D. Diogo de Sousa, o revolucionário

Simpósio assinala V centenário da investidura do Arcebispo de Braga D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, considerou ontem «imperioso» conhecer melhor o passado da cidade, pois «os comportamentos do quotidiano vivido com avidez faz perder o sentido da história». O prelado, que falava na abertura do Simpósio do V Centenário da investidura de D. Diogo de Sousa, notou que «se estamos aqui deve-se à intervenção inteligente de muitos antepassados que projectaram e delinearam a cidade que nem sempre conhecemos». O simpósio, que prossegue hoje, pretende dar a conhecer as várias facetas de D. Diogo, um humanista que contactou com o expoente do Renascimento europeu e que revolucionou a cidade a nível pastoral, arquitectónico, assistencial, cultural e social. D. Jorge Ortiga apelou à necessidade de conhecer melhor o passado, de forma a não se perder o sentido da história da cidade, pois «sem memória o presente não tem raízes e o futuro está ameaçado». «Olhando para a nossa cidade, naquilo que ela é, parece-me imperioso suscitar o dever de conhecer o nosso passado. Caminhamos em comportamentos dum quotidiano vivido com avidez e começa-se a perder o sentido da história», alertou o arcebispo, notando que «se estamos aqui, para o bem ou para o mal, deve-se à intervenção inteligente de muitos antepassados que projectaram e delinearam a cidade que nem sempre conhecemos». D. Jorge Ortiga realçou que, qual cidade dos Arcebispos, Braga, vai recordar dois paladinos da causa bracarense, agora D. Diogo como «o reedificador da cidade» e, em princípios de Dezembro, D. Frei Caetano Brandão. Mas, ressalvou, «não estamos a circunscrever- nos a homens da Igreja », pois «são pessoas do seu tempo que ouviram as necessidades e se concentraram nas respostas». O arcebispo realçou ainda «a paixão e qualidade» que estes dois nomes maiores de Braga colocaram no seu trabalho e a importância do espólio cultural que nos legaram. «Cultivamos a memória e trabalhamos pelo futuro», vincou D. Jorge, desejando que os trabalhos do Simpósio – que prossegue durante o dia de hoje, no auditório de S. Frutuoso – «sejam frutíferos nos conhecimentos históricos e nas luzes que poderão trazer para o actual conhecimento de Braga». O prelado notou ainda que «a sociedade deixou de ser um conjunto de súbditos passivos e obedientes para tornar-se uma realidade de cidadania participativa e responsável», pelo que a par dos múltiplos direitos «talvez seja chegada a hora de estabelecer uma carta dos deveres», que integrando todos os direitos promova uma responsabilidade social, já que a cidadania pode esvaziar-se se o cidadão não for capaz de articular os seus esforços e potencialidades para construir com os outros uma melhor casa comum». Um senhor sem património pessoal Por sua vez na introdução ao primeiro dia de trabalhos, o Deão da Sé de Braga, Pio Alves de Sousa, salientou a «multifacetada e prodigiosa actividade» da grande personagem que foi D. Diogo de Sousa, que soube ser «verdadeiro arcebispo e verdadeiro senhor de Braga», duas realidades que para nós, hoje, seriam irreconciliáveis, mas que no seu tempo «foram assumidas e vividas por D. Diogo de um modo exemplar, como concretização de uma única vocação: servir, em toda a extensão do termo o seu povo». Neste sentido, o Simpósio sobre D. Diogo pretende – nas palavras de Pio Alves de Sousa – «conhecer melhor o humanista convicto e abrangente, o urbanista re-fundador da cidade de Braga, não apenas mecenas, mas re-criador de cultura, atento às gritantes necessidades das populações, reformador de instituições, pastor e amigo de reis a quem, com igual respeito e firmeza, soube dizer não quando o bem do seu povo assim o pedia». D. Diogo de Sousa governou a Arquidiocese durante 27 anos, de 1505 a 1532, mas «não é a extensão temporal do seu pontificado nem os recursos financeiros pessoais que explicam a riqueza da sua acção », referiu o Deão da Sé, notando que D. Diogo «entrou em Braga com dívidas e morreu sem património pessoal». As dívidas resultavam das despesas da embaixada a Roma, a pedido de D. Manuel I a fim de prestar homenagem de obediência ao Papa Júlio II que outorgou o Tratado de Tordesilhas, e das contas a pagar à Santa Sé. Quanto às suas pretensas riquezas, o próprio afirmou a D. Manuel I: «Todo o meu tempo e fazenda despendo em meu ofício, sem me lembrar senão o pão de cada dia. Nem espero que, pela minha morte, me achem heranças compradas nem tesouros escondidos». Mais tarde diria a D. João III: «E assim lhe juro que nunca tive desejo de ser rico (…) tudo o que possuo acaba por mim, nem tenho herdeiros nem pessoas para que haja de comprar herança». Um humanista que contactou com o expoente do Renascimento A clareza do seu pensamento e o desprendimento de bens materiais, não impediram, contudo, que D. Diogo seja hoje admirado como um dos maiores arcebispos de Braga, tendo deixado «um obra extraordinária no campo pastoral, arquitectónico, assistencial, cultural e social», como assinalou o investigador Amadeu Torres. Este investigador e professor jubilado da Universidade Católica, que falou sobre “D. Diogo de Sousa no contexto cultural do Renascimento”, notou que não há duvidas de que «a sua obra não seria a mesma se D. Diogo não tivesse contactado com o humanismo europeu», nomeadamente através dos seus estudos em Salamanca e em Paris. D. Diogo encontrou-se também em Roma no expoente da Renascença literária e artística, cuja influência e abertura de espírito também transportou para cidade de Braga, onde alargou e abriu ruas e praças e, entre muitas outras obras, fundou, já no final da sua prelatura, o Colégio de Artes e Teologia, no Largo de S. Paulo (actual Seminário Maior), com o qual pretendia combater a ignorância da população e do próprio clero de então.

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