«Eterno Menino de ainda agora»

Mensagem de Natal do Bispo do Porto Estimados diocesanos do Porto e todas as pessoas de boa vontade: Nesta quadra, especialmente nos países de tradição cristã, o céu e a terra ressumam paz. Sabemo-lo todos, ainda além da nossa vinculação confessional estrita. Dum modo ou doutro, somos tocados pelo nascimento de Jesus, com o essencial da sua vida e mensagem, como o evangelista a sintetizou no canto dos anjos: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens” (Lc 2, 14). Nenhuma divergência ocasional, nenhum mal-entendido cultural, conseguiram ofuscar a verdade revelada no Presépio de Belém, a beleza e a bondade daquele “eterno Menino de ainda agora”, como lhe chamou um dos nossos clássicos seiscentistas (Padre Manuel Bernardes). Qual marco definitivo da religião, da cultura e da civilização, o céu e a terra, Deus e a humanidade, a devoção e a caridade encontram-se e projectam-se para sempre. Para sempre e para agora, necessariamente. Nas actuais circunstâncias do nosso mundo, grande ou pequeno, internacional ou local. E, ainda aqui, segundo o Natal, a sua realidade e o seu espírito. Quer isto dizer que o Natal continua inspirador e motivador de pensamentos e acções, quando o aceitamos no seu irredutível significado. Irredutível a mero cenário ou pretexto, irredutível a qualquer consumismo ou devaneio. O Natal é de Cristo, reconhecido pelos seus antigos e actuais discípulos como “sol de justiça”, que crescerá sempre e para além de todos os solstícios… E, sendo “sol de justiça”, como predissera um profeta (Ml 3, 20), é modo divino de ver e refazer as coisas, compromisso certo com a vida de todos: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Modo divino e felicidade humana, que aquele Menino, três décadas depois, resumiria de modo tão inesperado quanto inovador: “Felizes os pobres em espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os pacificadores, os que sofrem perseguição por causa da justiça…”. Estes sim, de ontem, hoje e amanhã, herdarão o Reino, serão consolados, possuirão a terra, serão saciados, alcançarão misericórdia, verão a Deus, serão chamados filhos de Deus… (Mt 5, 3 ss). Enunciou assim a carta da felicidade, mas inaugurou-a com a própria vida: pobre em espírito, porque inteiramente recebido de Deus Pai e dado aos homens; insatisfeito com tudo que não fosse de Deus; manso e íntegro, misericordioso e puro, pacificador e abnegado na causa da justiça. Trouxe-nos a paz dos que inteiramente se entregam, por Deus e pela humanidade inteira. Mas Cristo inaugurou esta felicidade porque inteiramente a viveu e partilhou. Não se trata já de utopia, que só no sonho vagueie, mas de vida concreta, do Presépio à Cruz, para a Páscoa de todos. Vida concreta e situada, esta de Cristo que o Natal nos traz. Para que a acolhamos e perpetuemos, nas famílias, aldeias e cidades, como nas empresas, na sociedade e na cultura. Abrindo-nos à grande novidade de que é pelo próximo que se chega ao longe, e no pequeno que se abre o grande e até o infinito. – Queremos ter Natal, neste “ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 2007”? Descubramo-lo ao nosso lado, precisamente aí onde esteja uma criança a acolher, um idoso ou um imigrante a integrar, um doente a animar, qualquer pobreza a resolver. E não o pensemos em abstracto, mas no rosto preciso com que se abeire de nós ou o procuremos até. Se se diz e canta que “Natal é quando um homem quiser”, mais se saiba e creia que será apenas onde Deus nos espera, ou seja, onde a caridade acontecer: a de Deus, que suscita a nossa. Também no nível mais largo da Europa que somos. Assinou-se em Lisboa um novo Tratado Europeu. E não há-de ser um acaso, mas providência, que tal tenha acontecido nos Jerónimos, que realmente se chamam Santa Maria de Belém… Qual prenúncio dum Continente mais solidário, para o bem comum de todos os seus habitantes, e mais motivado para o seu papel no mundo, no construção conjunta da justiça e da paz. Recomeçamos com pouco, mas havemos de querer muito nesse sentido. Maria estava ali, quase só, na gruta de Belém. Aprendamos com ela que a grandeza absoluta só precisa de corações confiantes, para alastrar sem fim. Lembremos então, entre a contemplação e o compromisso, a sagrada cena do Presépio de Belém. Deixemo-nos tocar pela beleza singela da caridade divina. Mas, ainda assim, não nos fiquemos pela pena de lá não ter estado há dois mil anos, com Maria, José, os anjos, os pastores ou os magos… Não nos fiquemos pela pena, mas ganhemos pressa de nos juntarmos a eles, todos eles, entre a contemplação e o compromisso, para acolher e servir o Menino eterno, que continua a nascer em cada semelhante nosso. Em casa ou na rua, de dia ou na noite, ele aí nos espera. E creio até que muitos dos que me estão a ler já descobriram o rosto e a ocasião do seu Natal deste ano. Mais do que escolha nossa, o convite é dele: “Vinde, benditos de meu Pai! […] Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo. […] Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 34 ss). Um santo e feliz Natal para todos, à única luz da sua caridade! + Manuel Clemente, Bispo do Porto

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top