciliação entre a estética moderna e a imagem cristã”. Um passo que é uma imposição para o “cristianismo do futuro”.

Segundo este responsável, é essencial passar o debate “das impressões para as expressões”, “procurar a inculturação da fé, que não fica só ao nível da linguagem”

D: Carlos Azevedo considera que o desencontro entre cristianismo e arquitectura se deve à “falta de iniciação às expressões da arte contemporânea”, à sua linguagem

“Novas expressões criam resistência”, alertou, pedindo “disponibilidade interior” para as compreender. “O que conta não é a imediatez ou a intensidade da emoção”, acrescentou.

João Belo Rodeia, presidente da Ordem dos Arquitectos, assegurou que este é um “tema interessante há muito tempo” e que no nosso país, a relação com a arquitectura religiosa foi fundamental para a afirmação da modernidade, uma “nova abordagem ao mundo e à arquitectura, em particular, na sua prática e no seu quotidiano”.

João Alves da Cunha, arquitecto e comissário da exposição “Made in Germany: Arquitectura + Religião”, patente ao público em Lisboa, afirmou que a concretização das directivas do Concílio Vaticano II “veio a revelar-se nada evidente”, admitindo “desconforto e pouco reconhecimento em várias obras de arte e arquitectura religiosa”.

“É um tempo de debate”, destacou, antes de lembrar a importância da Alemanha nessa reflexão, da qual Portugal se tem mantido “um pouco longe”.

Para este especialista, o futuro passa por novas abordagens, novas perspectivas, novos espaços, para que “pouco a pouco se possa virar a página”

Um lugar para a comunidade que celebra

O teólogo alemão Walter Zahner, especialista no trabalho de Rudolph Schwarz, apresentou um itinerário por algumas das igrejas alemãs mais relevantes do século XX, lembrando as suas raízes históricas, com exemplos representativos do período antes da II Guerra Mundial e do pós-guerra. Da sua reflexão surgiu o destaque para a reunião da comunidade em torno do altar, das relações entre o simbolismo exterior e o Centro interior e das várias opções arquitectónicas para a disposição do espaço da celebração, que variam entre a monoaxialidade e o anel que rodeia o altar.

Segundo Zahner, as palavras-chave da actualidade na arquitectura religiosa são “espaço, luz e liturgia”, com o objectivo de “dar uma casa à comunidade”.

Para o interior das igrejas, este especialista deixou como perspectiva a aprofundar no futuro a ideia da disposição em dois pólos: a mesa da palavra e a mesa do pão, com um centro livre (em elipse), para uma comunidade que se reúne em torno do ambão e do altar.

O arquitecto Paul Boehm falou do seu projecto para a igreja de São Teodoro, em Colónia, frisando que após os anos 60 do século passado, a construção sacra foi na direcção de ser, cada vez mais, um espaço multiuso, similares a complexos desportivos ou centros de congresso. Neste caso, observou, o arquitecto alemão quis “criar um espaço que realmente, em primeiro lugar, sirva para celebrar a eucaristia, meditar e orar”, um “espaço apto a criar atmosfera de meditação”.

Soluções diversas procuraram dar ao espaço “um carácter especial de transcendência e de abertura”, como, por exemplo, o distanciamento entre o tecto e as paredes para as entradas de luz. O centro paroquial, por seu lado, pretende fomentar a “vida comunitária”. Da intervenção ressaltaram ainda alguns desafios curiosos que Paul Boehm teve de enfrentar, como o de criar cadeiras multifuncionais e fáceis de arrumar.

Arquitectos e comunidades

O arquitecto José Fernando Gonçalves (co-autor da igreja do Convento dos Dominicanos, Benfica, entre outros), foi desafiado a falar do encontro entre a dimensão plástica e a dimensão litúrgica na obra arquitectónica, afirmando que “os arquitectos procuram sempre uma boa desculpa para construir significado”, algo que está “absolutamente legitimado” no espaço religioso.

Abordou também a sua experiência de “relação complicada” entre o arquitecto e a comunidade, explicando que para muitos a construção da igreja surge como “confirmação de alguns valores” que estão consagrados na experiência, uma “iconografia enraizada na comunidade”: telhado de duas águas, porta no meio e uma torre. Neste contexto, apontou, pode viver-se num “diálogo de surdos”.

“Cabe ao arquitecto construir desafios, mas tem de saber muito bem que caminhos quer traçar”, alertando para o perigo do relativismo, que pode dar legitimidade ao “puro disparate”.

“Uma igreja não é um centro comercial”, apontou José Fernando Gonçalves.

Sobre a interacção do arquitecto com a comunidade foi chamado a intervir Luiz Cunha, a respeito da experiência que viveu com a igreja de Santa Joana, em Aveiro. “Havia um entusiasmo tão grande na comunidade que eu tinha de ser mais um travão do que um acelerador”, confessou.

Neste contexto, falou de um episódio em que a maqueta da igreja foi transformada num bolo, que permitiu à comunidade olhar para o projecto de uma maneira diferente.

Propostas de organização

Já o arquitecto Diogo Lino Pimentel, responsável pelo Departamento das Novas Igrejas do Patriarcado de Lisboa, afirmou que “a utilização de uma igreja, começando pela sua presença na cidade, é um programa funcional que é posto e que tem de ser respondido”. A este, sobrepõe-se “um programa litúrgico”.

Numa igreja, explicou, tem de ser possível ver, ouvir, tem de haver espaço para todos e funcionar cheia ou vazia.

Estas duplas funcionalidades e paradoxos do plano funcional e litúrgico são um desafio para a arquitectura, que tem reconstituir um “quadro significante”.

“Ultimamente, pelo menos entre nós, tem-se esquecido completamente o valor da arquitectura, ligando muito ao valor da decoração”, lamentou.

Para o Pe. João Norton, arquitecto, também comissário da exposição “Arquitectura e Religião”, o conjunto de iniciativas que se têm desenvolvido em torno desta temática pretendem ser uma “provocação positiva” para reabrir o debate, questionando a qualidade do que se tem construído e a tipologia do espaço litúrgico.

“Ao reequacionar a tradição, abram-se muitas possibilidades, não há uma solução feita”, assegura.

O director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, Tolentino Mendonça, falou à ECCLESIA, da importância da arte enquanto “reflexão sobre a condição humana em chave de transcendência”.

O padre e poeta participou numa mesa-redonda sobre o tema “Arte na Igreja e Igreja na Cidade”. A necessidade de “virar a página” e de construir um “novo pacto com o mundo da arte” são ideias defendidas por Tolentino Mendonça, para quem as iniciativas em volta da arquitectura religiosa são “um sinal dos tempos”.

“A Igreja em Portugal precisa de um projecto cultural, consistente, pensado”, conclui.

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