António Estanqueiro, Professor
Os crentes encontram na religião uma resposta de esperança para a pergunta sobre o sentido último da sua vida. Mas todos os seres humanos, crentes e não crentes, precisam da ética para orientar a sua conduta, fazer o bem e evitar o mal na relação com os outros. Sem ética, ninguém consegue ter uma vida verdadeiramente feliz.
Embora não se reduza à ética, a religião autêntica valoriza a dimensão ética do agir humano. Na perspetiva do cristianismo, não é possível amar a Deus sem amar o próximo como a nós mesmos.
Com os seus princípios e valores, as diversas religiões podem contribuir para uma cultura de respeito pela dignidade humana, que está na base da ética. Isto exige abertura ao diálogo. Nenhuma religião tem a verdade absoluta.
O diálogo construtivo entre as religiões, em especial no domínio das questões éticas, é uma condição necessária para cuidar da vida na Terra, defender os direitos humanos e deixar às novas gerações um mundo de justiça e paz. Afirmou o teólogo católico Hans Küng (1928-2021), criador da Fundação Ética Mundial: “Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões.”
Através do diálogo sem preconceitos, as religiões aproximam-se, desenvolvem o conhecimento mútuo, superam medos recíprocos e diminuem a ignorância do fundamentalismo que, ao longo de séculos, alimentou conflitos violentos.
A ética interpela a religião. Quantas vezes as religiões cometeram atos de crueldade umas contra as outras, com a pretensão de imporem as suas certezas e os seus dogmas? Quantas vezes, sem qualquer tolerância, declararam guerras e mataram pessoas em nome de Deus?
Na atualidade, as religiões enfrentam o desafio de fazer um exame de consciência sobre os seus ensinamentos e as suas práticas. Espera-se que olhem com lucidez e humildade para as luzes e sombras da sua história, para o bem e o mal que praticaram no passado. Espera-se também que denunciem sem hesitações o comportamento de pessoas e grupos que, intencionalmente, manipulam as doutrinas religiosas para servir interesses políticos e económicos ou, pior, usam a religião como pretexto para justificar a discriminação e a violência.
Compete aos líderes religiosos a responsabilidade de ajudar os crentes a interpretar de forma crítica, não literal, os textos sagrados, considerando o contexto histórico e cultural em que estes foram escritos. A mensagem essencial das grandes religiões é o amor, não o ódio.
Em espírito de fraternidade, as diferentes tradições religiosas, a começar pelas confissões cristãs, devem focar-se mais naquilo que as une do que naquilo que as separa e cooperar na promoção dos valores que fazem parte do seu património comum (por exemplo, o respeito pelo outro, a honestidade, a justiça e a solidariedade).
Fundamentais para crentes e não crentes, estes valores são alicerces seguros na construção de uma convivência pacífica entre pessoas, nações, culturas e religiões. São uma bússola ética para o futuro da humanidade.
António Estanqueiro
Professor
Formado em Filosofia e Teologia