Fiéis Defuntos

Com as celebrações do início de Novembro, a Igreja pretende abraçar todos os cristãos que já concluíram a sua peregrinação terrena O início do mês de Novembro aproxima os cristãos dos santos e dos defuntos. No primeiro dia do mês, a Igreja propõe-se esta visão da glória, às portas do Inverno, para que, com o cair das folhas das árvores e o apagar-se gradual da luz do dia, não esmoreça nos crentes a esperança da vida e da vida plena em Deus, onde os Santos são para nós ainda peregrinos na Terra, um estímulo e um contínuo convite a que desejemos, para além da morte, a vida eterna em Deus. No Angelus desta solenidade, Bento XVI disse mesmo: “O mundo aparece-nos como um jardim onde o Espírito de Deus suscitou com admirável fantasia uma multidão de santos e santas, de todas as idades e condições sociais, de cada língua, povo e cultura”. O dia de Todos os Santos é, por isso, um dia de festa que não deve ser ofuscada pela celebração do dia que se lhe segue. A comemoração de todos os Fiéis Defuntos nasceu, no entanto, em ligação com a celebração do dia anterior, e muito naturalmente, pois que também nela se celebra a vida para além da morte, na esperança da ressurreição do último dia. O dia chama-se Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, depois de Todos os Santos, todos os que partiram deste mundo, marcados com o sinal da fé e esperam ainda a purificação total para poderem chegar à visão de Deus. O Pe. Basileu Pires, do convento de Balsamão (diocese de Bragança) sublinha que no Dia dos Fiéis Defuntos “celebramos aqueles que também já são santos (dizemos que são as santas almas do purgatório), mas que ainda precisam de se purificar a fim de entrarem nessa plenitude”. Quando se visita o cemitério neste dia e ao rezarmos pelos irmãos defuntos, “fazemo-lo porque acreditamos no mistério da comunhão dos santos. Isto é, tudo o que fazemos de bom, todos os actos de amor, de autêntico amor, os outros beneficiam desse bem que fazemos. É a solidariedade no bem” – avança este sacerdote. Em declarações à Agência ECCLESIA, O Pe. João Gonçalves, da diocese de Aveiro e capelão hospitalar, realça que “é muito difícil usar o termo «morte» em quase todas as situações; mas é-o especialmente com doentes”. O sofrimento e a morte “não são uma derrota; eles são uma natural consequência da fragilidade que transportamos e somos” – disse. E completa: “A caducidade da vida do Homem nunca pode ser vista como derrota; estamos em caminho, seguindo as pegadas do Mestre, que passou pela difícil e complicada situação do amargo «cálice»”. Visita aos cemitérios De Norte a Sul do país, num ambiente de brisas suaves e com as árvores a despirem-se da sua folhagem amarelecida, as pessoas deslocam-se aos cemitérios e recordam os seus entes queridos. Nessa visita levam quase sempre uma flor e “rezamos pela alma dos nossos familiares” – disse à Agência ECCLESIA Maria do Rosário quando entrava no cemitério do Alto de S. João (Lisboa). E acrescenta: “Eles foram, mas não estão esquecido”. José Eduardo Rebelo, professor de Biologia na Universidade de Aveiro e autor do livro «Desatar o nó do luto», numa entrevista concedida ao «Correio do Vouga», sublinha que as pessoas não perderam o sentido do luto, mas “acontece é que é cada vez mais difícil fazê-lo socialmente, publicamente”. A sociedade preocupada com “questões de eficácia e a pressão social, que exige que tudo seja rápido e imediato, é que dificultam o luto” – afirma. O nome tradicional para falar dos que partiram é defuntos – palavra que significa os que deixaram a sua “função” , a sua actividade terrena e que não devem ser chamados “Finados”, palavra de sabor pagão, que significaria os que chegaram ao fim de tudo quanto é vida, onde não haveria lugar para “a vida do mundo que há-de vir”, como professamos no Credo. Foi o Abade de Cluny, S. Odilão, quem no ano 998 determinou que em todos os mosteiros da sua Ordem – e eram muitos e influentes – se fizesse a comemoração de todos os defuntos «desde o princípio até ao fim do mundo» no dia a seguir ao da solenidade de todos os Santos. Este costume depressa se generalizou. Roma oficializou-o no século XIV e no século XV foi concedido aos dominicanos de Valência (Espanha) o privilégio de celebrar 3 missas em 2 de Novembro, prática que se difundiu nos domínios espanhóis e portugueses e ainda na Polónia. Durante a primeira Grande Guerra, o Papa Bento XV generalizou esse uso a toda a Igreja (1915). O Calendário de 1969 equipara a Comemoração às Solenidades, dando-lhe precedência sobre os domingos. Fases do processo do luto Segundo José Eduardo Rebelo, o processo do luto passa pela fase do choque (1.ª), pela da negação emocional (2.ª), pelo reconhecimento da perda (3.ª) e pela de aceitação (4.ª). Todavia, este processo tem variantes porque as fases são as mesmas, mas “prolongam-se no tempo de modo diferente e cada pessoa é um caso”. E avança: “Se se perde um pai, de alguma forma é menos doloroso, porque o pai faz parte do passado. É expectável que sobrevivamos a ele. Embora haja pessoas que, com a perda de um mais velho, entrem num pranto muito desigual. Já perder um filho é algo muito mais complexo. O luto pode durar para o resto da vida, ainda que a pessoa esteja tranquila e calma” O autor do livro «Desatar o nó do luto» criou a Associação Apelo que tem quatro objectivos: “apoio directo às pessoas e famílias em luto; divulgar o tema “Os afectos – construção, manutenção e perda”; pesquisar e ensinar sobre o tema do luto; provocar a cooperação com outras instituições. Também a sucessão dos dois dias litúrgicos insinua esta íntima ligação dos dois cultos: a Igreja pretende abraçar todos os cristãos que já concluíram a sua peregrinação terrena, a começar por aqueles nos quais já se cumpriu integralmente o mistério pascal com o triunfo da ressurreição de Jesus Cristo.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top