Defesa da vida: aborto e referendo

Associação dos Juristas Católicos 1. O referendo, cuja realização será no dia 11 de Fevereiro do corrente ano, visa obter dos eleitores o sim ou não à seguinte questão: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada por opção da mulher, nas dez primeiras semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?” O alcance essencial da pergunta é este: ‘Deve ou não considerar-se permitido à grávida que aborte, sem que isso, portanto, se considere crime, por mera decisão sua, sem importar por que o faz e desde que o aborto seja praticado nas primeiras dez semanas da gravidez em estabelecimento de saúde legalmente autorizado para o fazer?” Melhor se percebe o alcance da pergunta considerando que o que provoca o referendo é uma pretensão de alterar a lei vigente sobre o crime do aborto, para o que se encontra pendente na Assembleia da República um projecto de lei, cuja sorte pode depender precisamente do referendo de 11 de Fevereiro A lei actual – fundamentalmente o art. 142° do Código Penal, na redacção resultante das Leis n°s 6/84, de 11.5.85, 48/95, de 15.3.95, e 90/97, de 30.7.97 – é uma lei que já desprotege a vida humana em gestação, ao prescrever que o aborto não seja punível em todas as hipóteses que prevê. Todavia, ainda limita essa desprotecção pela exigência de verificação de circunstâncias e motivações, que considera graves para justificar a impunidade. A alteração da lei, que agora se pretende, ao deixar ao arbítrio incontrolável da mãe o aborto nas primeiras dez semanas de gravidez, vem agravar a desprotecção da vida humana em gestação, por já nem sequer limitar esse aborto a pedido da mãe, por aquelas circunstâncias e motivações. 2 . A Associação de Juristas Católicos, por imperativo cívico e de consciência, já oportunamente teve ocasião de exprimir, e o fez, à Assembleia da República, a sua oposição às pretensões que, primeiro em 1997 e depois em 1998, agravaram a desprotecção da vida humana em gestação que, aliás, já resultava, em nosso entender, da reforma do Código Penal em 1984. Nessas duas ocasiões, um dos aspectos de agravamento de desprotecção era essencialmente aquele que, rejeitado na Assembleia da República em 1997 e depois pelo referendo de 1998, vem de novo agora ser submetido a referendo. Movida pelos mesmos imperativos de consciência e cívicas, entende a Associação de Juristas Católicos dever juntar e exprimir, também agora, a sua posição nesta matéria. 2.1. No tocante ao referendo A gravidade da matéria questionada é óbvia: respeita à sorte da vida humana em gestação. E traduz-se num dilema: ou deixá-la exposta ao aborto, por mera decisão da grávida nos termos da questão formulada, ou defendê-la, recusando a admissibilidade de tal decisão. Suposto que o número total de votantes no referendo seja superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento, pelo SIM maioritário, à pergunta formulada, fica a Assembleia da República obrigada a introduzir a alteração legislativa, correspondente à possibilidade do aborto a pedido, nos termos da dita pergunta; se a resposta maioritária for NÃO, fica a Assembleia da República impedida de introduzir essa alteração legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República. Da gravidade da matéria posta a referendo e do regime deste quando à sorte da alteração legislativa em causa, resulta bem clara a importância de participar votando. 2.2.. No que respeita ao conteúdo da questão colocada ao referendo do que se trata é de vir ou não a permitir-se por lei a arbitrária eliminação da vida humana não nascida. Essa eliminação é gravemente imoral e injusta, e daí a oposição da A.J.C. que assenta sumariamente nas seguintes razões: 2.2.1. O ser humano começa no momento da concepção. Os conhecimentos actuais da ciência bio-médica provam que a partir desse momento começa uma nova vida humana diferente da mãe e do pai, dotada de corpo próprio, distinto do da mãe. Apesar de se encontrar no corpo desta e de precisar dela para o seu progressivo desenvolvimento, trata-se de um distinto novo ser humano, desde aquele momento inicial; 2.2.2. Porque é já um ser humano, tem de se lhe reconhecer, desde o primeiro momento, a humanidade e de se lhe respeitar a dignidade correspondente, uma e outra comuns a todos os homens. Esse respeito terá de ser, antes de mais, pela sua vida, base e condição para se vir a realizar plenamente. E deverá ser o máximo respeito, por se tratar de um ser inocente e, para mais, de todo incapaz de se defender. 2.2.3. A sociedade, que é formada de homens, só se entende no respeito da dignidade humana, bem comum de todos que a compõem. O respeito, pela sociedade, da vida daqueles que, já concebidos e ainda não nascidos, se destinam, por sua natureza, a integrá-la, faz parte desse bem comum, como expressão indispensável de uma vida social justa. 2.2.4. 