Espírito de Assis

Assis, 27 de Outubro de 1986. João Paulo II dirigia-se aos representantes das Igrejas Cristãs e comunidades eclesiais reunidas para celebrar um dia de oração, com palavras de profunda esperança e fraternidade. “A vinda de tantos líderes religiosos para rezar, é em si, um alerta para o mundo inteiro de que existe uma outra dimensão para a paz, uma outra forma de promoção que não é resultado de negociações, de compromissos políticos ou de acordos económicos. É antes resultado de oração, que na diversidade religiosa, expressa uma relação com uma entidade suprema que suplanta as nossas capacidades humanas”. João Paulo II manifestava aos presentes que o encontro de Assis não previa um consenso religioso, nem um renunciar de crenças próprias de cada religião, porque “cada ser humano tem de seguir com sinceridade, a sua consciência”. Este era antes um sinal “de compromisso com a paz”. O professar diferentes credos não diminui a importância deste dia, dizia João Paulo II, em Assis. “Pelo contrário, as Igrejas, as comunidades eclesiais e as religiões do mundo, mostram a sua preocupação com o bem da humanidade”. Um encontro que ficou na história e que viria a ser um marco no caminho inter-religioso. João Paulo II foi o grande percursor do que ficou designado por “Espirito de Assis”. Um encontro de oração pela paz, mas mais do que rezar pela paz, era um encontro que ditava o que viria a ser também o pontificado de João Paulo II: um esforço para o diálogo ecuménico. “Nestas iniciativas, Deus mostra-nos novas possibilidades de entendimento e de reconciliação”. E, ainda em Assis em 1986, dizia aos presentes que este encontro ficaria incompleto se voltassem sem um profundo compromisso em continuar a perseguir o “desejo de unidade e de ultrapassar as divisões que ainda existem”. Pela primeira vez reuniam-se líderes religiosos de diferentes credos, em Assis, local com um significado particular. São Francisco de Assis, conhecido por tantos em todo o mundo, símbolo de paz, de reconciliação e fraternidade. O local dava o mote para o que se pretendia com o encontro. “O facto de virmos de diferentes locais do mundo, é só por si um sinal do caminho comum que a humanidade deve trilhar. Ou aprendemos a caminhar juntos em paz e harmonia ou iremos arruinar-nos, pois nunca a humanidade teve tantas formas de construir a paz como agora”. Palavras de João Paulo II em 1986 que continuam a ser tão reais. Em Janeiro de 1992, no Dia Mundial da Paz, o João Paulo II relembrava o dever de manter o espírito de Assis “não só por um dever de coerência e de fidelidade, mas também para oferecer um motivo de esperança às futuras gerações”. Dezasseis anos mais tarde, o encontro de Assis voltaria a repetir-se, em Janeiro de 2002. Um ambiente onde se viveu uma convicção comum, traduzida posteriormente num decálogo, que João Paulo II, enviou aos chefes do governo de todo o mundo. Neste documento todos os participantes do encontro de Assis assumiam o seu compromisso de lutar contra toda a violência e o terrorismo e a condenar todo o recurso à violência e à guerra em nome de Deus; educar as pessoas no respeito e estima recíprocos; promover a cultura do diálogo, condição essencial para a paz autêntica; defender o direito de todas as pessoas humanas levarem uma existência digna; dialogar com sinceridade e paciência, reconhecendo que a diversidade leva à compreensão recíproca; perdão recíproco de erros do passado; estar ao lado dos que sofrem; ser sinal real de esperança, de justiça e de paz; encorajar iniciativas que promovam a amizade entre os povos; e finalmente o compromisso de pedir aos responsáveis das nações que façam todos os esforços possíveis para que, quer a nível nacional quer internacional, seja edificado e consolidado um mundo de solidariedade e de paz fundado na justiça. No processo do diálogo inter-religioso, o maior temor é a ameaça da dissolução de identidades que cada religião professa. O princípio da unidade na diversidade é a base para qualquer processo de diálogo inter-religioso. João Paulo II foi percursor deste processo, enfatizando que as diferenças não deveriam separar, mas antes ser caminho para descobrir o que une, pois “Cristo é a realização da aspiração de todas as religiões do mundo”. Ano após ano, o Espírito de Assis revive-se no Encontro Homens e Religiões, promovido pela Comunidade de Santo Egídio em diferentes cidades do mundo.

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