Quando quase todos reconhecem que as aparências e as ilusões ocuparam o centro da vida económica do mundo ocidental durante demasiado tempo, é chegado o momento de dizer que o preço pago por essa loucura colectiva é muito alto e obriga a que se faça um exame de consciência, para retirar as lições da experiência. E a meditação proposta pelo Papa para a Quaresma de 2009 deve ser lida à luz dessas circunstâncias. Não podemos esquecer a crise financeira com que o mundo se defronta e as suas origens. As “economias de casino” geraram o agravamento das desigualdades e das injustiças. A especulação prevaleceu sobre as economias reais. O ter tornou-se motivo de vertigem e de cegueira. As aparências foram mais acarinhadas do que a realidade. Nas últimas décadas, os mais ricos tornaram-se mais ricos e os mais pobres tornaram-se mais pobres. E porquê? Exactamente porque o lugar dos outros e das diferenças foi ocupado pela indiferença e porque o sucesso se tornou o verdadeiro “bezerro de ouro” deste tempo. Mais do que de má consciência ou de ressentimento, falemos, antes, de compromisso pela justiça e pelo desenvolvimento, que tem faltado. Em vez das abstracções, importa colocar em primeiro lugar as pessoas concretas e os seus problemas. E esse compromisso significa responsabilidade social. Muitas vezes se tem dito que a crise pode ser uma oportunidade para mudar. Mas não basta invocar o tema, é indispensável entender que para mudar de vida é preciso mudar de atitude. Olhe-se em volta. A que se assiste? Ao alimentar de uma onda de pânico e de oportunismo que leva, por exemplo, a esquecer as responsabilidades sociais de todos. No fundo, depois da inconsciência do imediato vem o salve-se quem puder, sem olhar a meios e esquecendo os que são vítimas involuntárias do frenesim geral. Há quem procure, assim, apanhar a boleia da crise para alijar responsabilidades sociais. Se houvesse uma mudança de vida e de atitude, as responsabilidades sociais deveriam ser valorizadas. O emprego não pode ficar subordinado à tentativa de salvar as aparências, persistindo nos erros que conduziram onde estamos. Estado, sociedade e mercado têm de coordenar métodos e estratégias. Na mensagem do Papa Bento XVI fala-se da necessidade de um compromisso solidário: «o jejum ajuda-nos a tomar consciência da situação na qual vivem tantos irmãos nossos. Na sua Primeira Carta, São João alerta: ‘Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus?’ (3, 17). Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo do Bom Samaritano, que se inclina e socorre o irmão que sofre (cf. Encíclica “Deus caritas est”, 15)». Bento XVI propõe, assim, uma atitude de responsabilidade e compromisso, baseada no amor cristão. Não se trata de decidir de acordo com um interesse individual, mas de optar pelo próximo: «Escolhendo livremente privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em dificuldade não nos é indiferente. Precisamente para manter viva esta atitude de acolhimento para com os irmãos, encorajo as paróquias e todas as outras comunidades a intensificar na Quaresma a prática do jejum pessoal e comunitário, cultivando de igual modo a escuta da Palavra de Deus, a oração e a esmola». Estamos diante da necessidade de atenção e de cuidado para com os outros. E o Papa recorda: «Foi este, desde o início o estilo da comunidade cristã, na qual eram feitas colectas especiais (cf. 2 Cor 8-9; Rom 15, 25-27), e os irmãos eram convidados a dar aos pobres quanto, graças ao jejum, tinham poupado. Também hoje esta prática deve ser redescoberta e encorajada, sobretudo durante o tempo litúrgico quaresmal». Aliás, e não por acaso, «o jejum tem como sua finalidade última ajudar cada um de nós, como escrevia o Servo de Deus Papa João Paulo II, a fazer dom total de si a Deus (cf. Encíclica “Veritatis splendor”, 21). A Quaresma deve ser, portanto, valorizada em cada família e em cada comunidade cristã, para afastar tudo o que distrai o espírito e para intensificar o que alimenta a alma abrindo-a ao amor de Deus e do próximo. Penso (continua o Papa) em particular num maior compromisso na oração, na lição divina, no recurso ao Sacramento da Reconciliação e na participação activa na Eucaristia, sobretudo na Santa Missa dominical». O tema merece especial atenção pela sua actualidade. E perante os sinais dos tempos e a crise financeira, urge invocar no espaço público os princípios cristãos. Falar do compromisso com a justiça é referir a exigência das responsabilidades sociais de todos: do Estado, das empresas, dos trabalhadores, dos contribuintes, dos cidadãos em geral. Combater a injustiça, o desemprego e a pobreza é começar por quem está ao nosso lado e depende da nossa decisão. Mais do que nunca, vem à lembrança a parábola dos talentos e a imagem do servo inútil não deve ser esquecida… Guilherme d’Oliveira Martins