«Evangelizar é proclamar o Evangelho da Vida»

Homilia na Dedicação da Sé Patriarcal 1 – A solenidade litúrgica da dedicação da Catedral, lembra à Igreja das “pedras vivas” que ela é o templo do Senhor, “casa de oração para todos os Povos”. O templo físico é apenas um dos símbolos sacramentais através dos quais se edifica e adquire densidade histórica o templo vivo, que é, antes de mais, o Corpo de Cristo, na sua dupla dimensão de Corpo de Jesus e Corpo Místico, formado por todos os baptizados. Se o templo do Seu corpo físico, o Pai o reconstruirá em três dias, anúncio da ressurreição, o templo do Seu corpo místico é para ser continuamente edificado e solidificado até ao fim dos tempos, pois ele só então será obra acabada, quando a “nova Jerusalém” descer do Céu, como uma esposa adornada para o seu Esposo. Esta festa da nossa Catedral lembra-nos, em cada ano, que a Igreja de Lisboa, Igreja Apostólica, porque presidida por um Sucessor dos Apóstolos, em comunhão com o Sucessor de Pedro, que preside à comunhão universal das Igrejas, é um templo em construção, através da profundidade da nossa fé, a verdade das nossas celebrações, o testemunho da caridade fraterna e o ardor missionário pela evangelização. Em tudo isto somos conduzidos pelo Espírito Santo, força de Cristo ressuscitado, o inspirador de todos os caminhos para a edificação deste templo do Deus vivo no meio da cidade dos homens. Faz hoje, precisamente um ano, a esta mesma hora, a Igreja de Lisboa reuniu-se aqui para iniciar a terceira sessão do Congresso Internacional para a Nova Evangelização. Aqui regressaram as “Cruzes da Missão”, depois de terem percorrido a Diocese, avivando, na Igreja de Lisboa, o sentido da missão e daqui foram enviados em missão todos aqueles e aquelas que se iam empenhar no Congresso. Mas este não terminou na sessão de encerramento. Não terminou, porque ele é inter-diocesano, e continua dinamizado este ano pela Igreja de Bruxelas. Estão aqui presentes os Congressistas de Lisboa que irão a Bruxelas participar na quarta sessão. Mais uma vez eu os envio, a partir da nossa Catedral, símbolo vivo de uma Igreja viva, que aceita ser continuamente enviada em missão. Mas o Congresso também não acabou porque nos deixou interpelações, a concretizar à luz do Espírito, dos caminhos de renovação exigidos pela missão. A presença, nesta celebração, dos novos Vigários, recentemente nomeados para uma estrutura territorial renovada, são o sinal de como procurámos, durante este ano, tomar a sério os novos caminhos de renovação abertos pelo Congresso. Saúdo-os e invisto-os na sua missão, pois muito conto com eles para continuarmos este esforço de fazer da Igreja de Lisboa o Corpo do Senhor e o Templo do Deus Vivo. Todavia, a grande interpelação do Congresso foi a caridade como síntese de toda a missão da Igreja, incluindo a evangelização. Ela é a expressão do amor de Cristo e da Igreja pelos homens, na certeza de que só o amor de Deus, que o Espírito depositou nos nossos corações será a fonte do ardor missionário. O nosso Programa Diocesano de Pastoral, que procura responder às sugestões do Congresso, deu uma primazia absoluta à caridade, de que toda a acção pastoral deve ser expressão. Quando celebra, quando reza, quando ama os irmãos, quando se empenha na edificação de uma sociedade mais justa e fraterna, a Igreja evangeliza porque é sacramento do amor. Convoquei especialmente para esta celebração todos quantos, na Igreja de Lisboa, são agentes da pastoral da caridade. Para eles peço ao Senhor que transforme os seus corações no ardor do amor de Cristo, para serem as testemunhas vivas de uma Igreja que está na cidade dos homens, para amar. 2. Tudo isto evoca aquele que foi o lema do Congresso em Lisboa: “Cristo Vivo” e as palavras programáticas de Jesus, quando disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. Isto faz de toda a mensagem da Igreja um anúncio da vida, na sua beleza, no seu mistério, na promessa que ela encerra. A Igreja anuncia a vida para a promover, pois sabemos que a vida é uma edificação esforçada, que vai de descoberta em descoberta, de profundidade em profundidade, até à sua plenitude que ainda só foi, na nossa humanidade, completamente realizada em Jesus Cristo. É em nome d’Ele e com a força do Seu Espírito, que nós lutaremos, incansavelmente, pela promoção da vida. Mas a Igreja proclama, corajosamente, o Evangelho da Vida, sempre que é preciso defendê-la, sempre que o pecado dos homens e os erros da história a menosprezam ou ameaçam. E nessas circunstâncias a proclamação do Evangelho da Vida tem de ser mais veemente. É por isso que a Igreja deve privilegiar, na sua acção no mundo, os mais pobres, desprotegidos, ameaçados e injustamente tratados. Nós vivemos, agora, mais uma dessas circunstâncias históricas: o povo português vai, mais uma vez, ser chamado a dizer “sim” ou “não”, a uma lei tolerante e permissiva em relação à interrupção violenta da vida no seio materno. A nossa comunidade nacional vai mostrar o apreço que tem pelo mistério da vida e aí exprimirá a sua atitude cultural e os seus valores morais. E os católicos, também porque acreditam que toda a vida é um dom de Deus e uma participação na vida divina, têm de estar na primeira linha deste combate pela vida. 3. Jesus comparou frequentemente a vida, valor principal do Reino de Deus, a uma semente lançada à terra, em cuja força germinadora está já presente a árvore frondosa que anuncia, se puder crescer. Do mesmo modo que, segundo a Palavra de Jesus, o Reino de Deus está já presente na semente semeada, assim o mistério da vida humana está presente na semente fecundada, semeada no seio da mulher-mãe, com toda a pujança da vida, dom de Deus. Segundo a parábola evangélica, ninguém pode impedir que cresça a semente semeada. Esta circunstância histórica vai exigir de nós, antes de mais, uma contemplação sobre o mistério da vida. Cada um é convidado a saborear o dom da sua própria vida, aprofundando-a e valorizando-a, em união com Cristo, fonte da vida. Aqueles que foram pais e mães, meditem no mistério da generosidade com que a acolheram e promoveram. A tristeza do drama do aborto é um mal que só a luz da beleza da vida pode iluminar, restituindo às consciências, sobretudo ao coração da mulher-mãe, a coragem de lutar pela vida. Estamos dispostos a amar e mesmo a compreender todas as que vivem esse drama; mas não podemos dar o nosso apoio a uma lei que relativiza o valor da vida. O período que se aproxima é de esclarecimento das consciências. Os argumentos políticos e culturais são fracos e, por vezes, contraditórios. Apesar de vermos partidos políticos e até o próprio Governo da Nação empenhados nesta proposta, tudo se decidirá ao nível das consciências. E estas não se esclarecem à força, nem com meias verdades, mas sim no diálogo amigo e fraterno, de quem pode testemunhar, com verdade, o seu respeito pela vida. E desse diálogo todos podem ser protagonistas, com amor, com firmeza e convicção, sabendo que esta é uma luta de civilização. Lembremo-nos que Deus está presente em cada vida gerada. 4. A defesa da vida não se esgota na luta contra o aborto legalmente permitido. Para nós cristãos essa luta tem as mesmas fronteiras da caridade, pois não é só no ventre materno que a vida é ameaçada. As crianças abandonadas, a velhice desamparada, a pobreza não socorrida, a solidão não visitada, são exigências contínuas da caridade. São inquietação e exigência de acção para quantos continuam a ouvir as palavras de Jesus: “Eu vim para que tenham vida!”. D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca

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