Escolhos de Roma

Fazendo eco de relatórios entregues pelos Bispos portugueses, o Papa constata que os católicos participam pouco na vida comunitária Para lá dos parágrafos mediáticos sobre os “escolhos” da mudança, a chave do discurso do Papa aos bispos portugueses está numa frase que aponta o desafio das novas procuras e das novas “peregrinações”, onde se enquadra até o fenómeno de Fátima: “A Igreja não deve falar primeiro de si mesma, mas de Deus”. Fazendo eco de relatórios confidenciais entregues pelos bispos portugueses, o Papa constata que os católicos participam pouco na vida comunitária, logo, “é preciso encontrar novas formas de integração”. Dadas as circunstâncias, o Papa não podia ser mais explícito. Quando pede uma mudança no “estilo de organização da comunidade eclesial” e uma nova “mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II”, Bento XVI vai ao âmago. Sem meias palavras, Bento XVI pede uma clarificação das funções do clero e dos leigos, “tendo em conta que todos são corresponsáveis”, numa referência ao Concílio que repôs alguma horizontalidade na Igreja. Por outras palavras, está a pedir uma mudança de quase tudo na estrutura “pensante” da Igreja em Portugal. Reprimenda, repreensão, “puxão de orelhas”, admoestação, crítica, aviso… seja qual for o substantivo, ninguém na Igreja pode ignorar que Bento XVI faz uma séria advertência, a começar pelo clero. É já bolorenta a “desculpa de Salazar” – usando a expressão irónica do bispo D. Carlos Azevedo, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa – dos padres que alegam a falta de formação dos leigos e acabam por centralizar tarefas que os afastam do que é inerente ao exercício do sacerdócio. O texto de Bento XVI avança os traços gerais de um roteiro, deixando a “batata quente” nas mãos dos bispos. Embora o “primeiro encontro” possa “revestir-se duma pluralidade de formas”, a iniciação cristã, defende o Papa, deve passar pela Igreja, por isso, “à vista da crescente maré de cristãos não praticantes (…), talvez valha a pena” os bispos verificarem a “eficácia dos percursos de iniciação”. São eles que têm de liderar agora a operacionalidade das consequentes mudanças. É curiosa a reacção “de fora” às palavras do Papa. De repente, o “conservador” alemão e “centralista” romano é o homem da clarividência e da objectividade, defensor dos leigos e anticlerical… Convém não fazer leituras apressadas. O Cardeal Prefeito de uma Congregação da Santa Sé lembrou aos bispos portugueses que “o sacerdote é que deve estar no centro”, reforçando que as comunidades devem sujeitar-se à verticalidade da estrutura tradicional. O mesmo Papa que sugere a valorização do papel dos leigos como “a rota certa”, classifica como “escolhos” – dificuldade, obstáculo, perigo, revés… – os debates sobre o “horizontalismo” e a “democratização” na Igreja. Bento XVI não fecha a porta a discussões sobre “o ordenamento da Igreja e a atribuição das responsabilidades”. Reafirma, no entanto, que tais questões polémicas não devem comprometer a “missão”, ou seja, estão num plano secundário. Falta perceber como se podem fazer, num exercício prático balizado pela mesma carga doutrinária, os acolhimentos emergentes na sociedade globalizada. Nesta “quadratura do círculo”, a atitude perante os divorciados “recasados” – com implicações na educação cristã dos filhos -, os novos contextos familiares, a moral sexual, o papel da mulher, as mutações laborais, o individualismo ou a urgência de uma corajosa intervenção social e política ganham, no terreno, particular relevo. Dentro e fora, há novos desafios que exigem novas respostas. À “pastoral da inteligência” – conceito defendido pelo antigo bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes – junta-se a condição de uma “fidelidade realista”, com a qual a Igreja pode construir pontes no diálogo entre culturas e religiões. Joaquim Franco, jornalista SIC

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