Organismo vai abordar período de 1950 a 2022, para encontrar testemunhos e números de casos na Igreja Católica em Portugal
Lisboa, 10 jan 2022 (Ecclesia) – A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica em Portugal promoveu hoje a apresentação pública da equipa e plano de trabalho, divulgando contactos para recolher denúncias e testemunhas de vítimas.
“Foi vítima de abusos sexuais durante a sua infância e adolescência (até aos 18 anos), praticados por membros da Igreja católica portuguesa ou pessoas que para ela trabalham? Dê o seu testemunho. Faça-o com total garantia do nosso sigilo profissional e do seu anonimato”, refere o organismo, na sua nova página online, https://darvozaosilencio.org/.
Pedro Strecht, coordenador do organismo, disse aos jornalistas que a comissão existe “para estar ao lado das pessoas, tem disponibilidade toral para as escutar, a seu tempo e com tempo”.
“Todas contam”, assinalou.
Os testemunhos são recolhidos num inquérito online, numa linha aberta (+351 917 110 000) ou por email (geral@darvozaosilencio.org), sendo possível agendar um encontro presencial com membros da comissão, mediante marcação prévia por contacto telefónico.
A comissão apela a todos os órgãos de comunicação social, bem como a todas as entidades públicas e privadas incluindo a Igreja, que “adiram à missão de ‘Dar Voz ao Silêncio’ a vítimas de abuso sexual na Igreja Católica Portuguesa”.
Pedro Strecht assinalou que o organismo recebeu, por parte da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), total “autonomia” e confiança para “organizar e levar a bom termo” o seu trabalho, que vai decorrer até final de 2022.
O coordenador disse ter encontrado, por parte dos responsáveis católicos, uma posição “clara e invequívoca” sobre a necessidade de investigação.
O psiquiatra apontou como objetivo “esclarecer o melhor possível tudo quanto possa ter acontecido em Portugal”, no que diz respeito a esta realidade “tão necessária de apurar”, precisando “onde, como, quando e por quem” foram abusadas as vítimas.
Para Pedro Strecht, está em causa a “reparação da dignidade” de cada vítima, para que o seu testemunho seja acolhido e valorizado.
A conferência de imprensa contou com intervenções dos outros membros da comissão, a começar por Ana Nunes de Almeida, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e presidente do respetivo Conselho Científico.
A responsável precisou que o objetivo da comissão é identificar abusos praticados por membros da Igreja Católica ou nas suas instituições, a fim de “ter uma noção dos números” de casos que aconteceram entre 1950 e 2022, e analisar as suas caraterísticas, procurando tipificar as várias situações.
O organismo vai proceder a uma análise da documentação em várias bases de dados e arquivos (APAV, IAC, Procuradoria-Geral da República), além da imprensa e arquivos históricos das dioceses.
Ana Nunes de Almeida sublinhou que o trabalho prioritário passa pelos “métodos de inquirição” para dar a palavra às vítimas desses abusos.
“Todas as vítimas, de todas as idades, todos os testemunhos para nós contam”, sustentou.
Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e antigo Ministro da Justiça, precisou os conceitos de “abusos sexuais” – “práticas sexuais que no Direito Penal português são suscetíveis de integrar crimes de natureza sexual” – e de “crianças” (0-18 anos), com os direitos próprios destas pessoas.
O especialista precisou que não vai estar em causa uma “investigação criminal”, mas um estudo, estendendo o atual critério da lei penal a todo o período de 1950 a 2022.
Face às prescrições, acrescentou, há que distinguir “denúncias” e “testemunhos”, pelo que se estabeleceu uma “relação direta” com a Procuradoria-Geral da República, para encaminhar possíveis práticas criminosas, com elementos de ligação com a comissão.
“Trabalhamos com total autonomia em relação à Igreja Católica”, insistiu.
Daniel Sampaio, psiquiatra e professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa, destacou a importância da comunicação, neste processo, para “captar aquilo que se passou no silêncio, durante tantos anos”, apelando à colaboração dos media.
O membro da comissão alertou para o “profundo sofrimento” das vítimas, com consequências que se estendem ao longo de toda a vida.
“O mais importante desta comunicação é ouvir o que não foi dito”, apontou, realçando que “é preciso dar tempo às pessoas”.
A comissão integra ainda Filipa Tavares, assistente social e terapeuta familiar, que trabalhou cerca de 25 anos numa IPSS, ‘Casa da Praia/Centro Dr. João dos Santos’ com famílias disfuncionais e de risco
“A voz de cada pessoa, de cada vítima, é única e conta”, assinalou.
Catarina Vasconcelos, cineasta, licenciada na Faculdade de Belas Artes com pós-graduação em Antropologia Visual no ISCTE e mestrado no Royal College of Art, Londres, apresentou-se como “membro da sociedade civil”.
“Trago questões, dúvidas, espanto e revolta perante estes casos”, declarou.
A equipa conta já com mais dois colaboradores, das áreas da psicologia clínica e comunicação social, e vão ser constituídas equipas para cada tarefa.
OC
Sob o lema ‘Dar voz ao silêncio’, o organismo coordenado por Pedro Strecht foi apresentado em dezembro, assumindo o objetivo de chegar a todas as vítimas.
A decisão de criar uma comissão independente foi tomada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) na última Assembleia Plenária, que decorreu entre os dias 8 e 11 de novembro, em Fátima. |