De Bispo de Roma a Papa do mundo

A afirmação do Papado na Igreja O Pe. David Sampaio Barbosa, especialista em História da Igreja, explica à Agência ECCLESIA o caminho que levou a considerar o Bispo de Roma como Pastor supremo da Igreja. Universalização da missão do Bispo de Roma A Igreja, depois da experiência da ressurreição, ficou por Jerusalém, depois passou à Samaria e em seguida Antioquia. Alguns Apóstolos acabaram por fundar as suas Igrejas, particularmente São Paulo, e depois São Pedro, que esteve em algumas comunidades. A partir do séc. II o Cristianismo vai tendo uma certa implantação e, como tudo o que é humano, começou a conhecer problemáticas. Perante essas situações, alguns Padres de Igreja, como Inácio de Antioquia, Ireneu e Tertuliano manifestam a sua admiração para com a comunidade de Roma e aconselhavam a consulta às comunidades fundadas pelos Apóstolos. Já no fim do séc. II temos Igrejas de fundação apostólica com dignidade equiparável. Posteriormente, a comunidade de Roma ganha um lugar de relevo porque era a capital do Império e pela presença dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Vamos encontrar Bispos de Roma, nesta época, que tentaram introduzir algumas normas e orientações para outras comunidades, como Vítor (questão das datas da Celebração da Páscoa no Ocidente e no Oriente) e Estêvão (disputas com São Cipriano de Cartago). É Estêvão que assume o título de sucessor de Pedro como sinónimo de autoridade suprema, com direito de orientar outras comunidades eclesiais. A aceitação não é imediata, mas a comunidade de Roma sempre foi tida em grande apreço. Os Concílios ecuménicos de Niceia, Éfeso e Calcedónia serviram para reforçar o papel do Bispo de Roma na defesa da Ortodoxia, o qual acabou por gozar de uma preeminência em relação aos outros Bispos, quer do Oriente, quer do Ocidente. Com o Bispo Dâmaso, no séc. IV, e com São Leão Magno, no séc. V, a Igreja de Roma passa a ser considerada a sede da Igreja Católica. É evidente que aqui temos de fazer uma pequena distinção: enquanto que na Igreja do Ocidente, se aceitou com agrado a orientação romana, na Igreja do Oriente, bastante fragmentada por meio das sedes metropolitanas e patriarcais, sempre houve alguma dificuldade em aceitar orientações de Roma. Nos Concílios foi sempre visível que os Orientais entendiam que a Ortodoxia passava pelo exercício da sinodalidade, a Igreja do Ocidente entendia que a ratificação final do conteúdo da fé devia ter a chancela do Bispo de Roma. Processos de eleição Os diversos processos de eleição estão intimamente ligados aos modelos de Papado que tivemos desde os sécs. III-IV até aos séc. XXI. No primeiro milénio, a eleição papal resultou, basicamente, da intervenção do clero e do povo, como acontecia noutras sedes para a eleição do Bispo. Normalmente acontecia num ambiente quase litúrgico, em que se analisavam os candidatos. Não é possível ignorar que houve sempre a intervenção de famílias influentes, de Imperadores e outros poderes políticos. Assim, quando chegamos ao fim do primeiro milénio, a eleição papal estava bastante comprometida quanto à liberdade, uma vez que começaram a entrar nela forças espúrias que pouco tinham a ver com preocupações eclesiais. Nicolau II, em 1059, entendeu reservar a eleição papal a um grupo de clérigos chamados os “principais”, que nós hoje chamamos Cardeais. É a partir deste momento que esse Colégio eleitor autonomizou a eleição, reservando lugares próprios para o efeito. O III Concílio de Latrão, em 1179, determinou que a eleição papal deveria resultar de uma maioria de dois terços dos votos. Aconteceu, contudo, que o Colégio de eleitores se deu a algumas leviandades, deixando Roma e reunindo noutras cidades onde se demoravam. O povo, num gesto de protesto, começa a clausurar esse grupo, para fazer com que se apressassem na eleição. Em 1274, uma vez que o Conclave anterior tinha demorado quase três anos, Gregório X deixou normas muito precisas sobre os locais em que o Papa deveria ser eleito e determinou que era o Colégio Cardinalício quem se autoclausurava, entrando em Conclave de forma