Estado Social

Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade

É consensual: o Estado Social, sobretudo, é um muito bom modelo europeu. Começou a ganhar conteúdo e consistência quando a Europa se refazia da segunda guerra mundial. Quase toda ela estava voltada para a reconstrução, para os direitos humanos e para a prosperidade. Metodicamente, eram reconhecidos direitos sociais e ia sendo assegurado um conjunto de serviços coletivos relacionados com educação, cultura, recreio, habitação, proteção social e saúde. Adotando um determinado ideal de homem e com o objetivo de respeitar todos os homens. Corrigiam-se as assimetrias enquanto a igualdade e a dignidade eram associadas entre si. Em tempos de crescimento económico, o financiamento dos direitos sociais parecia indefinidamente assegurado, pelo que a universalidade de direitos ia sendo conjugada, tendencialmente, com a gratuidade.

Hoje, há significativas mudanças. Com o abrandamento da prosperidade, cuja agulha parece estar a mudar de sentido arrastando consigo bons quadros, e com uma progressiva “des-sintonia” entre população ativa, que progressivamente baixa (há uma preocupante diminuição de natalidade), e população passiva que, comparativamente, cresce (felizmente, a esperança de vida é cada vez maior), a Europa confronta-se com outros ventos e com dúvidas crescentes sobre a viabilidade de financiamento do Estado Social.

Estará o Estado Social a correr perigo?

É uma questão recente, mas ganha acuidade. Também, e sobretudo em Portugal que acostou ao modelo social europeu quando já na Europa começavam a pairar algumas sombras. No nosso caso, tratou-se mais de um envolvimento comunitário do que de um exato despertar do Estado para todas as suas funções sociais. Paralelamente, começa a ser evidente que sobre o povo português já pesa uma carga fiscal excessivamente onerosa, pelo que adensam-se ameaças sobre o próximo financiamento dos direitos sociais. E sem financiamento, os direitos correm perigos.

O Estado Social parece ameaçado.

Ao Estado compete assegurar os direitos sociais e a existência de serviços que os ministrem, conhecendo, reconhecendo e apoiando quem os promove e quem os serve, coordenando os seus promotores, regulando, estabelecendo metas a atingir e suprindo quando necessário. Se o Estado não servir para promover uma melhor justiça social e um futuro melhor e mais harmonioso para todos, não serve para nada.

É preciso salvar o Estado Social. E as vias de salvação do Estado Social – e de um Estado Social mais justo – passam necessariamente pelo criativo testemunho de como o global não pode diluir o particular nem o particular pode diluir o coletivo. Também passam por uma filosofia perfilhada em que solidariedade e subsidiariedade, cruzando-se ambas com sobriedade, mutuamente se requeiram.

Há direitos sociais estruturantes e direitos sociais coadjuvantes e assistenciais. Enquanto direitos, todos eles são universais: de todos e para todos os humanos. A alguns direitos todos e todas recorrerão para que o seu ser cresça harmónico numa sociedade mais justa, enquanto a outros direitos, podendo aceder todos e todas, cada um e cada uma recorrerá conforme o seu ser e a dissemelhança das circunstâncias em que vive. Uns serão gratuitos e outros poderão ser comparticipados.

Serão direitos estruturantes quantos na área da promoção da cidadania se situam. A educação é um deles. Para um crescimento harmónico e integral de todos. Educação para todos e educação gratuita é um objetivo inalienável de um Estado Social. Indissociável, provavelmente, da cultura. Física e mental. Para assegurar uma “mente sã em corpo sadio”. Também para garantir igualdade de oportunidades e promover a coesão social.

Os direitos sociais relacionados com a saúde poderão ser estruturantes quando a previnem e, aí, universalidade conjuga-se com gratuidade. Noutros casos poderão ser direitos coadjuvantes ou assistenciais, como no que se relaciona com habitação, proteção social e crescimento, da e na comunidade local. Cada um e todos os cidadãos devem poder ascender à sua fruição e ao seu exercício. Provavelmente com o seu contributo. Moderado e adequado às suas circunstâncias, às suas capacidades e àquilo que têm, sem que ninguém dos mesmos direitos fique arredado ou para trás. Aí, universalidade de direitos não será necessariamente sinónima de gratuidade universal. Talvez a universalidade de direitos se conforme melhor com comparticipação moderada e adequada.

Em sintonia com a comunidade, o Estado define uma Carta de Direitos Sociais, afeta recursos disponíveis, assegura uma justiça redistributiva – enquanto a comunidade, moderada e adequadamente, se envolve.

E o Estado Social funciona com uma sociedade solidária. Sustentável e progressivo.

Lino Maia,
presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade

 

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