Concílio Vaticano II, um estímulo forte

António Marcelino, bispo emérito de Aveiro

Regressei de Roma em julho de 1958. Dois meses depois morreu Pio XII. Logo a seguir, um novo Papa. Ouvi a notícia com desconforto. Não era o que esperava. Trazia de Roma o coração cheio de inquietações. O que vi e vivi, ao longo de três anos, dizia-me que as coisas na Igreja  tinham de mudar e voltar ao Evangelho. As primeiras palavras de João XXIII foram presságio de tempos novos. O anúncio inesperado de um Concilio, uma lufada de esperança. Bebi, avidamente, tudo quanto se foi anunciando. Acompanhei o que nos chegava sobre a preparação. O meu bispo alimentava em nós esta tensão positiva. Sentiu que era preciso envolver padres, seminaristas, leigos e consagrados no novo clima que se vivia na Igreja. Criou a “Comissão Diocesana Pro-Concilio” para pôr a Diocese em clima conciliar.

O Concilio começou. O entusiasmo aumentou, dia após dia. O meu bispo, com uma carta regular de Roma, mantinha a diocese desperta. Iam sendo votados os documentos e logo procurávamos dá-los a conhecer. Todas as ocasiões  eram aproveitadas: ultreyas, encontros da Ação Católica, reuniões de padres, encontros de religiosas, encontros de catequistas… Tudo constituía auditório a interessar pelos trabalhos conciliares. Tomaram-se iniciativas, ao tempo inovadoras, de reunir, em cada um das cidades da diocese, as comunidades religiosas da zona para encontros comuns. Não foi fácil. Algumas tinham já os seus mestres e uma iniciativa com padres diocesanos não convencia. Mas a abertura foi progressiva. Quem no início fechou portas, depois as escancarou. Já era o Concílio.

Quando o Vat.II terminou, a Diocese multiplicou as iniciativas. Vieram a Portalegre orientar cursos, abertos aos padres de outras dioceses, especialistas de fora. Fez-se, na catedral, a primeira concelebração eucarística no país, após um curso orientado pelo Père Roguet.  D. Agostinho era, também, presidente da Comissão Episcopal de Pastoral e empenhou-se, fortemente, na abertura do clero do país ao Concilio. Constituiu-se uma equipa nacional com o Cónego Manuel Falcão, os padres João Alves, Armindo Duarte, Manuel Vieira Pinto e eu mesmo, e iniciaram-se as Semanas Nacionais de Pastoral, na Buraca. Depois foram levadas às dioceses que o desejaram. Mestres do Instituto de Pastoral de Madrid, como Floristan, Useros, Elias Yanes, Echarren orientaram as Semanas. Às dioceses já fomos nós, equipa nacional, com os padres Vitor Pinto e Georgino Rocha.  Porque o meu bispo estava muito interessado neste programa, tive de ser eu quem mais se disponibilizou para os cursos diocesanos. Fui a todas as dioceses do continente e das ilhas. De 1968 a 1973 fui a Angola, Moçambique e Guiné. Também, em Moçambique, com uma inovação para quebrar o individualismo das congregações, fizeram-se os primeiros retiros inter congregacionais. Voltei a Angola e a Moçambique, em momentos muito difíceis, para cursos inter diocesanos sobre a LG e GS, da iniciativa das conferências episcopais. Pude verificar a urgência do espirito conciliar, dado que as divisões  no seio da Igreja, eram muitas e dolorosas.

Vi como nas dioceses o espirito conciliar demorava a conquistar os próprios bispos. Um pediu-me que não pregasse mais na sua diocese alguns pontos da Lumen Gentium, porque ele tinha votado contra; outro, da tribuna onde assistia à celebração, interrompeu -me para dizer que orientações litúrgicas do Concilio, tratava-se de dar o sinal da paz, na sua diocese não se admitiam;. ainda outro recomendava-me cuidado com o que ia dizer porque estavam lá todos os inimigos. Eram só padres, e o bispo falava de “eles e nós”…

Passados 50 anos, o Vaticano II, em muitos aspetos da nossa Igreja ainda não foi aceite. Não obstante a preocupação dos bispos, muitos padres e leigos não o conhecem, em aspetos importantes. 50 anos passados podem ser momento de acordar. Não vejo saída para muitos problemas pastorais, sem passar pelos caminhos do Vaticano II. O Povo de Deus, a hierarquia como serviço e não poder, o reconhecimento do lugar dos leigos, a visão positiva e o diálogo mundo, são exemplos a anotar.

António Marcelino, bispo emérito de Aveiro

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