solene. Apesar de alguma legislação ter sido introduzida pelos sucessivos Papas, a eleição papal praticamente veio até aos nossos dias na forma deixada por Gregório X. Pode-se dizer que quando os Cardeais se deixaram influenciar pelo poder político, tivemos um papado distante do povo e quando foram afastadas essas forças, o papado passou a estar mais preocupado com a vertente pastoral. Hoje podemos dizer que o Conclave foi outra vez devolvido ao povo, apesar de os Cardeais estarem fechados no Vaticano: aqueles que estão reunidos na Capela Sixtina não podem prescindir, de forma alguma, tudo aquilo que aconteceu nos dias em que o povo prestou homenagem ao Papa defunto, João Paulo II. Papa Hoje quando falamos do Papa estamos a referir-nos ao título mais popular, o que traduz mais o afecto. De facto, o nome “Papa” vem do grego, e significa pai. O título de Papa, nos primeiros séculos da Igreja, era atribuído praticamente a todos os grandes Bispos. Os fiéis exprimiam facilmente o seu carinho para com o seu Bispo ou, nos grandes mosteiros, em relação ao Abade. Do plural chegou-se depois ao singular. O primeiro documento em que encontramos referência a um Bispo de Roma que assume para si esse título é do ano 302, de Marcelino II, no monumento fúnebre que mandou erigir para um dos seus diáconos. No séc. V, aos poucos, as pessoas começam a chamar Papa apenas ao Bispo de Roma. No Oriente, a partir do séc. VI, acaba-se por fazer o mesmo, embora ainda encontremos um ou outro Bispo que chama para si esse mesmo título. Gregório VII, no séc. XI, através do “Dictatus Papae”, afirma na proposição XI que o título de Papa deve ser usado única e exclusivamente para o Bispo de Roma. História dos Papas em números O Anuário Pontifício da Santa Sé publica a lista dos 264 Papas que guiaram a Igreja Católica desde o primeiro, São Pedro, que morreu como mártir, até João Paulo II. Na lista, aparecem apenas 262 nomes, já que um deles, Bento IX, esteve à frente da Igreja por três vezes. Eleito em 1032, foi deposto em 1044; recuperou o lugar em 1045, ano em que abdicou, para depois voltar em 1047 e ser deposto definitivamente um ano depois. Se Bento IX foi o último Papa a ser destituído e o Papa Silvério (536-537) foi o primeiro. Seis outros tiveram o mesmo destino e cinco abdicaram. No total, 21 Papas morreram como mártires e outros nove sob o martírio. Quatro faleceram no exílio e um na prisão. A esta lista, somam-se nove pontífices que desapareceram em circunstâncias violentas: seis assassinados, dois mortos devido a ferimentos durante revoltas e um – o português João XXI – pelo desabamento do tecto do local onde estava. Oitenta e cinco papas foram canonizados, de entre os quais todos os primeiros 50 pontífices, excepto dois – Libério e Anastácio II. O Anuário Pontifício reconhece igualmente a existência de 36 anti-Papas, considerados como usurpadores. O pontificado de Urbano VII foi o mais curto da história da Igreja, durou 13 dias. O mais longo, 34 anos, foi o de São Pedro. Treze Papas, entre os quais João Paulo II (26 anos e meio) estiveram à frente da Igreja Católica por mais de 20 anos, mas a média dos pontificados é de 8 anos. O período mais longo sem um Papa foi de três anos, sete meses e um dia (de 26 de Outubro de 304 a 27 de Maio de 308), entre Marcelino II e Marcelo I. O nome mais empregado pelos Papas é João (23 vezes), seguido por Gregório (16), Bento (15), Clemente (14), Leão e Inocêncio (13) e Pio (12). Dos 264 papas, 210 nasceram na Itália, 99 deles em Roma. Antes de João Paulo II, desde 1522, quando o holandês Adriano VI foi escolhido, não havia um Papa que não fosse italiano. Apesar da escolha do Papa ser há séculos feita entre os Cardeais da Igreja Católica, não é teoricamente impossível que ela recaia sobre outro católico. O Código de Direito Canónico (CDC), no seu cânone 332, parágrafo 1, prevê explicitamente que o “Romano Pontífice” possa não ter “carácter episcopal”. Durante séculos, o habitual foi que a eleição do Papa recaísse sobre um presbítero, mesmo sobre um diácono. Octávio Carmo

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