Descobrir Deus no meio do sofrimento

Capelão do Hospital Dona Estefânia fala da importância da assistência espiritual em momentos delicados da vida A assistência espiritual é fundamentalmente perceber “onde está Deus no meio disto tudo.” Isto tudo são as crianças, o seu sofrimento e o dos seus pais. Dedicado exclusivamente à maternidade e a crianças, o Hospital D. Estefânia dizem ter uma “aura especial”. Talvez pelas crianças e pelo “melhor que conseguem tirar dos adultos”, talvez pelos últimos dias de vida que a beata Jacinta ali viveu, talvez pelas pessoas que são o hospital. Ou talvez por tudo isto. Andar pelos corredores com o Pe. Carlos, é parar a cada 100 metros. Enfermeiros, voluntários, funcionários cruzam-se pelos corredores. Espaço para breves conversas, mas importantes contactos onde importa a presença. “Ando por aqui, falo com quem passa”, mostra que está pelo hospital. Sacerdote há 13 anos, o Pe. Carlos Azevedo acompanha também a Comunidade Vida e Paz. Foi pároco na Lourinhã e em algumas comunidades nas Caldas da Rainha. Ao fim de cinco anos, o Cardeal Patriarca de Lisboa nomeou-o primeiro para Telheiras, onde esteve um ano com funções de pároco. Fruto do seu carisma pessoal ou próprio da casa – refere-se constantemente ao D. Estefânia como uma casa – percebe-se a verdade quando diz que sente a sua vida “bem gasta aqui”. São funções muito difíceis e muito exigentes “mas muito desafiantes e que dão sentido ao nosso ministério e consagração”, sublinha. Muitas palavras trocadas depois, confirma que não leva nada para casa “a não ser que tenha de resolver alguma coisa lá fora”. É um trabalho “pesado psicologicamente”. Fora das paredes do D. Estefânia há outras solicitações. Centra o seu trabalho no edifício principal onde está localizado o internamento das crianças. “Geralmente não vou à ginecologia ou obstetrícia a não ser que sejam casos complicados. Se assim for, inevitavelmente me cruzo aqui com eles” – refere-se ao internamento. Aqui passa 35 horas por semana pois é funcionário do hospital. Insiste em falar em «nós», mas a assistência presta-a sozinho. Conta com a ajuda de algumas pessoas, uma “verdadeira rede de solidariedade”. Voluntários são cerca de 100, um serviço que passa pelo capelão mas não exclusivamente. Sendo um hospital materno infantil, tem uma parte de maternidade e de ginecologia e outra parte de pediatria – com maior dimensão. São os familiares das crianças que ao Pe. Carlos se dirigem, porque as crianças são muito pequeninas. “A sua maioria são bebés e as crianças neste hospital, geralmente estão em estado grave”, com patologias extremas não podendo por isso sair dos quartos. As que saem da enfermaria e que têm alguma capacidade relacional, “vêm visitar-me e acaba por fazer parte da sua rotina. É uma forma de combater o facto de se encontrarem internadas há muito tempo”. Ali vivem crianças com as suas famílias “por vezes anos seguidos”, conta o Pe. Carlos, relembrando experiências de três anos seguidos, ou dois, todos os dias. Algumas delas mostram sorrisos nas fotografias expostas num painel no seu gabinete. Cimentar relações “Tornamos a sua família”, porque chega a conviver dois ou três anos seguidos com pessoas que ali têm de ir todos os dias. Mesmo quando saem, têm de continuar nas consultas externas e nos tratamentos, por isso da parte da manhã, batem-lhe à porta e ficam à conversa. Daqui se iniciam muitos contactos, actividades e dinâmicas que geram uma verdadeira “rede de solidariedade” de bens que entram e saem. Roupas, brinquedos e muitos outros utensílios passam por este gabinete. “Há muita partilha e solidariedade aqui dentro porque vamos percebendo a carência que afecta muitos dos que frequentam o hospital”. A capelania é muitas vezes “uma ponte”. Não há um dia típico. Da parte da manhã decorrem as visitas médicas e a higiene de cada paciente e a presença do capelão não “acrescenta muita coisa”. Por isso a manhã é mais dedicada a “trabalho pessoal de preparação para alguma coisa” e atendimento de pessoas que o solicitam. “Tento almoçar