Homilia da Vigília Pascal de D. António Moiteiro
Após a proclamação do Precónio pascal, os textos do Antigo Testamento, que escutámos nesta longa liturgia da Palavra, introduzem-nos na história dos gestos de Deus que preparam a criação como um espaço onde os nossos primeiros pais se sentiam bem. A história do ser humano, apesar de tantas desgraças que lhe aconteceram, é uma história de salvação.
Começámos com o livro do Génesis e a narração da criação. Não se descreve a origem dos seres do ponto de vista científico, mas o sentido que eles têm para nós a partir do ponto de vista de Deus. Onde há vida, Deus está presente. Mesmo que nós, os humanos, confundamos o bom com o útil, a beleza com o poder, Deus não se resigna perante as situações de escravidão e humilhação que vive o seu povo.
No Êxodo cantam-se as ações do Deus libertador, porque Ele acompanha o seu povo na luta pela liberdade e alimenta a esperança de uma terra prometida, uma terra na qual habite a justiça.
Os profetas alimentam a fé e a esperança de uma aliança nova: “arrancarei o vosso coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne”.
Ressuscitou!
No final da Paixão e no momento da morte foram as mulheres que estiveram presentes, agora é a elas que se anuncia a boa notícia da ressurreição. Só quem amou como elas amaram o crucificado – os apóstolos tinham-no negado e abandonado – podem ser merecedoras do anúncio do Ressuscitado. Quando o centurião confessa que Jesus era o Filho de Deus, as mulheres – Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu – estavam junto da cruz e quem ficou sentado junto ao sepulcro foram Maria de Magdala e a outra Maria.
A primeira experiência que têm as mulheres que vão ao sepulcro na manhã do primeiro dia da semana é a do sepulcro vazio. Os quatro evangelistas coincidem ao afirmar que o sepulcro estava vazio porque aquele que nele tinha sido sepultado agora estava vivo, ressuscitado. É aqui que devemos ver o papel das mulheres no anúncio da ressurreição.
O anúncio do ressuscitado hoje
Todo o Evangelho de São Marcos se ordena à revelação do mistério da ressurreição do crucificado. Dirigido a umas mulheres que apenas pensam num morto (embalsamar o corpo), não encontram nada no túmulo. A ressurreição do crucificado não é ideia de um homem, mas sim um ato de Deus. Logo no princípio (Início do Evangelho de Jesus Cristo, o Filho de Deus) se projeta a presença de Jesus vivo.
O anjo disse às mulheres: “Não vos assusteis. Procurais Jesus de Nazaré, o Crucificado? Ressuscitou. Não está aqui”.
As mulheres foram imediatamente ao lugar onde estavam os Onze para lhes anunciarem a mensagem que tinham recebido do anjo. Os apóstolos não acreditaram. A ressurreição estava para além de tudo o que pudessem pensar.
Ser cristão não acontece de um momento para o outro. Tornamo-nos cristãos de forma gradual e progressiva, convertendo-nos dos ídolos ao Deus vivo e crescendo continuamente na configuração com Jesus Cristo, ou seja, na santidade vivida na caridade. A descristianização que vamos presenciando reclama que ofereçamos a cada pessoa, consoante a sua situação, a possibilidade de ser iniciada na fé, através de uma pastoral permanente de primeiro anúncio, de encontro com Cristo vivo e ressuscitado. Porque nem sempre se verifica um crescimento orgânico, se comprova a aprendizagem e prática de vida cristã, o primeiro anúncio torna-se, atualmente, «o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se tem de voltar a anunciar, de uma forma ou de outra, durante a catequese, em todas as suas etapas e momentos» (EG 163). Uma pedagogia de primeiro anúncio procura estar atenta às aberturas à fé, numa dinâmica de escuta de Deus e de cada pessoa, sabendo que ser iniciado à vida da fé é uma obra de Deus que move os corações à fé, a qual está ao serviço da criação de condições favoráveis para ajudar as pessoas a deixarem-se iniciar por Deus, que se lhes revela e as chama à comunhão com Ele. A Ressurreição é, pois, a verdade de um Deus de amor, que não abandona a humanidade.
A ressurreição é a nova criação que se une com o projeto de Deus que ouvíamos no texto do Génesis. Não era fácil para eles entrar no mistério, na maravilha das maravilhas do poder de Deus. Hoje, como ontem, continua válida esta mensagem. É a resposta definitiva ao grande enigma que pesa sobre a humanidade: que sentido tem a morte? O que existe para além da morte? Jesus já tinha esboçado uma resposta nas ressurreições que tinha realizado durante a sua vida pública. Agora dá a resposta definitiva: depois da morte a humanidade inteira tem uma vida sem fim, feliz, para sempre e para todos.
Catedral de Aveiro, 3 de abril de 2021
+ António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro