Construir a Paz pelo Amor e pela Beleza

“Construir a Paz pelo Amor e pela Beleza” Homilia na Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, Dia Mundial da Paz Paróquia de Santo António do Estoril, 1 de Janeiro de 2007 1. Todos nós, e a maior parte dos nossos contemporâneos, andamos preocupados com a paz global. Impressionam-nos os conflitos sangrentos, repudiamos o terrorismo e as novas formas de violência; assusta-nos a escalada na busca de armas de destruição maciça, mas esquecemo-nos que a paz global se decide no horizonte mais restrito da nossa vida pessoal, na nossa harmonia interior, no respeito sagrado pela vida e pela pessoa dos outros, na exclusão da violência no universo mais restrito da nossa vida pessoal. Há uma certa incongruência e mesmo hipocrisia quando nos arvoramos em defensores da paz global e cedemos à violência e à injustiça, na família, no ciclo limitado das nossas relações, na maneira habitual de viver em sociedade. Toda a forma de violência prejudica a paz. Quem é violento para com aqueles que lhe são próximos é capaz de ser violento em relação a toda a comunidade humana. É essa a mensagem que nos dirigiu, hoje, o Santo padre Bento XVI, ao dizer-nos que “a pessoa humana é o coração da paz”. A nossa meditação neste Dia Mundial da Paz, não pode ignorar as múltiplas formas de violência que existem na nossa sociedade: contra as crianças, mesmo antes de nascerem, a violência familiar de que a mulher é a principal vítima, as injustiças no trabalho e nos negócios, a busca egoísta dos próprios interesses, abafando os dinamismos de generosidade e de busca do bem-comum. As injustiças na sociedade tornam-se focos de violência e não facilitam a construção da paz global. Quero, hoje, aprofundar convosco, dois aspectos de uma espiritualidade para a paz, no universo próprio da nossa vida: a generosidade do amor e a contemplação da beleza. 2. Nunca haverá paz sem amor, porque a convivência entre os homens assenta na consciência de que, cada um de nós, só será feliz se procurar contribuir para a felicidade dos outros. É-se pessoa, ajudando os outros a sê-lo; somos corresponsáveis, com as pessoas com quem nos cruzamos, pela harmonia da vida e pela construção da felicidade e da paz. Uma visão da vida, centrada sobre si mesma, é egoísta e não leva à felicidade e à paz. A multidão de homens e mulheres, de todas as culturas e religiões, que dão a sua vida para ajudar outras pessoas que sofrem, são, no mundo de hoje, talvez muito mais do que os governantes das nações, os grandes obreiros da paz. A generosidade para com os outros aprofunda no próprio coração o sentido da dignidade de toda a vida e de cada pessoa humana. É nesse sentido que o Santo Padre nos diz que a paz é um dom e uma missão. Nós os crentes, sabemos que a paz, sem deixar de ser nossa responsabilidade e missão, é um dom de Deus, e encontra a sua expressão mais profunda na harmonia nas relações de cada homem com Deus que o criou e com o Seu Filho Jesus Cristo, que nos salvou. Só aqueles que o experimentaram, podem saborear a paz profunda que, no nosso coração, brota da nossa relação confiante com Deus, sobretudo com Jesus Cristo, que nos permite viver, no coração de Deus, a intimidade de filhos. É essa a mensagem de Paulo aos Gálatas: “a prova de que sois filhos é que Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho, que clama: Abbá, ó Pai. Assim já não és escravo, mas filho” (Gal. 4,6-7). A missão da Igreja, ao ajudar as pessoas a descobrir Deus e a aprofundar esta relação filial com Ele, constitui um contributo importante para a paz. Nem sempre a sociedade reconhece este esforço silencioso e persistente de humanização, e não está consciente de que se trata de uma missão fundamental e prioritária, porque quem está em paz com Deus é, espontaneamente, um construtor da paz entre os homens. A religião é o mais sagrado santuário da liberdade. O respeito pela liberdade religiosa e o apreço por aqueles que tomam, livremente, essa opção, é um dos mais sólidos pilares da paz. A paz, como missão, significa que ela deve ser compromisso de todos, particularmente dos cristãos. Esse é, aliás, o dinamismo de todos os dons de Deus: suscitar e fortalecer nas pessoas o desejo de amor. Tudo o que Deus nos dá é para nos tornarmos capazes de amar, de ser Sua imagem. A sua primeira