Familiaris Consortio com muita novidade para cumprir

Entrevista a D. Manuel Clemente, Bispo Auxiliar de Lisboa e especialista em História da Igreja D. Manuel Clemente, Bispo Auxiliar de Lisboa e especialista em História da Igreja, explica à Agência ECCLESIA qual o percurso do magistério sobre a família, nos últimos 25 anos. Agência ECCLESIA (AE) – Qual é a principal marca que deixou, na vida da Igreja, a Familiaris Consortio? D. Manuel Clemente (MC)- Antecedida de um sínodo sobre o mesmo tema (1980), a exortação apostólica Familiaris Consortio (FC) de João Paulo II (22 de Novembro de 1981) consolidou a reflexão feita sobre a família na sociedade contemporânea, especialmente a europeia. Na verdade, vários “sinais preocupantes” se vinham acumulando. Em particular, “o difundir-se do divórcio e do recurso a uma nova união por parte dos mesmos fiéis; a aceitação do matrimónio meramente civil, em contradição com a vocação dos baptizados ‘a casarem-se no Senhor’; a celebração do sacramento do matrimónio sem uma fé viva, mas por outros motivos; a recusa das normas morais que guiam e promovem o exercício humano e cristão da sexualidade no matrimónio” (FC, 7). Em relação a esses “sinais”, não podemos dizer que se atenuaram nestes vinte cinco anos. Mas creio poder dizer que a consciência dos católicos ficou mais esclarecida sobre o que deve ser um matrimónio uno, indissolúvel e fecundo e sobre o modo de o preparar e acompanhar vida fora. E creio que este ganho de consciência é a melhor base para a promoção pastoral da família segundo o Evangelho. Ficaram as coisas mais definidas e reforçaram-se todas as iniciativas de pastores e leigos – especialmente de casais – que já se desenvolviam nesse sentido. AE – Que “actualização” será necessária à Familiaris Consortio para que esteja em sintonia com os problemas relacionados com a família na actualidade? MC – Julgo que a “actualização”, não será tanto de doutrina como de concretização prática do que a Familiaris Consortio enuncia. Aliás, a exortação apostólica não se fica pela apresentação geral da doutrina sobre o matrimónio e a família. Contém indicações pastorais de grande amplitude e valia que pedem mais aplicação e aprofundamento. Saliento a quarta parte do documento, sobre a pastoral familiar, as suas etapas, estruturas, responsáveis e situações. Como melhor maneira de celebrar esta efeméride, sugiro vivamente que as nossas famílias e comunidades releiam o que lá se escreve e ganhem um novo alento na sua aplicação. Encontramos na Familiaris Consortio muita “novidade” para cumprir. AE – A defesa intransigente da vida e da família tem “enfraquecido” a imagem da Igreja nos últimos pontificados? MC – Para quem esperar da Igreja a mera coloração “religiosa” da mentalidade corrente, a Familiaris Consortio – como outros documentos sobre esta temática – parecerá talvez demasiado afirmativa e exigente. Mas, para quem se aperceber realmente do que está em causa, no que toca ao papel da família na sociedade presente e futura, ela evidenciará um indispensável compromisso eclesial neste campo, de acordo com as palavras de Cristo e a tradição católica. Os grandes debates sócio-culturais deslocaram-se um tanto, do campo da grande política e da economia, para o âmbito mais fundamental da vida e da família, seguindo aliás, o retraimento das ideologias e o avanço do individualismo pós-moderno. Neste contexto, a visão personalista e comunitária que a Igreja cultiva, reforça e promove a integridade da vida de cada um, da concepção à morte natural, bem como a vinculação social de todos, a partir da família em que se nasce e cresce. AE – É legítimo que o magistério católico queira ter um papel na discussão pública dos temas ligados à vida e à família? MC – O Magistério mantém viva a tradição cristã, como a recebemos dos Apóstolos. Mas esta função específica de Papas e Bispos confirma a convicção alargada da Igreja, concretamente de inúmeros casais e famílias, que experimentam, pascal e frutuosamente, a verdade e a beleza da doutrina de Cristo sobre este ponto específico. Na conclusão da exortação apostólica menciona-se este trabalho conjunto do Magistério e dos leigos, aberto aliás ao concurso de muita gente de boa vontade, que se identifica com a proposta da Igreja: “Este caminho [da família], que a Igreja aprendeu na escola de Cristo e da história interpretada à luz do Espírito, não o impõe, mas sente a exigência indeclinável de o propor a todos sem medo, com grande confiança e esperança […]. Os que dentro da Igreja, em seu nome e sob a sua inspiração, quer individualmente quer em grupos, movimentos ou associações, se consagram ao bem da família, encontram muitas vezes a seu lado pessoas e instituições empenhadas no mesmo ideal”. AE – Qual a atitude diante de experiências de vida em conjunto e de propostas legislativas que contradizem a estrutura e os valores familiares? MC – Toda a atenção que o legislador possa ter para com atitudes pessoais que não coincidam – no todo ou em parte – com a verdade da família, não deverá pôr em causa o papel essencial da comunidade familiar – pai, mãe, filhos e parentes – para o presente e o futuro da sociedade. Como o Papa Bento XVI recordou em Valência, em 8 de Julho passado: “Convido assim os governantes e os legisladores a reflectirem sobre o bem evidente que os lares em paz e harmonia asseguram ao homem, à família, centro nevrálgico da sociedade […]. O objecto das leis é o bem integral do homem, a resposta às suas necessidades e aspirações. Isto é uma ajuda notável à sociedade, da qual não se pode privar, e para os povos é uma salvaguarda e uma purificação. Além disso, a família é uma escola de huma-nização do homem, para que cresça até se fazer verdadeiramente homem”.

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