sempre na cantina, junto das pessoas”. Às vezes vai sozinho e deixa a cadeira vazia, porque sabe que alguém se sentará à sua frente para conversar. Um equilíbrio entre perguntar e saber escutar. “Uma simples pergunta leva as pessoas perceberem que se está com atenção à sua vida”, explica. A visita às enfermarias hoje foi mais cedo. Geralmente depois da Eucaristia que celebra todos os dias às 16 horas e 30 minutos – ao Sábado é às 17 horas – ruma aos quartos porque “já passou o horário das visitas e normalmente há um outro ambiente para suscitar conversa, para as pessoas partilharem e se poder conversar acerca de algo que as inquiete”. Pelo caminho vai deixando boa parte da boa disposição que o caracteriza. O sorriso certo para quem já o conhece, uma festa a uma criança que não o vê, mas sente. Todos os momentos são importantes para simplesmente estar. O bom relacionamento que o Pe. Carlos cultiva com quem contacta é visível pelos corredores e pelos telefonemas que vão acontecendo e onde se partilha uma boa risada. Instrumento verdadeiro e essencial para se criar relações de confiança e abertura. Durante a semana “procuramos estar o mais tempo possível e proporcionar apoio quer aos profissionais quer ao utentes, desde o atendimento à visita aos doentes nas suas camas”. É toda esta envolvência que caracteriza o trabalho do assistente espiritual num hospital. Para médicos e enfermeiros é uma luta lidar com a morte de uma criança. “O quadro geral não é de morte, acontece, mas pouco”.Há casos em que não se tem tempo para intervir. Uma criança que entra já em braços e falece imediatamente, ou pouco depois, “nesses casos é ainda mais complicado, quer para os familiares, como para o corpo profissional”. O Pe. Carlos manifesta uma grande disponibilidade para atender os profissionais de saúde, apoiar e acompanhá-los espiritualmente. Relembra que no princípio as pessoas tinham a noção de que a presença de um padre no hospital era porque alguém estaria para morrer. Lembra-se também de muitas vezes lhe perguntarem de quem era pai “e quando ouviam dizer que eu era padre ficavam a achar que algo de muito grave se passava”. Levou tempo a habituar-se, individualmente até, a ser uma presença constante e natural “porque as pessoas tinham algumas reservas”. Agora acontece fazer mesmo preparação para o casamento de alguns profissionais de saúde, baptismos, às vezes também funerais. “Procuramos estar muitos disponíveis para isso e formar uma comunidade onde se desenvolvem o mais possível laços de relacionamento”. Multiculturalidade no hospital A sua equipa são voluntários e existe também um mediador para a etnia cigana, que entrou a partir da pastoral dos ciganos. “Serve de mediador para várias questões que surgem com a comunidade cigana”. Têm hábitos diferentes “principalmente ausência de regras e uma casa como esta tem necessariamente algumas regras que são absolutamente necessárias”, aponta. Quando surgem alguns conflitos é importante ter alguém a mediar, e a melhor forma de o fazer é com “alguém pertencente à sua comunidade”. O trabalho do Bruno Oliveira tem sido uma mais valia, inclusivamente na formação que dá aos profissionais sobre os aspectos culturais da comunidade cigana. No imediato não surge necessidade de se apostar em mais mediadores com outras comunidades. Mas o hospital é cada vez mais um espaço onde se regista a multiculturalidade das sociedades. Espanhóis, africanos, chineses, brasileiros, oriundos dos países de Leste já se cruzaram pelos corredores. Numa enfermaria, onde se encontram cerca 20 crianças, “podemos encontrar seis nacionalidades diferentes”. Países de Leste, africanos, brasileiros, chineses são uma variedade que constituem um desafio. A par da diversidade de etnias há também uma variedade de formas de estar, de cultura e de abertura também com o capelão. “Não estamos aqui para tentar convencer ninguém a aderir à nossa religião. Estamos para apoiar espiritualmente as pessoas que estão numa fase mais difícil”. A própria identidade dos doentes está posta em causa porque o