António Martins
Para uma educação ambiental
A nossa irmã terra “clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou” (LS 2), constata o Papa Francisco na encíclica Laudato si.
O desenvolvimento científico e tecnológico, que tem marcado a época moderna e contemporânea, traduz-se num domínio despótico do Homem sobre a natureza. O paradigma tecnocrático dominante, com a sua lógica instrumental e a sua pretensão de eficácia e de rentabilidade, invade e condiciona todas as dimensões da vida humana, quer na relação do Homem com o meio ambiente e os outros seres vivos, quer na relação dos seres humanos entre si.
Reconhece o atual Papa:
Tornou-se anticultural a escolha de um estilo de vida, cujos objetivos possam ser, pelo menos em parte, independentes da técnica, dos seus custos e do seu poder globalizante e massificador
(LS 108)
O triunfo do atual paradigma tecnológico e das suas dramáticas consequências ecológicas é fruto do chamado antropocentrismo que tem caraterizado a modernidade e contemporaneidade.
A atual crise ecológica é o resultado de um antropocentrismo desordenado
Desde o Renascimento, e num movimento cada vez mais progressivo e expansivo, o Homem considera-se o centro do mundo, a medida de todas as coisas. A fé no progresso científico indefinido substitui a fé na providência. Para isso terá também contribuído uma errada interpretação do mandato bíblico de submeter a terra, marcada pela projeção da ideologia do paradigma antropológico dominante, a que não ficou indiferente a reflexão teológica e a prática cristã. A atual crise ecológica é o resultado de um antropocentrismo desordenado.
Por isso o futuro ecológico passará, necessariamente, por uma nova relação do Homem com a terra e por um novo humanismo.
Afirma o Papa Francisco com sentido profético:
Não haverá uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia sem uma adequada antropologia
(LS 118)
A crise ecológica é a expressão da crise ética, cultural e espiritual
A atual crise ecológica é a expressão e exteriorização da crise ética, cultural e espiritual que, presentemente, se verifica. Por isso, sanar a relação do Homem com a natureza e o meio ambiente passa, antes de mais, por curar as próprias relações humanas. O futuro da cultura ecológica envolve todas as dimensões do humano; passa por uma ecologia integral, por uma política, por uma educação, por um estilo de vida e por uma espiritualidade que “oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático” (LS 111).
A mudança é feita de gestos simples quotidianos
A mudança, que deve ser sistémica, é feita de gestos simples quotidianos, “pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo” (LS 230). O mundo do consumo exacerbado maltrata o ambiente. A tarefa de mudança de mentalidade e de comportamentos não é fácil; requer passos decisivos, uma ousadia criativa de pequenos e persistentes gestos. Estamos, pois, perante “um grande desafio cultural, espiritual e educativo que implicará longos processos de regeneração” (LS 202).
A educação ecológica passa, antes de mais, por uma atitude de descentramento pessoal e comunitário, pelo reconhecimento do valor das outras criaturas e delas cuidar; passa pela adoção de uma consciência de comunhão e de relação com a complexidade das criaturas, com os sistemas ecológicos, porque tudo está interdependente, tudo está em relação.
O Papa Francisco dá mesmo exemplos concretos de atitudes quotidianas possíveis, a adotar e a marcar passos de conversão ecológica:
evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias…
(LS 211)
A família é a primeira comunidade educativa para uma ecologia integral
Uma educação para a preservação do meio ambiente começa pela família, pois é aí que se cultivam os primeiros hábitos de amor e de cuidado pela vida, onde se aprende o uso correto das coisas. A família é a primeira comunidade educativa para uma ecologia integral; a própria família exige uma ecologia de partilha (uma casa comum na organização harmoniosa dos seus espaços diferenciados).
Nesta educação ambiental, todas as comunidades cristãs, por mais pequenas que possam ser, têm o seu papel a desenvolver. As comunidades cristãs devem cumprir-se como espaços educativos de uma austeridade responsável, de grata contemplação do mundo, de cuidado fraterno dos pobres e do meio ambiente (cf. LS 214).
Uma educação ambiental não pode descurar a dimensão estética e espiritual, a vivência interior. A contemplação e a beleza são formas de subverter a lógica dominante do pragmatismo e da eficácia, deixando-se surpreender pela imprevisibilidade do gratuito da vida.
A consciência ecológica é hoje um dos sinais mais marcantes da contemporaneidade, uma oportunidade para a profecia e para o testemunho da experiência cristã.