Concordata: Governo e Igreja divergem

Aprovados diplomas sobre a assistência religiosa nos hospitais, prisões, Forças Armadas e de Segurança

O Conselho de Ministros  aprovou esta Quinta-feira os diplomas que regulamentam a Lei da liberdade religiosa e a Concordata entre Portugal e Santa Sé, regulamentando a assistência religiosa no Serviço Nacional de Saúde, nas forças Armadas e de Segurança e nas prisões.

O Ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, considerou que estes diplomas representam um "avanço civilizacional" no Estado de Direito, estabelecendo "o acesso de todas as confissões religiosas, em condições de igualdade" à assistência espiritual nestes âmbitos.

Em declarações à Agência ECCLESIA , o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, admite que os Bispos teriam preferido que fosse feita uma regulamentação separada, tratando a Concordata e a Lei da Liberdade Religiosa em planos distintos. Esta própria Lei, lembra o Arcebispo de Braga, previa que "fossem feitos acordos com as diferentes religiões", o que veio a acontecer com a Igreja Católica, em 2004.

"A Concordata é precisamente uma acordo entre a Santa Sé o Estado português. Parecia-nos que deveria ser regulamentado sem tratar por igual aquilo que é desigual", atira.

Este responsável admite que a CEP "cedeu", mas negou estar contra os  diplomas, apenas contra a regulamentação conjunta. "Deveria ter sido feita uma separação, mas é mais importante a actual regulamentação do que estarmos à espera indefinidamente", conclui, após sublinhar que a Santa Sé tem de aprovar os presentes acordos.

Na conferência de imprensa que se seguiu ao Conselho de Ministros, Silva Pereira lembrou que este direito está consagrado na Concordata e na Lei da Liberdade Religiosa.

Quanto às soluções consagradas, o Ministro da Presidência falou no "princípio da solicitação expressa, embora não com requisitos formais" da assistência religiosa, "sendo vedada qualquer forma de pressão".

São regulados os mecanismos de acesso dos assistentes de todas as confissões reconhecidas aos estabelecimentos públicos, em condições de igualdade e segurança, e define-se o respectivo quadro de direitos e deveres.

A regulamentação prevê que o Estado assegure um "local" de culto que possa "ser utilizado por todas as confissões religiosas". "Fica garantida a preservação dos locais de culto católicos existentes e a previsão de novos espaços" para a Igreja Católica, em razão da sua "muito maior representatividade", assegurou Silva Pereira, admitindo que estes possam ser partilhados com outras confissões cristãs, se for julgado "necessário".

No que diz respeito ao estatuto dos assistentes, os mesmos deixarão de ser funcionários públicos, salvaguardando os "direitos adquiridos" por essas pessoas, prevendo-se mesmo a figura de "capelães civis", nas Forças Armadas e de Segurança, sem qualquer vínculo.

Está também previsto que todos os assistentes tenham de fazer um curso, "uma formação militar específica", adiantou Silva Pereira, lembrando em especial o envolvimento de capelães em operações militares, o que exige "preparação".

Além do fim da contratação de assistentes religiosos como funcionários públicos dos quadros do Estado, o novo quadro legislativo alarga a prestação de assistência por assistentes sem qualquer vínculo ou remuneração pública. "Prevêem-se mecanismos de vinculação, por regra através do regime de prestação de serviços ou de contrato a termo, para os casos em que a vinculação pública deva existir", indica o comunicado do Conselho de Ministros.

Os três Decretos-Lei são apresentados pelo Governo como "uma reforma da assistência religiosa".

"A nova regulamentação assegura a assistência religiosa, em condições de igualdade, a todas as confissões religiosas, sem prejuízo das implicações do reconhecimento da sua diferente representatividade na sociedade portuguesa", refere o comunicado.

O objectivo é regular o exercício da assistência religiosa nos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, nos estabelecimentos prisionais e centros educativos e, ainda, nas Forças Armadas e forças de Segurança. Para cada uma destas três áreas foi aprovado um Decreto-Lei próprio.

Os três diplomas recolheram parecer favorável da Igreja Católica, através da Conferência Episcopal Portuguesa e da delegação da Santa Sé na Comissão Paritária prevista na Concordata, bem como da Comissão da Liberdade Religiosa, onde estão representadas as diferentes confissões religiosas, como fez questão de sublinhar Pedro Silva Pereira.

Este responsável lembrou que, no caso das Forças Armadas e de Segurança a estrutura de assistência religiosa era "exclusivamente católica". Está previsto que a Capelania-Mor possa ser uma estrutura "inter-religiosa".

Regulamentação satisfatória, mas incompleta

Em declarações recolhidas pela Agência ECCLESIA no início desta semana, representantes da Igreja Católica em Portugal mostravam-se satisfeitos com o esforço do Governo em regulamentar a Concordata. D. Januário Torgal Ferreira classifica como uma "vitória" o facto de o acordo nas capelanias ter mostrado uma capacidade de diálogo "ecuménico e inter-religioso", lembrando que a Igreja Católica defende desde 1991 a abertura da assistência espiritual a fiéis de outras confissões.

Para o futuro, os novos capelães "serão contratados" e alguns terão um "vínculo mais sólido relativamente à instituição militar". Isso não impede de forma alguma o serviço pastoral da Igreja", diz o Bispo das Forças Armadas e de Segurança, pronto para a mudança. Em vez de 36 anos de serviço, será possível ter capelães durante "12 anos, por exemplo", um prazo que considera adequado.

Já o Pe. João Gonçalves, Coordenador Nacional da Pastoral Penitenciária, defende que não estamos propriamente perante uma regulamentação da Concordata, que implicaria "um projecto de presença da Igreja Católica, especificamente, nos estabelecimentos prisionais".

"O projecto que está aí é muito interessante, deixa muitas possibilidades de trabalho", indica, falando em melhorias para o trabalho de capelães e seus auxiliares.

A importância da dimensão interconfessional dos acordos é sublinhada pelo Pe. José Nuno Silva, Coordenador Nacional das Capelanias Hospitalares. "Tanto quanto sei, apraz-me registar que este diploma é o resultado de um conjunto de convergências, difíceis de obter, mas que acabaram por funcionar", afirma.

Na área da saúde, por outro lado, os capelães continuarão a ser "contratados e vinculados às instituições que servem"; a par de outros que podem ter situações mais precárias, caso a caso, adianta o Pe. José Nuno.

Apesar do acordo nas matérias acima referidas, ficam por regulamentar várias áreas da Concordata, como a questão do Património da Igreja, a fiscalidade e o Ensino da Moral e Religião Católica.

D. Jorge Ortiga sublinha que "ainda faltam outros aspectos, nomeadamente a assistência social do clero" e a questão dos "fins religiosos" referidos no artigo 26 da Concordata, que permitem isenções fiscais (IRS, IRC, IMT e IMI).

Na Concordata ficou consagrado que as pessoas jurídicas canónicas, quando desenvolvam actividades com fins diversos dos religiosos – de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos –  ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respectiva actividade.

O presidente da CEP lamenta, por outro lado, que ainda exista uma grande indefinição no que diz respeito ao Património, sublinhando que a Comissão bilateral para o desenvolvimento da cooperação quanto a bens da Igreja que integrem o património cultural português (artigo 23 da Concordata) apenas se reuniu "uma vez".

"Temos alertado para isto imensíssimas vezes e podem surgir problemas", alerta o Arcebispo de Braga, frisando que "falta muito nesta área".

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