Espero ainda em vida ver um Timor erguido e feliz

Entrevista de D. Basílio do Nascimento à «Voz Portucalense» VP – Pode explicar-nos realmente o motivo deste clima de instabilidade e insatisfação timorenses? D. Basílio do Nascimento (BN) – Eu para já vejo dois: um é o desentendimento institucional entre os militares (um grupo deles resolveu protestar contra a Instituição a que pertence, alegando discriminação) e outro, que está subsequente ao primeiro e a tomar grande expressão, é a vida sócio-económica que o país vive. De facto, não há emprego, não há ocupação. Penso que também é isto que tem contribuído para a insatisfação da população face ao Governo, despoletada pelo descontentamento militar, que serviu de interruptor. VP – O que é sempre esteve por detrás disto e que agora eclode de novo? Que problema de fundo, camuflado ou irresoluto? BN – Tem-se invocado cá a luta do problema étnico (entre leste e oeste). Isso é um problema, que, de facto, não existe! Essa designação não serve de base, nem serviu, para conflitos entre a população timorense. Também é muito possível – isso não posso dizer com certeza – que no tempo da Resistência tenha havido alguma discriminação entre os comandantes da guerrilha e isto tenha sido acumulado e não tenha sido então resolvido e depois, quando Timor passou para a independência, julgo que houve uma certa crucificação na construção e preparação das Instituições. A não regularização das estruturas faz com que ao primeiro abalo as situações acumuladas venham ao de cima. VP – De que forma e como se posiciona a Igreja nesta situação desconcertante? BN – Bom, a Igreja tem sido apontada de “quando fala é porque fala, quando não fala é porque não fala”. Mas, neste momento, é necessário deixar aos órgãos do poder a decisão para esta situação, pois é ao Estado que compete orientar e tomar estas decisões. Evidentemente que a Igreja não está alheia, sem ser protagonista, também tentamos dar o nosso contributo falando com os possíveis focos de instabilidade, com os que aumentam a tensão. Temos pessoas da Igreja, identificada por nós, muito próxima desses “focos” e tentamos acalmar o espírito. VP – E o Vaticano tem-se mostrado solidário convosco? BN – Sim, já desde o tempo da Indonésia. E até fiquei bastante admirado por terem observações ao pormenor do que vai acontecendo. Mesmo agora temos recebido várias comunicações dos Cardeais responsáveis dos Dicastérios assim como recebemos uma mensagem pessoal do Papa Bento XVI, enviando-nos uma palavra de presença, de recomendação e de encorajamento. De maneira que a situação de Timor não é ignorada em Roma. VP – Já sei que eleições antecipadas no seu entender não resolvem. Acha que a resolução passa pela demissão de Alkatiri, para dar lugar a Ramos Horta e mantendo Xanana Gusmão? BN – Sinceramente, não sei, a nível de pessoas se saindo este e entrando aquele, não sei se resolve. Acho que eleições não resolvem. Será que a saída do Primeiro-Ministro resolverá? Faço eu a questão. E será que o seu executivo concordará? Neste momento não sei, a nível de pessoas, quem é mais indicado. Só a nível de aspiração é que manifesto o anseio do restabelecimento de segurança, para as que as pessoas possam regressar à sua vida sem grandes receios e os refugiados possam regressar às suas casas e a nível político é necessário que a tensão diminua. Neste momento, a vida está parada em Timor e entra-se num ciclo vicioso. Não sei até que ponto Timor conseguirá aguentar com este tipo de vida. VP – Se Ramos Horta avançar já não o poderemos ter, eventualmente, como Secretário-geral da ONU… BN – Eu pessoalmente acho que o cargo de Secretário-geral é um cargo de prestígio para a pessoa e, sem dúvida alguma, também seria um cargo de prestígio para o país, que é representado pela pessoa, neste caso seria o Dr. Ramos Horta. Também já falei com ele, algumas vezes, sobre este assunto e tenho-me interrogado onde, neste momento, o Dr. Ramos Horta é mais importante, na ONU ou em Timor? Penso que agora Timor precisa mais dele que a ONU. Não sei se ele depois terá oportunidade, vamos ver… VP – Qual a(s) razão(ões) da sua vinda e estadia em Portugal nestes últimos dias? BN – A razão é por causa da saúde. Eu fui operado ao coração, há uns anos atrás e o meu cardiologista recomenda, pelo menos, 2 controlos por ano. Agora desta