exigência é o respeito pela vida. Esta é, sempre, uma participação na vida divina, e não a respeitar, mesmo quando ela é apenas um embrião promissor, é uma violência, gérmen de outras violências. A vida não é um bem arbitrário, de que se possa dispor ao sabor de políticas, de interesses pessoais ou mesmo de sofrimentos inevitáveis. No respeito pela vida e pela dignidade dos outros, cada um exprime e reconhece a dignidade da sua própria vida e reforça o direito de a ver respeitada. A paz como missão significa a determinação de lutar contra todas as formas de violência, de discriminação, de negação da dignidade e de direitos inalienáveis de toda a pessoa humana. 3. Um dos frutos do amor é a contemplação da beleza. Entre o amor e o belo há uma identidade de natureza. O amor é a experiência humana que mais nos conduz a tocar a beleza como harmonia do ser. Na beleza toca-se aquela dimensão profunda em que toda a realidade se auto-transcende e encontra a sua conaturalidade com a beleza divina. Contemplar a beleza é caminho para a paz. A beleza não é algo a acrescentar à realidade do Universo e da pessoa humana. Antes ela é a dimensão mais profunda de toda a realidade criada. Tem-se acesso à beleza indo ao fundo das realidades. Nas realidades criadas, a beleza é a assinatura do Seu autor, de Deus que as criou. Ela é a maravilhosa harmonia impressa em todo o Universo, no mistério do seu início, no ritmo do seu crescimento, nas leis que o regem e o orientam para o homem, única criatura a encarnar a própria beleza de Deus. Podemos contemplá-la, a desafiar-nos e a transcender-nos, no infinitamente pequeno como na imensidão do cosmos; ela extasia-nos, particularmente, na harmonia da vida. Particularmente acessível no casal que gera um filho e que a mãe contempla a crescer no seu seio, torna-se mais exigente, a clamar pela generosidade do amor, quando a vida é difícil. De toda a educação da pessoa humana deveria fazer parte a educação para a beleza, porque ela fortalece o coração para o amor e para a defesa da vida; a sua força exclui a violência e, é, em si mesma, uma expressão de paz. Os modernos movimentos ecológicos procuram ser uma educação para a beleza. Bento XVI, na sua Mensagem, convida-nos a ir mais longe e a completar a ecologia da natureza com uma “ecologia humana”, procurando e preservando, acima de tudo, a beleza impressa no coração do homem. 4. Mas para além da beleza impressa no íntimo de toda a criação, o homem, a obra prima da criação, a criatura mais bela no conjunto da harmonia global, torna-se criador de beleza. Chamamos-lhe, então, artista, porque a arte que produz torna mais acessível à contemplação de todos a beleza tantas vezes escondida. Como na aventura da revelação de Deus, os Profetas foram aqueles que escutaram a Palavra de Deus e a comunicaram por suas palavras aos outros, incapazes de escutar a Palavra na sua origem divina, assim os artistas são os “profetas da beleza”, porque a captam na sua transcendentalidade e a tornam acessível a outros. No judeo-cristianismo, como nas outras grandes religiões, estes “profetas da beleza” completaram sempre a missão dos Profetas da Palavra. Ambos se encontram na expressão do louvor de Deus. Na Liturgia, a Palavra e a beleza dão-se as mãos. A beleza torna-se caminho de oração e de contemplação. Os artistas são, assim, tal como os arautos do amor, grandes artífices da paz. Ao tocar a beleza, eles abrem-se à universalidade do mistério do homem, horizonte onde se situa a paz. Quando o artista fica prisioneiro de projectos reduzidos, que podem ser ideologias ou ânsia de poder, negam-se como profetas da transcendência que toda a beleza exprime e anuncia. A educação para a beleza é um caminho para a paz e ela pode ser, também, uma educação pela arte e para a arte. A Igreja aceita ter responsabilidades específicas nesse desafio, ela que vê ligada à sua fé a mais significativa expressão do nosso património artístico, e estamos dispostos a estudar caminhos novos para proporcionar, sobretudo às nossas crianças e aos nossos jovens essa descoberta da vida através da beleza. Se desejamos a paz, reunamos o mais generoso do nosso contributo na generosidade do amor e na contemplação da beleza. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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