seu corpo está transformado. Por isso a presença de um assistente espiritual “tem de ser uma mais valia. Muitas vezes somos uma ajuda directa outras apenas uma mediação. A função de um assistente espiritual num hospital neste caso, católico mas sendo outra confissão teria a mesma responsabilidade, é fazer a ponte entre o doente e o seu líder espiritual seja ele sacerdote ou pastor”. Acontece também fazer o apoio noutro sentido. Quando outras religiões querem visitar o hospital “servimos nós de ponte para que eles tenham acesso”, relembrando uma experiência recente com um grupo de adventistas do sétimo dia que visitam mensalmente o D. Estefânia. No hospital o respeito pelo doente deve ser muito grande. Não se trata de uma presença que venha pôr em causa alguma coisa, mas “essencialmente uma presença que acrescente paz, conforto, consolação a pessoas que nesta situação possam estar mais fragilizadas”. Acompanhamento para além do hospital O acompanhamento não é só feito entre portas. A assistência fora do hospital continua. Quando morre uma criança o acompanhamento e assistência à família continuam. “A própria família nos procura, vem participar na eucaristia. Quando as crianças têm alta, por vezes acontecem não terem sido baptizadas cá, os familiares pedem e nós vamos lá fora baptizá-las”. A passagem pelo hospital “é um momentos mais sensíveis na vida do doente que nos aproxima imenso uns dos outros. Os laços que se criam ficam tão fortes que as pessoas necessariamente se vão fazendo presentes, nós a eles e eles a nós, de uma forma simples e espontânea”. E uma presença “é mais forte que muitas palavras que se possam dizer”. “A morte de um filho é a pior coisa que pode haver”, refere o Pe. Carlos Azevedo. Actualmente com os avanços da medicina já fizeram muitos progressos e muito bons, mas o facto é que também suscitam outras situações. “Temos cada vez mais crianças com doenças crónicas, raras e graves”. Porque se conseguiu salvar a criança de morrer mas não se conseguiu fazer a cura completa da doença e vai tentando prolongar-se o mais possível a vida, às vezes com limitações grandes. “O apoio necessário às voltas que a vida traz é um pouco do nosso serviço e da nossa razão de aqui estar”. Estando atento, disponível e acompanhando o melhor possível essas realidades. Muitas vezes os capelães tornam-se mediadores. “Acontece as pessoas personalizarem no médico a pessoa boa mas também quando se está muito desgastado, tem-se dificuldade em encarar o papel dos médicos e enfermeiros como uma ajuda para curar, porque são situações que levam tempo e podem surgir alguns conflitos. Como não somos quem tem de picar a criança e de ter cuidados médicos com ela, servimos para as pessoas desabafarem as pressões e tensões que acumulam”. Descobrir Deus Há momentos de profunda raiva, mas também de autêntica conversão. O convite para baptizar um jovem, irmão de uma menina que morreu no hospital, surgiu porque o momento de profunda dor pela perda de uma filha, “causou uma aproximação a Deus e despontou numa caminhada dos pais muito interessante”, levando à opção de baptizar o outro filho. Uma tia avó descobriu a razão para viver ao cuidar de uma criança que perdeu a mãe no parto, cujo pai não a visita, e está internado por tempo indefinido. O sofrimento de uma criança é brutal mas as situações mais dramáticas não se prendem só com o sofrimento físico. “Há situações muito absurdas e mais absurdo ainda não é sofrimento, mas o sofrimento sem amor”. Conhecemos pessoas doentes que são felizes. Porquê? E conhecemos pessoas que não são doentes e são profundamente infelizes. “Porque será também?”, questiona o Pe. Carlos. No meio dos dramas que ali se vão vivendo, há que procurar valorizar o que é realmente importante. “E estas histórias que aqui se passam não são só histórias de grande sofrimento mas também grandes histórias de amor”. O Pe. Carlos afirma ser esse o seu papel. “Valorizar e tornar as pessoas o mais aptas possível a vivenciar cada instante e cada momento com o máximo de beleza e riqueza. Apesar