Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Ninguém ama mal ou bem. Ou estamos treinados no amor ou não estamos. Por outro lado, o amor é mais do que um sentimento, decisão, ou até escolha, embora seja tudo isso. Amar é uma autêntica força dinamizadora e transformadora do Universo. É uma espécie de energia renovável que renova todas as coisas. Renova o nosso interior, os relacionamentos com os outros e com o mundo que nos rodeia.
Não é fácil definir amar, mas convido o leitor a acolher uma: amar é ser dom-de-si-mesmo. Por outro lado, amar é um verbo e implica acção. Nesse sentido, imagina que a potência do amor corresponde à variável a.
Qualquer potência define-se como a relação entre uma energia trocada num determinado intervalo de tempo. Assim, a potência do amor (a) seria a razão entre a energia do amor (A) vivida num período de tempo (dt), expressando-se como
a = A/dt
Logo, aumentar a potência do amor (a) passa por amar cada vez mais e melhor (crescer A) no mais ínfimo intervalo de tempo que é o momento presente (onde dt tende para zero). Aplicar esta equação exige treino.
Treinar o Amor-Dentro
… no corpo
Os sentimentos são o modo mais evidente de experimentar o amor. É claro que não se deve reduzir o amor aos sentimentos, mas o facto é que, experimentar amar e ser amado, leva-nos a sentir. E o único modo de sentir é através do corpo. Sem corpo, não se sente. Cuidar bem do corpo significa cuidar bem do modo como sentimos. Mas significa algo mais para treinar o amor-dentro.
“Não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, porque o recebestes de Deus, e que vós já não vos pertenceis?” (1 Cor 6, 19)
Cuidar bem do corpo assegura um templo do Espírito Santo sempre disposto a amar. Por isso, cuidar do nosso corpo não é uma atitude de quem se volta para si próprio, mas de quem cuida do templo do Espírito Santo. Esse cuidado expressa-se das maneiras mais simples como:
- dormir 7-8h por noite;
- hidratar-se;
- caminhar;
- fazer exercício de manutenção, por exemplo, com pesos de 1kg (ou pacotes de arroz);
- respiração profunda;
- comer saudável e moderadamente.
… na mente
A mente é mais do que o lugar onde temos ideias ou desenvolvemos pensamentos. É o lugar onde habita a nossa consciência e através da qual podemos escutar a voz de Deus, de modo a amarmos como Ele nos ama. Amarmos sabendo ser dom-de-nós-mesmos. Mas como treinar o amor-dentro através da mente?
De todas as formas existem duas que prefiro: ler e escrever. Ler aguça e abre a mente. Escrever liberta-a para que seja criativa. Um dos hábitos que iniciei em novembro de 2018 foi escrever 3 páginas matinais assim que me levanto. Sem filtros escrevo o que bem me apetece e quantas vezes não termino em oração, ou com a vontade de amar mais e melhor.
… no espírito
A nossa vida não está completa sem cuidarmos bem da sua dimensão espiritual. É uma parte de nós que dá sentido e significado ao corpo e à mente, de tal modo que se tornam uma unidade indivisível.
Um espírito são é um espírito livre de tudo o que o volta para si mesmo. Desse modo, cuidar bem do espírito significa intensificar a vida de oração, na quietude dos nossos pensamentos, e o resultado é um despertar do amor-dentro treinado para as outras duas formas de treinar o amor.
Treinar o Amor-Outro
Se amar implica ser dom-de-mim, será ao outro que se destina o meu amor. E se amar o outro incondicionalmente, como não despertar no outro o desejo de amar também? Daí que treinar o Amor-Outro se faça cuidando bem dos relacionamentos.
Existem seis pontos simples que nos podem ajudar:
- ser o primeiro a amar – Quando estou com alguém, seja quem for, procurar a primeira oportunidade de amar. Por exemplo, dar o meu lugar num meio de transporte público; dar espaço para que um carro vindo de um cruzamento possa entrar na fila; dar uma peça de roupa que uso pouco ou que sinta ter a mais; emprestar um livro ou mesmo dá-lo. Não há limitação à imaginação.
- fazer-se um – Se o outro está triste, estou triste com ele. Se está alegre com algum sucesso, alegro-me com ele. Se está preocupado, sinto essa preocupação como se fosse minha. ”Fazer-se um” significa mais do que estar na pele do outro, significa entrar na pele do outro para entender o que está a viver e fazer-lhe sentir de que não está só. É a revolução da empatia que o mundo anseia.
- amar a todos – Não fazer acepção de pessoas. Não interessa se é pobre ou rico, alto ou magro, bonito ou feio. Interessa que é pessoa e amá-la está ao meu alcance. Quando amamos a todos os que se cruzam no nosso caminho, treinamos o Amor-Outro e construímos a fraternidade universal que queremos ver realizada no mundo.
- amar os inimigos – Nada nos impede de amarmos as pessoas de quem não gostamos. Dar a outra face implica encontrar o modo criativo de superar os obstáculos ao relacionamento com aqueles de quem não gostamos. Pode ser um gesto genuíno de interesse, ou não prolongar um desentendimento, procurar ir além do negativo e pensar que pode haver uma causa exterior, uma ferida, um sofrimento. Um inimigo é uma oportunidade de fazer da compaixão um modo de treinar o Amor-Outro.
- ver Jesus no outro – Se Deus está em nós, está no outro também. Logo, nesta perspectiva, qualquer relacionamento encontra o seu dever-ser no relacionamento entre Jesus em mim e Jesus no outro. Quantos obstáculos não seriam ultrapassados se mais do que uma ideia fosse uma experiência de vida do quotidiano.
- amar reciprocamente – Treinar o amar implica também treinar ser amado. Quantas vezes temos uma vontade imensa de amar, mas, depois, não estamos abertos a que alguém nos ame. Se nos amarmos uns aos outros, asseguramos a maior fonte da energia do amor: Jesus entre nós (Mt 18, 20).
Treinar o Amor-Universal
O último treino refere-se ao amor universal que não cuida somente de si e do relacionamento com os outros, mas inclui o mundo natural que nos rodeia e do qual somos uma parte inextricável.
A fraternidade não pode ser autêntica e verdadeiramente universal se não incluir o mundo natural. Este treino passa por estimular um novo relacionamento com a natureza que seja expressão de uma comunhão e não mero usufruto.
Há um modo simples e muito prático: passear pela natureza. Além de contribuir para a saúde do nosso corpo, restaurar a atenção da nossa mente e fazermos uma experiência particular da presença de Deus sob todas as coisas (Amor-Dentro), ainda serve para fortalecer os relacionamentos com os outros ao partilhar uma experiência única com a natureza, por exemplo, como acontece nos grupos que fazem o caminho de Santiago ou vão a pé até ao Santuário de Fátima, crescendo juntos no Amor-(ao)-Outro.
A potência do amor passa por treinarmos o nosso amar. Podemos levar uma vida inteira até experimentarmos o fruto deste treino, mas só a consistência vence a resistência. Se tiveres lido até aqui sem te distraíres ou desistires, quem sabe se não podes começar agora: respirando; olhando à tua volta, procurando o teu próximo; e convidando-o para dar um passeio por um jardim.