Festival Terras sem Sombra abre programação de Março com «Banquete Musical»

No próximo sábado, dia 8 de Março, pelas 21 horas, o Baixo Alentejo recebe mais um concerto do 4.º Festival Terras sem Sombra de Música Sacra, promovido pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja e pela Arte das Musas, com a colaboração da Direcção-Geral das Artes do Ministério da Cultura, do Município e Paróquia de Castro Verde. Esta iniciativa assenta na interpenetração do Sacro e do Profano, uma das características fundamentais da música produzida na Europa medieval – sinónimo, entre outros, de uma sociedade iletrada mas devota. Mesmo entre a literatura coeva encontra-se frequentemente a associação do amor cortesão ao amor filial dos crentes à Virgem Maria. As expressões “Nossa Senhora” e “Santa Dama” são empregues com sentido dúbio, podendo querer referir-se à Mãe de Cristo ou àquela por quem o poeta se perdeu de amores. Também no Medievo se assiste à ascensão do culto mariano, das relíquias, das peregrinações, como momentos marcantes da vida do indivíduo. Espectáculo singular O concerto reúne um conjunto de peças significativas do que referimos, bem como excertos de duas colectâneas musicais paradigmáticas do culto mariano medieval, o Llibre Vermell de Montserrat e as Cantigas de Santa Maria. Escrito na sua forma original entre os séculos VIII e IX, o Cant de la Sibilla é um exemplo perfeito da ambivalência entre o Sacro e o Profano na música medieval. Descrita como a profetiza cuja voz perduraria mil anos, esta figura surge na mitologia de quase todas as culturas antigas – da grega à nórdica – associada, quase sempre, aos Oráculos, como mensageira dos vaticínios divinos. Adoptada pelo Cristianismo como a profetiza do Julgamento Final, os seus predicados exortaram os fiéis à oração durante séculos, sendo este drama litúrgico o ponto alto das Missas de Natal. O Llibre Vermell (século XIV) do santuário da Virgem Maria de Montserrat, na Catalunha, local de peregrinação por excelência ao longo dos séculos, representa um valiosíssimo documento para o conhecimento da prática musical associada ao culto de Nossa Senhora. Das catorze melodias originais, apenas restam dez (na sequência da destruição massiva do mosteiro beneditino e de todo o seu tesouro em 1812, por tropas napoleónicas), com textos em latim e catalão: uma balada (Los set gotxs), um motete (Imperayritz), três canções (O virgo splendens, Laudemus Virginem e Splendens ceptigera) e cinco virelai (Stella splendens, Mariam, matrem, Polorum Regina, Cuncti simus e Ad mortem) A reciprocidade entre o elemento secular e o eclesiástico está, também ela, patente nas Cantigas de Santa Maria, brilhante cancioneiro da literatura galaico-portuguesa. Compiladas sob o patrocínio do rei Afonso X, o Sábio (1221-1284), a quem são atribuídos cerca de 100 dos 427 poemas em honra da Virgem Maria, as Cantigas de Santa Maria estão repartidas entre milagres marianos, cantigas amorosas e cantigas de loor, constituindo-se em verdadeira antologia da métrica poética medieva. Do ponto de vista do discurso musical, podem ser identificadas três grandes influências: o cantochão Hispano-Aquitânico, a tradição trovadoresca e a música do Al-Andalus. Torna-se evidente, deste modo, o porquê da inclusão no programa do concerto de três obras musicais da tradição muçulmana, Kadhia el Ochak, Adir Rahati e Ayyuhã s-sãqui ´ilay-ka mustaká. Mais do que música árabe, a cultura musical do Al-Andalus define-se como uma tradição híbrida de pendor ocidental, desenvolvida no espaço geográfico correspondente, grosso modo, à comunidade espanhola da Andaluzia, e atingindo o seu grau mais alto de integração de elementos ocidentais e orientais em pleno século XII. Deste modo, em termos formais, a música do Al-Andalus aproxima-se dos cânones peninsulares mas, em termos rítmicos, remete para a diversidade e complexidade árabe. Depois de um espaço dedicado às cantigas trovadorescas, o concerto abrangerá obras de Bartolomeo de Selma y Salaverde (fagotista e compositor nascido em Espanha entre 1580 e 1590), Diego Ortiz (Maestro di capilla dos vice-reis de Nápoles) e, por fim, de Francisco de la Torre (compositor espanhol activo nos finais do século XV). Um agrupamento de renome internacional Fundado em Lisboa em 2003, o Banchetto Musicale Lusitania é um agrupamento vocal e instrumental dedicado à interpretação de Música Antiga, em particular do repertório ibérico dos séculos XV e XVI. É constituído por três cantores, Raquel Alão, Rosa Caldeira e José Bruto da Costa, e dois instrumentistas residentes, Kenneth Frazer, viola da gamba/violoncelo barroco, e António Carrilho, flauta de bisel/direcção artística e musical, alargando-se o ensemble sempre que o reportório assim o exija. Ao longo dos últimos anos o Banchetto Musicale Lusitania participou em diversos festivais, dos quais se destacam o Festival de Música de Mafra, os Encontros de Música Antiga de Loulé, o Festival Internacional de Música de Mafra e as Jornadas Musicais Medievais de Sesimbra. Em 2003 estreou, em Portugal, os Scherzi Musicale, de Monteverdi, na Quinta da Regaleira, em Sintra. Em 2004, foi convidado para a reabertura do Museu Nacional Grão Vasco, em Viseu, com um concerto inteiramente dedicado ao repertório cortesão dos séculos XVI e XVII, e participou na 15.ª edição do Festival Internacional de Música Colonial e Música Antiga de Juiz de Fora, tendo-se apresentado em concertos no Rio de Janeiro, em Juiz de Fora e em Tiradentes, e contando, para esse efeito, com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. Já em 2006, por ocasião do 5.º centenário da Custódia de Belém, apresentou-se no Museu Nacional de Arte Antiga num concerto intitulado Música no tempo de Gil Vicente e no Europarque, em Santa Maria da Feira, num concerto gravado pela Antena 2. No mesmo ano, participou com grande acolhimento da crítica francesa no Festival de Musique du Haut-Jura, a convite de Maria Cristina Kiehr. Expoente do Barroco A igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição de Castro Verde ficou a dever-se à iniciativa de D. João V e é tributária da tradição arquitectónica seiscentista. A sua sumptuosa decoração interior corresponde já à teatralidade do Barroco Pleno, oferecendo uma notável visão integradora das artes da época joanina. A nave é coberta por uma falsa abóbada guarnecida com sumptuosa teoria de grotescos que apresenta no centro a Aparição de Cristo a D. Afonso Henriques e as paredes encontram-se revestidas de painéis azulejares, com destaque para os alusivos à vida do nosso primeiro rei e ao milagre de Ourique. O interesse do Rei Magnânimo pela matriz de Castro Verde levou a conseguir para ela, em Roma, a dignidade de Basílica, depois completada pelo título de Real.

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