Papa apelou a luta «total» e global perante crise à espera de respostas que superem resistências e receios dos responsáveis católicos
Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano
“Padres e bispos culpados de abuso sexual de menores deixem o ministério público”
“Remover do exercício do ministério não deve ser visto como uma punição, mas sim como o dever de proteger o rebanho”
O Papa Francisco fez história ao convocar para o Vaticano presidentes de conferências episcopais, religiosos, vítimas de abusos sexuais, responsáveis da Cúria Romana e jornalistas para debater as falhas da Igreja Católica na proteção dos menores. 190 pessoas reuniram-se para quatro dias de trabalho, de 21 a 24 de fevereiro, com um objetivo: apresentar ao mundo medidas concretas.
Uma intenção assumida logo no discurso inaugural. Uma intervenção acompanhada por um documento com 21 pontos de reflexão, visando criar protocolos comuns de prevenção e resposta às vítimas.
Cada dia de trabalho foi dedicado a um tema, a começar pela responsabilidade. Conferências e trabalhos de grupos acompanhados por testemunhos de vítimas. Uma voz ouvida dentro e fora do Vaticano, em várias manifestações de protesto.
A partir dos 15 anos tive relações sexuais com um padre. Isso durou 13 anos. Engravidei três vezes e ele obrigou-me a abortar três vezes”
“Como poderemos falar de proteção de menores na Igreja, de responsabilidade, de accountability e transparência sem ter presentes as vítimas e as suas famílias?”
O segundo dia de trabalhos falou da exigência de prestação de contas, com a intervenção de dois cardeais e da primeira oradora do encontro. Mas coube ao cardeal Sean O’Malley, arcebispo de Boston e presidente da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores, criada pelo Papa, assumir um dos temas quentes da cimeira, defendendo que os bispos têm a “obrigação moral” de comunicar casos de abusos às autoridades civis.
Transparência
Outro tema muito discutido foi abordado pelo presidente da Conferência Episcopal Irlandesa, o qual sustentou que a responsabilização de bispos e responsáveis de institutos religiosos que sejam negligentes nos casos de abusos sexuais é uma medida necessária para a credibilidade da Igreja Católica.
A necessidade de transparência, superando uma cultura de silêncio e secretismo, mesmo na relação com a imprensa, dominou o terceiro dia dos trabalhos, que se concluiu com um ‘Mea Culpa’ do Papa, em nome da Igreja Católica.
“Para poder entrar no futuro com coragem renovada, temos de dizer como o filho pródigo: Pai, pequei. Temos necessidade de examinar, onde for necessário, ações concretas para as Igrejas locais, para os membros das conferências episcopais, para nós mesmos”
Fenómeno global
Durante o encontro, algumas vozes manifestaram desconforto por só se falar em abusos sexuais e, no seu discurso final, o Papa parece ter dado eco a estas preocupações. Não para relativizar a gravidade dos crimes, mas sublinhar a sua mensagem de líder global: os abusos sexuais chegam a todo o mundo, a começar pelas próprias famílias, e nenhuma diferença cultural os pode justificar. O problema nunca é só dos outros e a resposta tem de chegar agora.
Depois dos 21 pontos iniciais, Francisco deixou uma espécie de roteiro, para a luta contra menores, em todo mundo, sintetizado em oito pontos.
“Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo”
Medidas imediatas
As medidas concretas que o Papa pedia no início do encontro devem esperar mais um pouco: o Vaticano vai enviar, nas próximas semanas, uma “vade-mécum” a todas as Conferências Episcopais, documento orientador para a prevenção e combate a casos de abusos sexuais.
Outra medida saída da cimeira é a criação de “task forces” para ajudar dioceses que tenham falta de recursos, promovendo medidas de proteção de menores.
A terceira iniciativa anunciada é um novo Motu Proprio (decreto pontifício) do Papa Francisco, sobre a proteção de menores e pessoas vulneráveis, para “reforçar a prevenção e o combate contra os abusos” na Cúria Romana e o Estado da Cidade do Vaticano.
Em aberto ficam questões nas quais se esperavam novas orientações, como a responsabilização de bispos que encubram casos, a obrigatoriedade de denúncia às autoridades civis, a penalização para membros do clero ou religiosos que tenham sido condenados por abusos.
As intenções foram declaradas com clareza, mas com o disse o arcebispo australiano Mark Coleridge, é preciso passar aos atos: “Tudo isso vai levar tempo, mas não temos para sempre e não podemos falhar”.
“Faço um sentido apelo à luta total contra os abusos de menores, tanto no campo sexual como noutros campos, por parte de todas as autoridades e dos indivíduos, porque se trata de crimes abomináveis que devem ser eliminados da face da terra: pedem isto mesmo as muitas vítimas escondidas nas famílias e em vários setores das nossas sociedades”
A inédita cimeira convocada pelo Papa contou com testemunhos de vítimas, relatórios e reflexões de bispos e religiosas dos cinco continentes, bem como de uma vaticanista mexicana, sobre a comunicação nestes casos.
OC
A reportagem em Roma no Encontro sobre Proteção de Menores na Igreja é realizada em parceria para a Agência Ecclesia, Família Cristã, Flor de Lis, Rádio Renascença, SIC e Voz da Verdade.