Samuel Mendonça, Diocese do Algarve
Há nove anos – no dia 6 de junho de 2012 – era inaugurada no Algarve, em Faro, com a colaboração da Igreja algarvia, uma exposição interativa que queria mostrar que os cristãos devem ser os primeiros defensores ambientais do planeta, conforme explicita a Bíblia.
Intitulada ‘eKlogia’ e promovida pela Sociedade Bíblica de Portugal e pela Associação A Rocha – uma das primeiras organizações ambientalistas portuguesas e a primeira de inspiração cristã, fundada precisamente no Algarve – em colaboração com a Diocese do Algarve, a iniciativa visava alertar a sociedade, e particularmente os cristãos, para a emergência da questão ambiental e mostrar que as Igrejas cristãs querem ser parceiras e aliadas no trabalho sobre esta problemática.
Menos de um ano depois, era eleito para a Igreja Católica um novo Papa, que logo no início do seu terceiro ano de pontificado colocava – como até aí nenhum dos seus últimos antecessores tinha colocado –, a questão na agenda não só da Igreja, mas da humanidade. A par da aprovação dos objetivos para o desenvolvimento sustentável pelos líderes mundiais reunidos na Assembleia-Geral da ONU – na qual Francisco discursou durante a sua viagem a Cuba e aos EUA, e da assinatura do Acordo de Paris –, a publicação, em 2015, da encíclica “Laudato Si’” foi um dos três acontecimentos que fizeram daquele um ano importantíssimo nesta área.
Francisco evidenciou a necessidade de o documento ser interpretado como uma encíclica social por não se poder separar o cuidado com o ambiente da vida social, realçando assim que aquilo que se pede no cuidado ambiental é muito mais do que uma simples atitude “verde”, mas uma atitude de ecologia humana.
Convém assim não esquecer que o cuidado ecológico não é apenas uma obrigação para qualquer cristão por razões meramente ambientais, mas também o é por ser uma questão de justiça para com os mais pobres. Ou seja, as consequências nefastas do seu descuido serão para todos, mas de modo ainda mais marcante para aqueles que fazem parte de um dos grupos de destinatários prioritários da ação da Igreja.
A questão é que o documento social nunca terá consequências sociais práticas – que são as que dele se esperam – se não gerar mudanças de atitudes e hábitos sociais em cada um de nós. E, naturalmente, que os membros da Igreja – individualmente e no seu conjunto, enquanto constituintes da instituição no seio da qual nasce a encíclica –, deveriam ser os primeiros a implementá-las por uma questão de coerência como exemplo para os restantes membros da sociedade que terá obrigatoriamente de adotar novos pensamentos que gerem novos modelos de desenvolvimento e estilos de vida.
Dificilmente esta conversão (termo referido 13 vezes na encíclica) será implementada por uma geração de cristãos que sempre viveu sem ter esta preocupação no seu horizonte. Será protagonizada pelas futuras e atuais gerações de adolescentes e jovens, muitos deles membros também de diversas confissões cristãs, que já perceberam que esta é uma questão que os atingirá em cheio e que estão já sensibilizados para ela.
O Papa tem feito um esforço, com diversas propostas, para que a encíclica não caia no esquecimento e a verdade é que muitos dos exemplos têm vindo das lideranças. A nível local, na Diocese do Algarve, o mesmo bispo que já em 2012 anuía a que a Igreja algarvia se associasse a um evento cuja temática, ao tempo, ainda era vista com alguma surpresa no meio eclesial, é o mesmo que não teve pruridos em dar o exemplo, contribuindo ele próprio para a concretização da encíclica à microescala, levando a efeito a construção de um projeto na área da casa episcopal que alia as preocupações do cuidado com a «casa comum» ao cultivo da interioridade que qualquer cristão deve ter. A “Horta ‘Laudato Si’” – que permite a produção de legumes, hortaliças, fruta e aromáticas para consumo caseiro, o aproveitamento de águas pluviais para rega e a prática da compostagem tradicional associada à vermicompostagem com múltiplas vantagens para a qualidade dos produtos e para a redução dos resíduos – é um exemplo que educa gerações sem ser preciso dizer ou escrever uma palavra.