Discurso de D. Jorge Ortiga no VIII Encontro das Igrejas Lusófonas

Diocese de Macau como referência social e eclesial Sinto-me lisonjeado por poder pronunciar algumas palavras neste momento em que o Instituto Internacional de Macau atribui o “Prémio Identidade” à Diocese de Macau. Lamento não me sentir com a capacidade intelectual que o evento merece. Desculpem-me pelo humilde contributo e olhem para além das pobres afirmações. Num período de globalização assistimos a um crescente individualismo e liberalismo que, mal entendidos, degeneram o conceito do “orgulho de ser na fidelidade ao paradigma que determinou a origem e acompanha o quotidiano da vida das pessoas e das instituições. Parece ter valor o caduco e passageiro que se aproveita conforme razões emotivas, passageiras e momentâneas. Neste proliferar de interpretações a “fidelidade” vai-se perdendo e o medo por ser o que se deve ser atenua-se por medo à diferença. Como exemplo deste unimorfismo conservador os arautos da modernidade colocam a Igreja. Acontece, porém, que esta reconhece a sua origem noutros horizontes e sabe que deve caminhar norteada pelos valores transcendentes que vencem as barafundas da confusão intelectual, moral e social. A Diocese, como presença visível da Igreja, terá de sublinhar uma identidade inquestionável ainda que pareça que os ventos soprem doutros lados. Não é insensível aos sinais do tempo pois caminha com o ser humano na resposta aos seus enigmas e sabe ser sensível sem trair o seu ideário. A Diocese de Macau é paradigma desta identidade, no passado e no presente. Foi no passado uma vez que a história de Macau se torna incompreensível sem a sua presença e intervenção. Fiel à sua maneira de viver abre-se à multiculturalidade, entre outros aspectos, suscitando prosperidade para o povo através de ligações comerciais com o Japão que as leis imperiais chinesas impediam. A livre iniciativa dos mercadores procurava vantagens económicas em variadíssimos lugares mas a marca duma cultura própria continuava sempre presente. O P.e Silva Rego dizia que, no passado e num cenário onde a Diocese dava orientações, os portugueses se portavam como o bambu. “Quando o tufão soprava forte vergavam, quase até quebrar, para logo de seguida se erguerem, prontos a recomeçar”. Esta imagem é feliz e acompanhou a Diocese desde a sua criação, em 23 de Janeiro de 1576, pelo Papa Gregório XIII, pela Bula Super Specula Militantis Ecclesiae, com jurisdição “em toda a China, Japão, Coreia e ilhas adjacentes. “Daqui surgiram cerca de 600 dioceses e Macau marca e preserva a sua identidade como ponto de chegada, de partida, de formação de missionários que chegaram a exercer influências até na Corte de Pequim. Poderá parecer inoportuna esta sumaríssima referência a Macau. Só que aqui encontramos uma marca indelével do trabalho que a Diocese realizou ao longo dos tempos. A união estreita entre a esfera civil e religiosa permite afirmar que a vida daquela colónia portuguesa era, em grande parte, conduzida pela Igreja, ou seja, Diocese. Isto, dentro do espírito imperialista português mas, dum modo especialíssimo, da catolicidade da Diocese, alargou horizontes, provocou encontro com culturas e harmonizou o que parecia irreconciliável. O que Macau realizou de relação com o oriente, em grande medida, deve-se a esta característica da “identidade” católica da sua Igreja. Na actualidade, a Diocese de Macau prossegue o seu caminho numa identidade característica que a demarca doutras realidades e se expressa em iniciativas com um cunho de valor incalculável. Não me refiro à importância de formação de consciências que a liturgia e a catequese desempenham. Olho, particularmente, para duas áreas que, na minha ignorância mas por contacto pessoal numa breve visita efectuada há poucos anos, continuam a esboçar uma identidade peculiar na atenção aos valores locais mas acrescentando um pormenor distintivo e característico. A acção social promovida pela Diocese de Macau é um referência geradora de solidariedade e manifestação duma verdadeira opção pelos pobres. São cinco séculos repletos dum amor vivido no relacionamento mútuo e no compromisso assumido por variadíssimas instituições. É um longo caminho com os mais necessitados