vez, depois de ter adiado a viagem por causa do clima de Timor, vim quando me pareceu oportuno e quando cheguei a Hong-Kong soube pelo meu Vigário Geral que as coisas tinham complicado. VP – Como acha que o povo português, com a ligação que tem, reage e sente este panorama difícil timorense? BN – Penso que até aqui Portugal sempre tem mostrado afectividade e ternura em relação a Timor e eu falo por experiência – talvez seja suspeito porque passei toda a minha vida de adolescente/jovem aqui – mas, em 1999, quando já era Bispo em Timor vi o que o povo timorense viu e vi como o povo português se manifestou, com amor ao timorense. Sentimento este que estrangeiros que estão em Timor não compreendem. Porque depois do risco que a opinião pública e a Comunicação Social fazem passar é legítimo que o povo português se interrogue: “será que valerá a pena continuar a ajudar Timor?”. No entanto, deixem-me dizer que quem sofre/mais sofre não são os provocadores das crises, os provocadores dos conflitos, são sempre aqueles que sofrem as consequências dessas crises e conflitos, gente pobre que não tem nada, os pequenos. Por isso penso que Portugal nunca fechará os seus olhos nem o seu coração. VP – Isso é apenas visível nas campanhas de solidariedade em que a Caritas e os portugueses se envolvem ou chega de outro modo (como chega) a Timor? BN – Chega muita coisa e de muitos modos que não é visível, que não aparece na Comunicação Social. Penso que isso tem sido o importante, isto é, as situações quando aparecem nas primeiras páginas dos jornais todo o mundo se dá conta, a realidade começa quando as situações deixam de aparecer e passámos a apanhar os “cacos” – passo a expressão – e aí tem havido amigos, sempre gente de bom coração, sem se tornar conhecida, sem grandes alaridos. Temos estendido as mãos, nós Igreja, para continuarmos a apanhar os “cacos”. VP – Tem sentido algum tipo de críticas e pressão em redor de todo este processo longo e delicado? Como enfrenta e contorna esses dissabores? BN – Não podemos agradar a toda gente. Temos que gerir aqui e em todo o lado aquilo que nos parece ser melhor para cada momento, segundo o nosso discernimento, e tentar agir em conformidade. Nem sempre as decisões que se tomam como as acções que se cometem são as melhores, mas quem decide tem de escolher e a escolha é sempre relativa e tem as suas consequências. Quanto às críticas acho que são normais. VP – Que análise faz à política e relações internacionais e governamentais relativamente à ausência de paz e democracia verdadeiras em Timor? BN – Penso que para um país que começa, como Timor, há muita coisa que falta. Há muita coisa que se aprende nos livros, com as experiências dos outros, mas as realidades não são as mesmas. Mas para um país como Timor, com a escassez de recursos humanos e recursos financeiros e para além destas crises de 3/4 anos de independência timorense, penso que tem havido um crescimento ligeiro económico e há uma boa relação com os países vizinhos e os restantes países do Mundo. A avaliação não é tão negativa como à primeira vista poderia parecer, e estes dados chegam-me de relatórios de observadores especializados. VP – E acha que essa boa relação de alguns países vizinhos dever-se-á a algum interesse político sobre Timor, em vista ao petróleo e ao próprio terreno? BN – Segundo aquilo que sei e tenho ouvido Timor é um país com alguns recursos bastantes significativos para a dimensão que tem. Dizem também os entendidos que a nível geo-estratégico Timor ocupa uma boa posição. Penso que tudo isto deve contar para a apreciação dos fazedores da política internacional e da área que nos escapam a nós, leigos da política. VP – Que sol de esperança e de justiça anseia e prevê no futuro timorense? BN – Estes surtos de violência entristecem-nos porque sonhamos com o melhor para nós, para as nossas vidas, para o país. Mas, sem dúvida, que acredito que “não há mal que sempre dure”. Penso que os erros serão os grandes mestres para a gente poder crescer. Penso que aos poucos a violência vai sendo reduzida, as pessoas vão voltando à sua vida e amanhã as coisas não poderão ser como hoje são. Tenho muita esperança que, apesar de tudo, Timor possa construir-se e espero ainda em vida ver um Timor erguido e feliz! André Rubim Rangel

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