Discurso do secretário-geral da APEC na assembleia de pais, Calvão

Vou contar-vos 6 histórias verdadeiras:

 

Há muitos anos, ainda no século passado, as pessoas gostavam de pôr os filhos no liceu, mas só havia liceus nas capitais de distrito. Valeu às pessoas das vilas e aldeias o ensino particular, os colégios e externatos espalhados um pouco por todo o país, e também os seminários diocesanos e das congregações. Quantos não foram os jovens que graças a estas escolas conseguiram tirar o 5º ou o 7º ano dos liceus, e alguns deles seguirem para a Universidade?

 

Mais ou menos há 40 anos começa a 2ª história. Com o ministro Veiga Simão, o Estado lá reconhece que era justo apoiar alguns colégios, principalmente aqueles que estavam situados em zonas onde não existiam ciclos preparatórios e liceus estatais. É a primeira vez que se concedem estes subsídios ao ensino particular. Mas por esta época encerram muitos colégios, pois a concorrência das escolas do Estado asfixia-os.

 

A 3ª história começa há 36 anos, com a Revolução de Abril. No PREC, ataca-se a Igreja, e alguns revolucionários querem acabar com o ensino particular. Muitas escolas privadas não resistem e encerram. Valeu na altura um punhado de combatentes unidos na mesma causa e firmes nas suas convicções. Eram eles directores de colégios (a maioria dos quais, padres), pais, professores, deputados do CDS, do PPD e até do PS. Era também a AEEP. Eram também os nossos bispos. Era também a Associação de Escolas Católicas. Todos juntos conseguiram fazer com que se construísse um conjunto de leis muito favoráveis ao ensino privado, leis essas que até há pouco estavam em vigor.

 

Com o Estatuto do EPC começa a 4ª história. Criam-se os Contratos de Associação, permitindo o ensino gratuito em muitos colégios – na altura, uns 50, hoje mais de 90. A maioria destas escolas localizava-se em zonas rurais ou na periferia das cidades. Para as restantes escolas privadas criaram-se os contratos simples, tão simples que apenas davam uns subsídios insignificantes aos alunos com manifestas dificuldades financeiras.

 

Por esta época – estamos na década de 80 e início da de 90 – como havia muitos alunos e as escolas estatais não chegavam para as encomendas, o Estado até agradecia a criação de novos colégios para suprir esta falta. E assim foram surgindo mais escolas privadas com Contratos de Associação.

 

A 5ª história já começa a ser dramática. O Estado, mesmo sabendo que a taxa de natalidade está a baixar, continua a construir escolas por todo o lado, sem necessidade, às vezes junto de escolas privadas. Resultado: começa a dizer que já não precisa tanto dos colégios, e que tem de diminuir o número de turmas em contrato. Aqui temos um Estado ingrato, começando a desprezar as escolas que tanto jeito lhe deram em determinadas épocas. Aqui temos um Estado invejoso, pois como sabe que os pais preferem em geral o ensino privado, obriga as crianças do 4º ano a inscreverem-se, à força, nas suas escolas.

 

A 6ª história é catastrófica se vier a ser verdadeira. O actual governo, a coberto da crise – que tudo parece justificar… -, lançou o mais feroz ataque ao ensino não estatal dos últimos oitenta anos, atingindo, sobretudo, as escolas privadas com contratos de associação com o Estado, isto é, aquelas que oferecem ensino gratuito, como qualquer escola dita “pública”. Num ápice, o governo decide, sem diálogo, anular um conjunto de normativos que orientavam a acção das escolas e as suas relações com o Estado. E sem discussão. E para não parecer que quer extinguir boa parte do ensino privado – paradoxalmente aquele que também acolhe as pessoas desfavorecidas – diz que vai continuar a financiar muitas escolas, mas apresenta valores de financiamento que nem chegam para pagar aos professores! Ou seja, não mata, mas não oferece condições para viver…

[Tudo isto executado com habilidade, no momento certo: há a desculpa da crise; celebramos os 100 anos da República (com tudo o que isto significa, designadamente a maçonaria); as 100 escolas secundárias estatais recentemente inauguradas (e as mais 200 que estão na fase final de requalificação) com muitas salas para receber alunos dos colégios; a imagem que vai passando de que o Estado não tem de financiar escolas “para meninos ricos”; a opinião pública que, não esclarecida, até concorda com esta medida; os sindicatos mais radicais e barulhentos, que também aplaudem. Não há dúvida, a máquina do governo funcionou na perfeição.]

 

Sempre o Estado exigiu aos privados aquilo que ele próprio não cumpria. Já estávamos habituados. Mas agora o governo abusou: corta 11% no orçamento das escolas estatais e para as escolas privadas contratualizadas ameaça com cortes superiores a 30%!!! Como é possível! Reparem, um aluno num colégio com contrato de associação fica bem mais barato ao Estado do que se frequentasse uma escola estatal. Continhas feitas por mim mesmo, há poucos anos, num trabalho de investigação, ditaram o seguinte: em determinada zona, um aluno do 2º/ 3º ciclo do ensino básico que frequentasse uma escola privada custava ao Estado metade (repito, “metade”) de um aluno que frequentasse a escola estatal mais barata dessa zona!!! Mas não me servi de dados da OCDE, nem do Ministério: fui às escolas, com as devidas autorizações, e vasculhei todos os papéis. E fiz as contas. E nem ministros, nem directores regionais, nem sindicatos as contestaram. Hoje, com menos “reduções” nas escolas estatais, a diferença não é tão abissal, mas continua a ser significativa. Dados quanto a mim muito generosos dizem que as escolas privadas com contrato de associação poupam anualmente ao Estado 51 milhões de euros. Mas a totalidade do ensino privado poupa anualmente ao Estado, numa tarefa que ele tem a obrigação de suportar, mais de 750 milhões de euros!!!

Mesmo com estas poupanças, há quem ande por aí a dizer que o Estado não tem a obrigação de financiar os colégios, muito menos os de “gente rica”. Curioso, se esses meninos “ricos” forem para a escola estatal, quem é que paga os seus estudos? Não será o mesmo Estado? E ninguém protesta… Estranha hipocrisia! Essa gente dos gabinetes ministeriais não conhece os colégios com contrato de associação, que como escola pública (tão pública como a estatal), está aberta a todos.

 

Trinta e seis anos de democracia ainda não foram suficientes para se aprender que o Estado tem a obrigação de garantir a educação para todos, mas não tem que ser somente ele (nem principalmente ele) a prestar esse serviço. Trinta e seis anos de um regime que tanto proclamou a liberdade ainda não foram suficientes para se concretizar as liberdades de aprender e de ensinar, isto é, o direito de se criarem escolas privadas com projectos educativos diferenciados, e o direito de os pais escolherem a melhor educação para os seus filhos, tal como consta do art. 26.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 

Esta 6ª história exige muita luta. E os pais devem estar na linha da frente. Não deixem que seja o Estado a decidir por vós. Lutem pelos vossos direitos. Não queremos um Estado ingrato, invejoso, desonesto, hipócrita. Nós merecemos um Estado colaborante, galvanizador da iniciativa privada e respeitador da vontade dos pais.

 

Deixemo-nos agora de histórias…

Há 6 anos, aqui em Calvão, nasceu um movimento de pais que aglutinou professores, directores e outras boas vontades. Fomos a Lisboa. Éramos 10 000. Meus amigos, se for necessário, teremos força, coragem e fé e iremos novamente até Lisboa, agora 100 000, mostrar aos governantes que “pró meu filho, prá minha filha, quem decide sou eu!”!

 

Jorge Cotovio

Secretário Geral da APEC

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