Concordata deveria ter passado por um período de transição

O director do Instituto Superior de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa e membro da Comissão Paritária acredita que se tivesse havido um período de transição na aplicação da Concordata assinada a 18 de Maio de 2004 entre a Santa Sé e a República Portuguesa, alguns problemas que actualmente se verificam seriam evitáveis. Esta opinião foi proferida no decorrer de uma conferência sobre “As Implicações da Nova Concordata nas Relações entre o Estado Português e a Igreja Católica”, que decorreu na Aula Magna da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa, no âmbito da disciplina de Fiscalidade do curso de Filosofia e Desenvolvimento da Empresa. Aos jornalistas, Manuel Saturino explicou que tem havido algumas questões relacionadas com a aplicação da Concordata que dão a entender na opinião pública a existência de um certo «vazio de lei ou de falta de regulamentação de alguns assuntos». Segundo explicou, há conteúdos da Concordata que necessitam de ser regulamentados, referindo concretamente questões como o matrimónio, a educação moral e religiosa católica, a assistência religiosa em diversos âmbitos, a parte fiscal e da Segurança Social para os sacerdotes. «A Conferência Episcopal tem-se pronunciado no sentido de apressar o Governo ou as entidades responsáveis pela regulamentação destas diversas áreas, para esclarecimento da parte das entidades religiosas e também das pessoas singulares», disse. Para Manuel Saturino, o que é necessário fazer é «interpretar, regulamentar e aplicar certos artigos, como aconteceu com a Concordata de 1940». «É preciso uma acção do Governo e também da Igreja, por parte da Santa Sé, porque o Tratado é entre as duas partes. Há uma Comissão Paritária, que tem três elementos do Governo e três elementos da Santa Sé, que está a interpretar alguns pontos da Concordata. Por outro lado também há negociações com a Conferência Episcopal Portuguesa para a regulamentação de certos artigos e de certas matérias», salientou. Em relação à Comissão Paritária, da qual faz parte, o director do Instituto Superior de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa disse que este organismo esteve parado durante vários meses devido à ausência de um dos membros da delegação da República Portuguesa, o que provocou um grande atraso. No entanto, «os trabalhos recomeçaram em Outubro passado e, portanto, agora estão a ser tratados alguns assuntos e a serem analisados os modos mais concretos e mais convenientes para essa aplicação», realçou. Uma das questões que tem levantado algumas dúvidas nos últimos dias diz respeito à fiscalidade, ou seja, à obrigatoriedade dos sacerdotes apresentarem as suas declarações de IRS. Sobre esta matéria, Manuel Saturino afirma que o «texto da Concordata e a interpretação que foi dada é claro quanto a isso», isto é, «os sacerdotes devem preencher e cumprir as suas obrigações, como estão a fazer inúmeros sacerdotes em Portugal». «Podem dizer que há falta de regulamentação, mas penso que a Lei é clara. A explícita intenção do legislador das partes é no sentido dos sacerdotes também fazerem a sua declaração de IRS. Mas esse é um assunto delicado que tem sido abordado também nos devidos âmbitos», acrescentou. Esta é também a opinião do director adjunto das Finanças de Braga, que nesta conferência abordou concretamente a aplicação do artigo 26, referente à fiscalidade, da Concordata. Para José Soares Roriz, os rendimentos dos sacerdotes resultantes do múnus espiritual deixaram de beneficiar de qualquer isenção desde 1 de Janeiro de 2005 e, por isso, os membros do clero têm de apresentar anualmente o Modelo 3 do IRS. Por outro lado, acrescentou, as próprias entidades que atribuam as remunerações aos sacerdotes passam também elas a ter obrigações iguais às entidades patronais. Depois de explicar as isenções previstas na legislação, como o facto do estipêndio e do uso da residência não estarem sujeitos a IRS, o director adjunto chamou a atenção dos presentes para a obrigatoriedade de serem declarados até ao final deste mês todos os donativos atribuídos por pessoas singulares. O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e Arcebispo de Braga, presente nesta sessão, congratulou-se com a iniciativa, considerando que faz falta trazer à luz do dia diversas questões para que a Concordata não seja letra morta, mas sim norteadora do relacionamento entre o Estado e a Igreja. Para D. Jorge Ortiga, é necessário que esta Concordata comece a passar para o concreto. Na sua opinião, «não basta a Lei da Liberdade Religiosa» porque a «Concordata vai um pouco mais além» no relacionamento entre o Estado e a Igreja e que «gostaríamos de ver regulamentado em diversas áreas» para acabar com certos mal-entendidos.

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