onde não se fecha os olhos para não ver. O presente parece atenuar esta necessidade de solicitude. Só que a Igreja e a Diocese deverá, sempre, considerar constitutiva da sua identidade os problemas escondidos ou mal resolvidos. Ouso recordar quanto o Papa Bento XVI nos recorda: “É muito importante que a actividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante da mesma … “Todos os que trabalham nas instituições caritativas da Igreja devem distinguir-se por isto: não se limitam a executar habilidosamente a acção conveniente naquele momento, mas dedicam-se ao outro com as atenções sugeridas pelo coração, de modo que ele sinta a sua riqueza de humanidade. Por isso, para tais agentes, além da preparação profissional, requer-se também, e sobretudo, a «formação do coração»: é preciso levá-los àquele encontro com Deus em Cristo que suscite neles o amor e abra o seu íntimo ao outro de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um mandamento, por assim dizer, imposto de fora, mas uma consequência resultante da sua fé, que se torna operativa pelo amor”. Acredito que a Diocese de Macau testemunhou esta identidade e nunca fugirá deste cunho original e característico de atenção aos mais pobres. Outra dimensão onde a identidade da Diocese de Macau emerge e continuará a responder aos desafios, é o campo da educação. Vejo a educação como a capacidade de “aprender a ser” homens e mulheres capazes de realizar um mundo mais equitativo e irmão. Cito Edgar Faure: “… a educação para formar este homem completo, cujo advento se torna mais necessário à medida que coacções sempre mais duras separam e atomizam cada ser, terá de ser global e permanente. Trata-se de não mais adquirir, de maneira exacta, conhecimentos definitivos, mas de se preparar para elaborar, ao longo de toda a vida, um saber em constante evolução e de “aprender a ser” (Edgar Faure, Aprender a Ser – Relatório da Comissão Internacional para o Desenvolvimento da Educação, Unesco, Lisboa, 1977). Creio que a identidade da Diocese de Macau na actividade formativa está nesta educação integral onde o humano se torna alicerce duma abertura ao transcendente como verdadeira explicação da identidade humana. A Igreja empenhando-se na educação não pretende só transmitir conhecimentos. Importa que seja capaz de gerar o que anuncia por palavras. Isto pode parecer invisível aos olhos, mas é o trabalho da Igreja. Nem sempre se mede mas tem valor. Alguns reconhecem, outros desprezam e ridicularizam. A identidade está aqui nesta fidelidade que é fonte de esperança para um mundo novo. “A mensagem cristã não é só “informativa”, mas “perfomativa”. Significa isto que o Evangelho não é apenas uma comunicação de realidades que se podem saber, mas uma comunicação que gera factos e muda a vida. A porta tenebrosa do tempo, do futuro, foi aberta de par em par. Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova” (Bento XVI, Spe Salvi, 2). Atribuir à Diocese de Macau o Prémio Identidade, para mim, é reconhecimento dum caminho percorrido mas, simultaneamente, prece para que continue a manifestar o seu ser Igreja, porventura na diferença e sempre na fidelidade aos valores eternos, para que, na sua pequenez territorial seja esperança para o mundo que a rodeia. Termino com nova citação do Papa Bento XVI: “A vida humana é um caminho. Rumo a qual meta? Como achamos o itinerário a seguir? A vida é como uma viagem no mar da História, com frequência enevoada e tempestuosa, uma viagem na qual perscrutamos os astros que nos indicam a rota. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver com rectidão. Elas são luzes de esperança. Certamente, Jesus Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da história. Mas, para chegar até Ele precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebida da luz dele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia. E quem mais do que Maria poderia ser para nós estrela de esperança? Ela que, pelo seu “sim”, abriu ao próprio Deus a porta do nosso mundo; Ela que se tornou a Arca da Aliança viva, onde Deus Se fez carne, tornou-se um de nós e estabeleceu a sua tenda no meio de nós (cf. Jo. 1, 14). † D. Jorge Ortiga, A. P.

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