de o que nos rodeia parecer estúpido e absurdo”. Os tempos no hospital acabam por se tornar nos grandes tempos da vida que se tem. Pais que tantas vezes não têm tempo para estar com os seus filhos e finalmente ali têm tempo de sobra porque passam dias, meses, anos no hospital. Mesmo quando há revolta e se tem dificuldade em perceber o porque das coisas, vamos percebendo que tudo é um processo necessário na vida. Quando as pessoas se revoltam com Deus, “esse é o primeiro momento em que acreditam nele. Até ali não se relacionavam com um Deus que existia de facto. Quando temos a capacidade de nos revoltar com alguém, nós acreditamos que ela está lá”. O capelão do D. Estefânia define a sua presença em três palavras: muito respeito, muita delicadeza e muita paciência. Respeitar as pessoas naquilo que elas são, no que vivem e na situação em que se encontram. A delicadeza porque não “podemos acrescentar nada ao que elas estão já a viver, nem podemos impormo-nos muito, mas antes saber estar”. Costumo pedir autorização às pessoas para entrar nesta história com elas”. Sabendo que é um dos maiores momentos da vida de alguém porque é ali que se joga o mais bonito e mais o intimo que cada pessoa tem, “é preciso uma certa delicadeza para se entrar”. As coisas têm os seus ritmos, por isso a paciência pede que não se antecipe nada, nem etapas do luto. Saber esperar que as pessoas façam o seu próprio caminho, respeitando esse mesmo caminho, sem deixar de acreditar. No hospital encontram-se jovens até aos 16 anos. Alguns fazem ali catequese, outros estudam mesmo – existe uma escola para os que ali passam muito tempo – mas muitos fazem também ali a primeira comunhão, o seu baptismo e “desenvolvem caminhos muito interessantes connosco”. Mantêm-se relações de ajuda, de partilha, de convivência com essas crianças. E alguma intimidade ao nível do seu próprio sofrimento. “Muitas acabam por nos ir pondo em comum daquilo que vão sendo as suas batalhas internas”, explica. Há situações muito dramáticas. O Pe. Carlos relembra o falecimento de uma criança e não haver ninguém a quem comunicar essa morte. Crianças abandonadas nos hospitais ou mesmo situações em que está o pai está de um lado da cama e a mãe do outro e não se falam. A sociedade está criada de tal forma que “a certa altura temos crianças muito tempo sozinhas no hospital, sem a presença dos seus”. As crianças ficam internadas, nos primeiros tempos os seus pais ainda os conseguem acompanhar, mas depois é um drama optar entre ter um trabalho ou estar ali. Muitas crianças que chegam de África sozinhas para fazer tratamento e que ficam muito tempo, acabam por criar laços também. A maioria das crianças que estão no Hospital D. Estefânia são bebés. Quando têm já algum nível de entendimento “é um drama e talvez das coisas mais difíceis de explicar que têm de ficar internadas”. Uma criança que já começa a entender melhor as coisas, e até à adolescência “é terrível. Já não quer ficar, não tem vontade de estar”. Dá-se também o caso de alguns irem “tão mal, que o dramático depois é irem embora, porque sentiram um acolhimento e uma segurança que não tinham lá fora”. A recepção por parte dos pais nem sempre é a melhor. Mas o Pe. Carlos no princípio andava “mais identificado”. Depois começou a andar «à civil». “Perde-se por um lado mas por outro lado, as pessoas sem saberem deixam-se conquistar sem perceberam com quem estão a falar”. Porque, como explica “eu chego e falo muito e a certa altura, depois de perceber que há uma certa empatia, ou seja, que não puseram os seus preconceitos em acção, digo que sou padre e aí já não há muita hipótese”, brinca. No princípio notou “que algumas vezes, andar de cabeção podia ser uma barreira”. Mas também “há muita gente que precisa de referências visuais”. Cada caso é um caso. Há naturalmente algumas pessoas com quem se cria uma maior empatia e que percebem qual o “nosso papel aqui em casa. Há muita boa aceitação da nossa presença aqui por parte dos profissionais”. Acaba por haver uma referenciação que fazem do trabalho e