Escutar o chamamento de Deus «é complicado… mas não é impossível»

Carmelita explica opção pela vida contemplativa Tinha 13 anos, quando ouviu falar do Carmelo. Motivada pela leitura da Autobiografia de Santa Teresinha, quis visitar um… E lá foi, levada pela mãe, a pessoa que mais a ajudou na escolha vocacional – ser Carmelita! A Irmã Maria Teresa vive, actualmente, no Carmelo da Imaculada Conceição, situado perto do Bom Jesus, em Braga. «Para um(a) jovem escutar o chamamento de Deus e perceber, no meio deste turbilhão de atractivos e ofertas que a sociedade de consumo lhe apresenta, e ser capaz de responder generosamente a esse apelo divino, é muito complicado… mas não é impossível!», diz a religiosa nesta entrevista ao Diário do Minho, a propósito da Semana de Oração pelas Vocações (6-13 de Abril). Amanhã, apresentamos um discípulo de São Bento (que vive em Singeverga) e publicamos um texto de um missionário da Sociedade do Verbo Divino, com presença em Guimarães. DM – Como compreendeu que Deus a chamou a esta vocação? Quais foram os lugares e pessoas que a ajudaram a fazer esta escolha vocacional? MT – Começo a responder a esta pergunta partindo da segunda questão que nela está contida; ou seja: os lugares e pessoas que me ajudaram a fazer esta escolha vocacional. Não posso esquecer de modo nenhum, como pessoa que mais me ajudou, a minha mãe. A este respeito, sempre mantive com ela uma relação de abertura e diálogo, até porque, quando ouvi falar do Carmelo, eu só tinha 13 anos! Foi ela que me levou pela primeira vez a um Carmelo, a pedido meu. Nessa altura, eu estava a ler a História de uma alma, autobiografia de Santa Teresinha. Também me ajudaram neste processo de discernimento algumas Carmelitas com quem mantive uma forte relação de amizade e, a partir dos meus 17 anos, o meu director espiritual, também Carmelita Descalço. Estas pessoas foram muito importantes para mim porque, apesar de ter conhecido congregações religiosas de vida activa, portanto com outra finalidade, outra base espiritual e outra forma de estar, ajudaram a formar em mim a hipótese de vir a optar pela vida contemplativa no Carmelo. Estas ajudas foram preciosas, mas o principal “obreiro“ de tudo isto foi o Espírito Santo que colocou no meu coração o desejo da solidão, da oração, do louvor, do sacrifício, do trabalho humilde e da fraternidade. Da minha parte, eu fui procurando estar atenta aos sinais divinos, que muitas vezes passavam pela mediação humana, e manter-me em atitude de escuta, procura e obediência. Até que um dia chegou a decisão final. Foi uma escolha livre, absolutamente livre, sem me ter sentido influenciada por ninguém; apenas obedeci ao apelo divino como o jovem Samuel: «Eis-me aqui, Senhor, pois me chamastes», e como a Virgem Maria: «Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra ». E fez-se!… DM – Qual o lugar da vocação contemplativa no “concerto” das vocações na Igreja? MT – Se pensarmos que os vários carismas que o Espírito Santo suscita na Igreja resultam num “concerto” maravilhoso, cheio de sons e timbres diversos, intuímos que, nesta harmonia divina, também são importantes os silêncios… Os silêncios ou pausas, também são música; é a música calada de que fala São João da Cruz. Realçam e embelezam os sons que a seguir se produzem. Assim acontece com a vida contemplativa que cultiva a vida silenciosa através da oração e solidão. Uma outra imagem, muito bela, que pode ilustrar o lugar que a vida contemplativa ocupa nesta diversidade de carismas na Igreja, é a da árvore com muitos ramos, flores e frutos, sustentada pela raiz que se encontra debaixo da terra e mantém viva e verdejante toda a árvore. Podemos pensar ainda na bela intuição que teve Santa Teresinha que, aliás, foi também a minha, ao descobrir que nesta orgânica tão complexa, semelhante a um corpo humano, nenhum