0 direito à vida e o seu respeito são valores essenciais que obrigam o Estado Português. Assim, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de que Portugal é parte, declara que o direito à vida é inerente à pessoa humana. prescreve que deve ser protegido por lei e proíbe que alguém seja arbitrariamente privado da vida (art. 6°, nº 1). Este respeito pelo direito à vida abrange a vida não nascida, porquanto proíbe também a execução da pena de morte em mulheres grávidas (art. 6°, n° 5) Portugal, como Estado, tem na sua base “a dignidade da pessoa humana”, segundo declara a Constituição da República (art. 1°), e é nessa perspectiva que entre os “Direitos Fundamentais” aí se inclui a inviolabilidade da vida humana (art. 24°, n° 1) e se proíbe mesmo a pena de morte (n° 2). É manifestamente incompatível com aquela dignidade e esta inviolabilidade, constitucionalmente proclamadas, possibilitar por lei a destruição da vida humana pelo aborto, a mero pedido da mãe. Nenhuma protecção restaria, por mínima que fosse, afastada que seria, por efeito de tal lei, a regra geral da punibilidade de aborto, do art. 140º do C. Penal. Nem nenhum limite de protecção verdadeiramente constituiriam as balizas de tempo – 10 semanas – e de local -estabelecimento legalmente autorizado. O aborto, como destruição da vida humana em gestação, não é menos ofensivo da dignidade e do respeito da vida e, destrutivo desta pelo facto de se realizar em curto estádio de desenvolvimento da gravidez e em certo local, ainda que legalmente autorizado. Um tal regime permissivo do aborto, se viesse a ser estabelecido, ofenderia a Constituição e também, por isso, careceria de legitimidade. 2.2.. 5. . No projecto de lei a que respeita o referendo – projecto de lei nº 19/X – o aborto por decisão da mãe vem acompanhado de uma enunciação de finalidades. Motivações para “preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente” (art. 142°, n° 1, alínea a). Segundo se explica no preâmbulo do projecto, este “preconiza a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em certos casos hoje não previstos, para preservação da integridade moral, da dignidade social e da maternidade consciente. Sobre isto são de salientar quatro pontos: a) A questão posta a referendo nem sequer contém as referências de motivação, que, embora de contornos vagos, se lêem no projecto de lei; b) As referências de motivação do projecto, são, aliás, vagas e incontroláveis e em todo o caso, parecem nem serem concebidas como limites à impunibilidade do aborto a pedido da grávida, exigindo-se apenas mera consulta prévia a um centro de aconselhamento familiar; c) Seja como for, tais vagas finalidades não justificariam a desprotecção total da vida do ser humano em gestação na grávida, isto é, a sua supressão pelo aborto. Aliás, a eliminação da maternidade pelo aborto não garante nem a integridade moral nem a dignidade social nem o exercício consciente da maternidade; d) Constitucionalmente, o aborto não é meio de exercício de paternidade e maternidade conscientes, como resulta do contexto da alínea a) do a 2 do art. 67° da Constituição. 2.2.6. Finalmente, a A.J.C. não deseja terminar sem deixar de transcrever a afirmação de princípios que a orientam nesta matéria e que levou ao conhecimento da Assembleia da República em 4.2.98: 1- A vida humana deve ser respeitada e protegida, de modo absoluto,, a partir do momento da concepção, devendo, desde o primeiro momento da sua existência, ser reconhecidos a todo o ser humano os direitos da pessoa, entre os quais o direito inviolável à vida; 2- O aborto directo, isto é querido como fim e como meio, é gravemente contrário à lei moral; 3- É elemento constitutivo da sociedade civil e da sua legislação o inalienável direito à vida de todo o indivíduo humano inocente; 4- Uma vez que deve ser tratado como pessoa, desde a concepção, o embrião humano tem de ser defendido na sua integridade, tratado e curado na medida do possível, como qualquer outro ser humano; 5- A vida humana, mesmo não nascida, é no nosso ordenamento constitucional um valor indisponível e sujeito de protecção (v.g. artigos 24°, 36°, 37° e 68° da Constituição da República); 6- No direito internacional vinculativo do Estado Português, como é, por exemplo, o caso do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 16.10.66, “o direito à vida é inerente à pessoa humana e deve ser protegido pela lei” (Artigo 6°, n° 1, 1ª parte) e “ninguém pode arbitrariamente ser privado da vida” (idem 2ª parte); Tal protecção abrange a vida não nascida, como resulta da expressa proibição de execução de pena de morte em mulheres grávidas (artigo 6°, n° 5); 7- Em matéria de direitos sociais, o direito ao planeamento familiar que ao Estado incumbe garantir nos termos do art. 67°, n° 2, alínea d), da Constituição, não inclui, manifestamente, o aborto; 8- O aborto é certamente um mal de causas múltiplas, mas o combate contra ele terá de passar, sim, pela preocupação e implementação de meios que incidam sobre as causas, e não pela desvalorização da vida humana não nascida e sua eliminação, a tal ponto que a ténue tutela penal, ainda actualmente garantida, se não dilua mais ou, mesmo, de todo se desfaça na prática; 9- Nenhum legislador tem legitimidade para emitir normação que elimina a própria razão de ser da Sociedade e do Poder, o homem, cuja dignidade lhes é anterior e os justifica e só têm de respeitar, defender e promover. Em conclusão A A.J.C. face à questão do aborto, a pedido da mulher grávida, e nos termos da consulta agora formulada, entende que: 1º. Da gravidade da matéria e do regime de referendo resulta bem clara a importância de participar votando nesse acto; 2º. Na questão colocada no referendo do que trata é de vir ou não a permitir-se por lei a arbitrária eliminação da vida humana não nascida. 3º. O respeito pela vida daqueles que estão por nascer e que integrarão a sociedade, faz parte do bem comum, sendo expressão indispensável de uma vida social justa. 4º. A proposta de alteração da lei que o referendo pretende introduzir seria gravemente imoral e injusta por atentar contra a dignidade do ser humano e o direito à vida. Lisboa, 31 de Janeiro de 2007 Pel’ A Direcção da A.J.C. Germano Marques da Silva Isilda Pegado José Joaquim Oliveira Branquinho

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