percebem o perfil do capelão. “Quando têm consciência que a realidade da situação precisa da nossa mais valia, não há a menor hesitação em nos contactar”. Quando chegou ao hospital, este não era um meio muito receptivo. O padre é habitualmente o centro de uma paróquia. “O centro num estabelecimento de saúde é o médico, enfermeiros, mas não é o padre”. Houve algumas dificuldades de ajuste, mas foi um tempo de aprendizagem também “para perceber até que ponto a nossa presença podia ser uma mais valia”. Actualmente a Igreja aposta na preparação dos capelães hospitalares. Está inclusivamente criado um curso de formação para capelães hospitalares na Universidade Católica Portuguesa. Mas até à pouco tempo não havia uma preparação, “éramos atirados e ditava o bom senso ou a falta dele”, justifica. Com o tempo, e alguma paixão a juntar à formação que têm – “porque um padre lida com doentes e pessoas em situações em grande sofrimento” – aprende-se a corrigir “a nossa acção e intervenção junto das pessoas”. O Hospital é mesmo “uma casa onde as pessoas comem, rezam, choram, dormem e já aconteceu mesmo, casos esporádicos de pais que passaram aqui tanto tempo com os seus filhos, que começaram a trabalhar cá”. “Todos os dias vou percebendo pequenos sinais de Deus. Tenho consciência que a tal assistência espiritual é fundamentalmente perceber onde é que Deus está presente no meio disto tudo”. Esse é o seu trabalho para o qual se treina através da formação, da espiritualidade, da oração, “e vou estando muito atento para perceber onde é que Deus está porque sei que Deus não se ausenta. Temos de tentar descobrir onde.” Quando está com as famílias verbaliza isso mesmo, “onde vou percebendo a presença de Deus, no amor dos pais, que numa situação difícil demonstram qualidades excepcionais, que estão cansados mas são um sinal fantástico porque se envolveram”. Discussão versus realidade A assistência espiritual e as diferentes confissões religiosas é uma questão que tem estado na ordem do dia. Nos hospitais “esta questão nunca foi conflituosa”. Um dos passos que se tem dado para a construção de um mundo “mais tolerante, mais autêntico, mais respeitador das diferenças tem passado muito pela assistência das capelanias”. O Pe. Carlos integra a rede europeia de capelanias hospitalares, uma rede que envolve não só capelães católicos como todas as confissões religiosas. “Percebemos que esta é uma área muito bonita, porque dentro de um hospital esquecem-se as divergências e as pessoas são capazes de se centrar, não no estatuto, mas na pessoa do doente, que é o centro de toda a nossa acção. Toda a importância que este processo pode ter, que não é de nenhuma religião ou do estatuto da pessoa que assiste”. O hospital não é um campo de combate ideológico ou religioso mas “é um espaço onde a união e a comunhão de esforços, até neste nível espiritual, são importantes em função do que é a nossa prioridade que é o doente e a sua família. A divergência é mais externa do que dentro do hospital.” A maioria das pessoas que assiste são de Igrejas muito distintas. Evangélicos chegam a participar na missa no D. Estefênia, “porque sentem uma necessidade de conforto ou assistência ou mesmo de estar em contacto mais próximo com a Palavra de Deus”, exemplo a par de ingleses protestantes também. “Há uma dimensão comum a todos porque todos acreditamos em Deus ou achamos que Deus pode ser uma mais valia na nossa vida. A abertura que existe cada vez mais, ajuda a perceber que se chama Deus de maneira diferente, mas é o mesmo Deus”. A Rainha D. Estefânia teve “uma inspiração que D. Pedro soube dar sequência”, segundo o Pe. Carlos. D. Estefânia, alemã de nascença, tornou-se rainha portuguesa ao casar com o rei D. Pedro V. Mediante as visitas que ela fazia aos doentes nos hospitais, em especial no São José, percebeu que havia uma promiscuidade entre os doentes, onde se misturavam homens, mulheres e crianças. E sonhou que um dia faria um hospital só para crianças. Manifestou a vontade ao seu marido e o dote do seu casamento serviu para se