Experiência do caminho dá início a outro percurso

Noite cerrada e os peregrinos acordam para o cumprimento do seu objectivo. O que será mais importante? O caminho ou o chegar à Catedral de Santiago? O grupo de 18 peregrinos de Vale de São Martinho, em Vila Nova de Famalicão, irá descobrir. Com o desejo de caminhar de noite, de ver o sol nascer durante o caminho e cedo chegar a Santiago na esperança de garantir albergue, os peregrinos despertam às 4 da manhã. Faltam cerca de 22.519 quilómetros para em frente à Catedral, em cima da concha, os peregrinos se abraçarem e sentirem o caminho que os congregou durante uma semana. Apesar de não terem dormido em Padrón, é ai que o grupo se concentra para em frente à Igreja de Santiago de Padrón, onde se encontra a pedra, que segundo a lenda, amarrou a barca que transportou o corpo de Santiago, para fazer a última etapa. O frio da noite, a pressa de chegar ou até mesmo o medo de caminhar de noite, levou a que numa hora o grupo tenha percorrido sete quilómetros – a média dos dias anteriores foram entre quatro e cinco. Mas a boa disposição é uma constante entre o grupo, apesar do cansaço acumulado dos cinco dias de caminho. As conchas vão marcando o percurso a diminuir e, apesar desse incentivo, faltando 15 quilómetros alguns pensam que não conseguem. As bolhas impedem que o pé assente normalmente no chão, os músculos ressentem o piso que desce e sobe e mesmo a terminar, não se quer desistir. O Santuário da Esclavitude é o último grande templo antes de chegar a Santiago. A Igreja foi terminada em 1750. O Pe. José Carlos Barroso explica que os sacerdotes de então tinham por objectivo comprar os escravos para lhes dar a carta de alforria, daí o nome do santuário. Mas ainda é de noite e a Igreja está fechada. Segue-se caminho. Os quilómetros vão diminuindo e várias vezes o grupo se cruza com outras pessoas que termina também o caminho. Cumprimentos e sorrisos são uma constante. Incentivos e cumplicidade que se trocam nos olhares. A última etapa apresenta subidas e descidas, pedrinhas e gravilha que «matam os pés» de tanto cansaço. Mas o objectivo continua vivo. O sol vai nascendo por entre as árvores do caminho, no meio do bosque. Em Agro dos Monteiro pode ver-se ao longe as torres da Catedral. O sol começa a queimar quando o peregrinos, por volta do meio dia, encetam caminho já nas rua de Santiago. Subindo as ruas que levam à Catedral, vai-se diminuindo o passo para que todo o grupo entre junto na Praça do Obradoiro. A emoção e a alegria toma conta dos peregrinos que se perdem em abraços, em felicitações pelo triunfo da caminhada, quando para alguns o quilómetro zero parecia tão distante e até mesmo impossível – algumas lágrimas não se escondem. O percurso trilhado por tantos foi conseguido por mais 18 que se dispuseram a seguir Tiago e a continuar a fé e o testemunho de ser Igreja. O grupo concentra-se na concha central para cantar o Hino do Peregrino, com emoção e segue para o túmulo de quem os chamou. “É aqui que está São Tiago?” pergunta uma criança. A fila que se estende dentro da catedral até ao túmulo e a emoção das pessoas que passam junto à cripta, responde à pergunta. Ana Garrido afirma que fez um caminho para a paz. Depois de chegar a Santiago, de ir rezar à catedral, “senti a paz e a tranquilidade”. A chegada a Santiago é por si descrita como uma felicidade imensa. “Andar pelo centro histórico, sentir que se está em grupo e cantar o hino do peregrino foi muito especial”. Já o Luiz Castro refere que um conjunto de emoções tomou conta da sua chegada. A dores físicas a par da motivação crescente de se estar próximo da meta foi o culminar de um momento “muito bonito”. A repetir a experiência pela terceira vez, o Luiz garante que esta caminhada em 2007 foi uma experiência muito diferente. Um conjunto de muitas emoções, de sensações boas e difíceis “fazem a riqueza do caminho, que passa pela descoberta que se vai fazendo”. Por isso “fazer o caminho, dia a dia, de albergue em albergue, quer faça chuva ou sol, conversando ou caminhando sozinho, é isso que faz o caminho”, aponta. Um sentimento de esvaziamento, assim descreve Mónica Gomes a sua chegada à Catedral. “Não tinha nada no pensamento, mas estava cheia de emoção”. Já o dia anterior à chegada “estava muito sensível”. A paz descreve o sentimento à chegada. Ao longo da caminho vai-se recebendo muitos sinais, “o convívio com as pessoas que dão força e as experiências de vida que se trocam enriquecem-nos muito”, acrescenta a Mónica. Ao longo do caminho percebe-se “a união e o amor ao próximo” a par das reflexões pessoais que cada peregrino ía trilhando. As surpresas foram sucedendo ao longo do caminho, “tal como a nossa vida, que não se programa, vai-se vivendo”. A forma entusiasmante como a Mónica Gomes foi vivendo a semana é garante de “voltar a repetir a experiência”. Bernardete Enes também pela primeira vez nos trilhos de Santiago via inicialmente a experiência como “andar simplesmente de uma forma mais física e menos espiritual”. Pelo caminho foi descobrindo que não era bem assim. A emoção foi garantida quando entrou na Praça do Obradoiro. O caminho ditou uma grande aproximação a Deus e a chegada a Santiago “é o iniciar de uma vida mais desperta espiritualmente”. Luís Oliveira viveu a chegada em silêncio e em silêncio guardou para si o momento. “Algo mexeu cá dentro que quero guardar para mim”, tentou explicar. Quando chegar a casa, acredita que mais sentido fará tudo o que viveu. A reflexão pautou o caminho do Luís que viveu a experiência pela primeira vez. “Rezei a minha vida, pensei no futuro”, aponta. Em breve o Luís voltará a peregrinar.

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