É tempo de regressar ao mar…

Joaquim Cadete, Economista

Atualmente vivemos um período de perturbação em termos sociais e políticos dado o difícil confronto com a nossa realidade económica. Ao longo de mais de uma década a crescente perda de competitividade externa da economia portuguesa foi suavizada pelo poder estatal, dado que sempre que existia um problema o Estado resolvia. Face à progressiva desertificação económica e social do interior o poder local respondeu com a criação de emprego público; face à necessidade de uma melhor rede de infraestruturas escolares, hospitalares e de transportes os governantes responderam com mais investimento público; por fim, face à crescente competição internacional em termos económicos o Estado decidiu fomentar a produção de bens não- transcionáveis (ou seja, aqueles que apenas podem ser produzidos localmente e logo não exportáveis) de forma a assegurar a rendibilidade dos investimentos realizados por privados. A todas as situações apresentadas anteriormente existe um elemento comum: a emissão de dívida para fazer face aos pagamentos a efetivar ou subsídios a conceder. Dado que os impostos angariados mal chegam para pagar os salários dos funcionários públicos, a maioria das funções tradicionais do Estado foram financiadas ao longo dos últimos anos pelo recurso a credores externos (que assumiram que sabíamos o que estávamos a fazer…). Infelizmente, tanto os credores como nós percebemos agora que o caminho estava errado e que nunca se poderia traduzir num futuro melhor. Os dados falam por si – hoje 20% da população portuguesa é considerada pobre e este número seria de 42% da população se não fossem as transferências sociais do Estado. Em 2009, Portugal foi o país da EU-27 que apresentou a segunda taxa mais elevada de desemprego de longa duração (apenas atrás da Eslováquia). Em suma, um pensamento coletivista bem intencionado apenas se traduziu num progressivo empobrecimento da comunidade decorrente de um crescente intervencionismo estatal a nível social e económico. Neste sentido, vale a pena recordar o que Tocqueville escreveu na sua obra-prima “Da Democracia na América”:

“Vejo uma multidão imensa de homens semelhantes e de igual condição girando sem descanso à volta de si mesmos, em busca de prazeres insignificantes e vulgares com que preenchem as suas almas. Cada um deles, pondo-se à parte, é como um estranho face ao destino dos outros; para ele, a espécie humana resume-se aos seus filhos e aos seus amigos; quanto ao resto dos seus concidadãos, está ao lado deles, mas não os vê; toca-lhes, mas não os sente, ele só existe em e para si próprio e, se ainda lhe resta uma família, podemos dizer pelo menos que deixou de ter uma pátria.

Acima desses homens ergue-se um poder imenso e tutelar que se encarrega sozinho da organização dos seus prazeres e de velar pelo seu destino. É um poder absoluto, pormenorizado, ordenado, previdente e suave. Seria semelhante ao poder paternal se, como este, tivesse por objetivo preparar os homens para a idade viril; mas ele apenas procura, pelo contrário, mantê-los irrevogavelmente na infância. Agrada-lhe que os cidadãos se divirtam, conquanto pensem apenas nisso. Trabalha de boa vontade para lhes assegurar a felicidade, mas com a condição de ser o único obreiro e árbitro dessa felicidade. Garante-lhes a segurança, previne e satisfaz as suas necessidades, facilita-lhes os prazeres, conduz os seus principais assuntos, dirige a sua indústria, regulamenta as suas sucessões, divide as suas heranças. Será também possível poupar inteiramente aos cidadãos o trabalho de pensar e a dificuldade de viver? “

A nossa insatisfação hoje decorre, em muito, do fim de uma época de ilusão e do progressivo acordar para a dura realidade – o nosso futuro não é tão promissor em relação ao que nos tinham prometido. A busca de um passado impossível de alcançar ou de manter corresponde hoje simbolicamente a personagem introduzida por Camões pelo Velho do Restelo. A solução para os nossos problemas não passa igualmente por esquecermos quem confiou em nós no passado. O pagamento dos compromissos efetivados assume-se assim como vital até porque os nossos credores serão os potenciais clientes para as exportações portuguesas. Em conclusão, importa ter a coragem de voltarmos a fazer-nos ao mar, com todos os riscos associados, tal como os nossos antepassados o fizeram há cinco séculos. Novos tempos exigem novos comportamentos inclusive em termos de participação cívica e social. Neste sentido, a Parábola dos Dons constitui um ótimo guião para os comportamentos futuros a adotar: importa por a render todas as capacidades individuais; a quem mais lhe foi dado mais ser-lhe-á exigido; e que cada um é apenas o gestor dos bens e não o seu dono.

Joaquim Cadete, Economista

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