fazer uma enfermaria só para crianças no Hospital São José. Com a sua morte, o rei iniciou o processo de construção do então Hospital da Bemposta, que depois se passou a chamar Hospital D. Estefânia. “Só esta história é forte em termos de ideal para nos cativar. Este hospital tem uma aura muito bonita que a Jacinta de Fátima também veio acrescentar em beleza pela sua passagem aqui”. Onde podemos acrescentar… “As crianças são uma esponja do que existe de melhor em nós. Só por isso existe uma atmosfera muito especial neste hospital”. Sentimentos, atitudes, gestos e palavras que tornam impossível haver uma atmosfera negativa. “O hospital é uma escola de vida, onde as crianças são os nossos grandes mestres e não podia haver melhor mestres porque são puros, autênticos e nós captamos coisas deslumbrantes”. Na celebração da eucaristia nessa tarde disse a uma dúzia de participantes que “todos gostaríamos de conviver só com pessoas educadas, com pessoas limpinhas. Mas se Deus nos cruza com todo o género de pessoas, por algum motivo é. Temos de perceber onde podemos acrescentar alguma coisa”. O Pe. Carlos afirma ser uma pessoa privilegiada por trabalhar nesta casa. É um hospital muito especial, muito bonito na sua fundação. “Vivo em função do que posso acrescentar a cada uma das realidade que toco e onde me cruzo. Assim a minha vida faz todo o sentido”. A memória de Jacinta No Hospital Dona Estefânia os serviços são uma grande árvore, onde se misturam as abelhas, as joaninhas, o rato doutor, os pássaros e onde cada ramo é um serviço: ginecologia e obstetrícia, pediatria, unidade de infectologia, genética, neurologia, pré-natal… Centramo-nos no ramo que indica a capelania e por isso seguimos o corredor que nos leva à capela. Logo ali se percebe a importância dada à permanência de Jacinta neste hospital. No corredor da capela vários recortes de jornais, alguns com quase 100 anos, recordam a passagem da vidente de Fátima por aquela instituição, onde viria a falecer a 20 de Fevereiro de 1920. As fotos que existem sobre a Beata estão distribuídas pelos corredores dos três andares, numa pequena exposição que é o símbolo mais marcante da presença da beata no hospital. Na primeira ala está uma cópia do registo de baptismo de Jacinta e alguns recortes de jornais. A segunda parte da exposição está afixada no primeiro andar, próxima do bloco operatório. O lugar mais simbólico surge apenas no segundo andar, ao lado de uma unidade de queimados, neste momento encerrada. As flores no chão e a imagem da vidente marcam o local, com uma placa dourada, onde Jacinta sofreu até à morte: “Deste local partiu para o Céu em 20/02/1920 a Pastorinha de Fátima, Jacinta Marto, a quem Nossa Senhora apareceu”. Este facto histórico marca a história e o futuro das instalações deste hospital fundado há 136 anos. Há bem menos tempo que o Pe. Carlos Azevedo está presente neste hospital. Veio dar continuidade a um serviço que sempre existiu neste hospital, “de há cinco anos para cá com as minhas características e especificidades”. O marco histórico confere algum investimento da Igreja em termos de assistência espiritual neste estabelecimento hospitalar. Além do serviço de capelania, há também o acolhimento aos peregrinos que se dirigem ao hospital. Juntamente com o convento das Clarissas, o Hospital D. Estefânia constituiu um local de peregrinação. Especialmente ao Sábado, alguns grupos de peregrinos – estrangeiros na sua maioria – rumam ao hospital para visitar os locais onde Jacinta esteve. Uma afluência que é maior quando se aproximam as datas de Fátima – Maio e Outubro. Mas a par das visitas “fazemos questão de passar todo o conteúdo da mensagem de Fátima e do que aqui se passou”, explica o Pe. Carlos Azevedo, capelão hospitalar do D. Estefânia. Este facto, em si, “não altera o trabalho normal de assistência. É antes um trabalho complementar que aqui fazemos”. Este ano, data dos 90 anos das aparições, “tem-nos absorvido um pouco mais e é mais exigente talvez para mim”.

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