Cristianismo: uma realidade cultural

Para melhor compreendermos a relação essencial e mútua entre Cristianismo e Cultura, parto de textos básicos, francamente aplicáveis à generalidade da tradição cristã. São citações do Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-1965), tão válidas hoje como há quatro décadas. «A Igreja, vivendo no decurso dos tempos em diversos condicionalismos, empregou os recursos das diversas culturas para fazer chegar a todas as gentes a mensagem de Cristo, para a explicar, investigar e penetrar mais profundamente e para lhe dar melhor expressão na celebração da Liturgia e na vida da multiforme comunidade dos fiéis» (GS 58). Diz-se em primeiro lugar que a Igreja, como transporte e realização do Cristianismo, mantendo-se idêntica no essencial que a constitui, teve e tem de lidar com culturas distintas e nelas traduzir a mensagem de Cristo. Entendendo cultura no seu sentido mais lato, ou seja, com mentalidade própria e cosmovisão situada em cada sociedade e época, é fácil concluir que a aplicação do Evangelho em cada contexto é muito mais que instrumental. Não se trata apenas de aproveitar uma língua ou assimilar um hábito. Significa assumir verdadeiramente o que tal realidade transporta de humanidade situada, ou, como dizia Paulo de Tarso, um dos primeiros e mais eficientes mensageiros do cristianismo, “fazer-se judeu com os judeus, grego com os gregos…”. Se a cultura tem uma dimensão sobretudo humana, como cultivo do espírito (cultura animi) de pessoas e grupos, então o Cristianismo foi e será sempre um “laboratório” cultural vivo, em que se reinterpretam e aprofundam as ideias e os modos de viver e conviver, à luz do pensamento e da vida de Jesus Cristo, verdade essencial do Cristianismo, em cada contexto particular. É muito sugestivo olhar os dois milénios passados, precisamente neste sentido, verificando como o mesmo Cristianismo foi culturalmente interpretado e realizado entre judeus (judeocristianismo), gregos (os grandes concílios orientais dos séculos IV e V, que formularam em categorias filosóficas o Cristianismo original e mais “experiencial”), latinos (que deram à fé cristã o sentido ecuménico e prático que Roma esboçara no seu império), germanos (que reforçaram certamente o sentido “corporativo” da vivência eclesial)… Aventura cultural que hoje continua, da Ásia e da Oceânia à África e às Américas, sem esquecer a “nova evangelização” em curso na Europa pós-moderna. D. Manuel Clemente, presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, in “Observatório da Cultura”, nº 5.

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