órgão funciona por si mesmo, todos dependem uns dos outros e se entreajudam, recebendo estímulos que os fazem agir, mas a “seiva” que circula em todo o corpo humano, e sem a qual nada funciona, encontra-se no coração. Deste pequeno órgão é que surge toda a actividade humana. E no entanto é um órgão interno, “invisível”, mas importantíssimo. Então, eu exclamo como Santa Teresinha: «A minha vocação é o Amor!» DM – De que forma reconhece que a vida contemplativa está ao serviço da Igreja? MT – A meu ver, esta pergunta completa a anterior. O serviço que a vida contemplativa presta à Igreja é importantíssimo – sem menosprezo de todos os outros –, porque daqui vem o “combustível” para alimentar e revigorar os membros deste imenso corpo, porventura cansados e abatidos, restituindo-lhes a vitalidade e a frescura de que precisam para edificar o Reino de Deus no mundo. Sabemos que a Igreja confia e espera muito das nossas orações e isso responsabiliza-nos e faz-nos viver de uma forma empenhada e comprometida com os nossos irmãos que lutam no campo de batalha que é o mundo. Um dia, Jesus, dirigindo-Se aos apóstolos, exclamou: «Vós sois o sal da terra e a luz do mundo. Se o sal perder o sabor, com que se há-de salgar?» (Mt 5, 13-14). E Santa Teresinha, referindo-se a este versículo do Evangelho, afirma: «Como é bela a vocação que tem por finalidade conservar o sal destinado às almas! Esta é a vocação do Carmelo» (Ms. A, 56r). Por isso, rezamos especialmente por todos os evangelizadores: missionários, sacerdotes, todos os que se dedicam à educação, ao serviço social e caritativo, etc. Todos esses são as nossas mãos e os nossos pés. E nós somos para eles o coração! DM – Na nossa realidade, quais as dificuldades que um jovem pode encontrar para escutar o chamamento de Deus? Que propostas a Igreja pode fazer para que cada pessoa compreenda a sua vocação? MT – A nossa realidade social, cultural e religiosa é muito complexa! Os valores cristãos e morais jazem por terra, enquanto que a anarquia social, o indiferentismo religioso e cultural imperam. Por isso, para um(a) jovem escutar o chamamento de Deus e perceber, no meio deste turbilhão de atractivos e ofertas que a sociedade de consumo lhe apresenta, e ser capaz de responder generosamente a esse apelo divino, é muito complicado… mas não é impossível! Aqui, a Igreja como Mãe que é, deve estar atenta aos sinais dos tempos, a estas rápidas e constantes mutações a todos os níveis da sociedade humana e abrir caminhos de esperança para um mundo desiludido e sem rumo, acolhendo todos os seus filhos, com as suas dilacerações e anseios. Quando falo de Igreja, não me refiro só e exclusivamente aos bispos e sacerdotes, mas a todos os cristãos baptizados, a todos aqueles que são chamados filhos de Deus, que devem viver no mundo como sinal de contradição e, pelo seu testemunho de vida, levar os irmãos à salvação. No que se refere aos bispos e sacerdotes, pastores do Povo de Deus, penso que é importante darem a conhecer as diversas missões e carismas existentes na Igreja, através de catequeses, preparando agentes que trabalhem na pastoral vocacional, etc., porque na Casa de Deus há lugar para todos os Seus filhos, e todos têm o direito de ocupar o seu… no Coração de Deus! DM – Toda a vocação é promessa de vida feliz! Para si, onde está a felicidade? MT– «Para mim a felicidade é estar junto de Deus, buscar no Senhor o meu refúgio» (Salmo 72) e «habitar na casa do Senhor para todo o sempre» (Salmo 22). Mas, como uma carmelita não vive para si mesma, mas para que outros tenham vida em abundância, a minha maior felicidade consiste em que todos os meus irmãos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade e todos juntos glorifiquemos para sempre a Santíssima Trindade. Que todos sejam um!

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