Coimbra: Homilia de D. Virgílio Antunes na Vigília Pascal

Caríssimos irmãos e irmãs!

Escutamos, nesta noite, o novo anúncio pascal, o anúncio da ressurreição de Jesus: “Ressuscitou: não está aqui”, proclama aquele jovem vestido com uma túnica branca, sentado do lado direito do sepulcro. É uma notícia sempre inesperada e sempre nova, a desafiar a fé das mulheres que foram de manhã cedo ao sepulcro de Jesus, a desafiar a fé dos discípulos e a fé de todos os que acreditaram ao longo dos séculos, entre os quais nos incluímos.

A notícia da morte de Jesus tinha-nos surgido como uma realidade expectável. Mais tarde ou mais cedo, por uma morte natural ou por condenação, haveria de acontecer, pois conhecemos bem a regra da finitude desta vida terrena e sabemos que todo aquele que nasceu, envelhece e morre. O nome de Jesus ter-se-ia perdido na bruma dos tempos se a sua peregrinação sobre a terra, mesmo que visivelmente extraordinária nas suas ações, tivesse acabado como a de tantos outros famosos, cuja memória desapareceu ou ficou somente nas páginas de algum livro como acontecimento de historicidade fiável ou duvidosa.

O nome de Jesus continua presente na história porque a notícia da Sua Ressurreição irrompeu no mundo como absoluta novidade. As mulheres, os discípulos, os apóstolos e depois uma multidão incontável de homens e mulheres ouviram esse anúncio e acreditaram nele. A própria narração dos Evangelhos, praticamente o único lugar a preservar a memória escrita acerca de Jesus, só nasceu porque os discípulos acreditaram que o seu Mestre ressuscitou. As outras fontes históricas da mesma época ignoram a sua pessoa, a sua obra, a sua morte e a sua ressurreição. Quando muito fazem algumas escassas referências ao movimento desencadeado pelos seus discípulos.

Nos dias de hoje, marcados por alguma indiferença religiosa que pode ter a marca do agnosticismo ou da secularização, discute-se pouco o significado da ressurreição de Jesus, por ser, nesse contexto cultural, um acontecimento irrelevante. No ambiente em que vivemos, as atenções centram-se mais nos discípulos de Jesus do que no próprio Jesus. Custa muito a acreditar e parece a muitos rondar a insensatez, por um lado que alguém possa acreditar que Jesus ressuscitou e está vivo, por outro, que alguém possa ainda, neste tempo, conduzir a sua vida com base nesta certeza de fé.

E, no entanto, grande obra da graça de Deus, nós e muitos outros de todas as latitudes, cidadãos deste mesmo mundo, participantes da vida desta sociedade, do conhecimento, da tecnologia, do progresso, continuamos a acreditar que Jesus ressuscitou e que Ele está vivo. Continuamos também a acolhê-lO como o Senhor da nossa vida, o nosso Mestre. Continuamos a procurar viver a partir da fé pascal.

Se porventura, noutros períodos da história, a fé cristã podia fazer parte de um húmus cultural de que todos participavam, de facto, hoje, ser cristão, acreditar na ressurreição de Jesus e viver da fé, fé que é sempre um dom, é também sempre fruto de uma decisão pessoal.

Entre nós, é frequente haver estupefação geral quando alguém cultural ou socialmente considerado, publicamente se declara crente. Mais ainda, quando se declara cristão, e a estupefação é agravada, se porventura se declara praticante.

Damos graças a Deus pela perseverança dos que nasceram numa igreja de cristandade maioritária e seguiram em frente com humildade e decisão pelo caminho da fé. Damos graças a Deus, de um modo especial, nesta Vigília, pelos eleitos que vão fazer a sua profissão de fé, que vão celebrar a sua entrada na igreja e que querem ser fiéis à graça de se tornarem discípulos de Jesus Cristo.

Este é, caríssimos irmãos e irmãs, o tempo da fé, da fé que é compromisso de vida. É o tempo de saborearmos a alegria de estar com o Senhor ressuscitado, de deixarmos que a sua vida nos preencha, que dê sentido à nossa existência. É o tempo de nos entregarmos à sua misericórdia infinita, que nos ampara em todos os momentos.

Este é, caríssimos irmãos e irmãs, o tempo da fé humilde, que não se apresenta com outros argumentos nem com outros sinais, senão o da morte e ressurreição do Senhor. Da fé que não oferece outra sabedoria senão a de Deus, que pode mesmo parecer insensatez aos olhos do mundo.

Nós sabemos que quando estamos perdidos, Ele nos procura. Quando sofremos, Ele nos alivia com a sua paixão. Sabemos que quando estamos desanimados, Ele nos faz arder de esperança o coração. Que quando somos pecadores, Ele perdoa os nossos pecados. E que quando estamos à beira da morte, Ele nos oferece a sua vida.

A celebração da Páscoa do Senhor traz-nos de novo o convite à vivência de uma fé viva, ativa, comprometida com o dom que recebemos. Esta é a condição humana para a nossa perseverança e, ao mesmo tempo, para que colhamos a felicidade que ela nos dá e demos ao mundo as razões da nossa esperança.

Na leitura do livro do Êxodo, que nos transmite a experiência da Páscoa Antiga, Deus dizia a Moisés que convocasse os filhos de Israel para que se pusessem a caminho. Ele vai à sua frente a abrir os caminhos da sua libertação e a transformar as águas de morte em águas de vida. Eles acolheram o convite e tornaram-se um povo em caminho, passaram por perseguições e tribulações, mas sentiram sempre a presença amorosa de Deus ao longo dos desertos pelos quais tiveram de passar.

O Novo Povo de Deus, nascido da água-viva do batismo na morte e ressurreição do Senhor, recebeu também a missão e vocação de se tornar um povo em caminho, um povo de peregrinos. “Ide dizer aos seus discípulos e a Pedro que ele vai adiante de vós para a Galileia. Lá o vereis”, escutavam as mulheres pela voz do mensageiro do sepulcro, segundo a narração do Evangelho de São Marcos.

Esta é a nossa condição desde aquele dia feliz do batismo: Como pessoas e como povo, como igreja, somos peregrinos da fé, fé sempre em construção e sempre vivida na esperança e no amor. Na tarde daquele primeiro dia da semana, o Senhor ilustra essa nossa vocação, quando se aproxima dos discípulos de Imaus, lhes narra as Escrituras e conta o que lhe aconteceu em Jerusalém. Quando se lhes revela ao partir do pão, também eles se põem a caminho, primeiro para Jerusalém, a fim de conhecerem o testemunho dos apóstolos, e depois em direção aos lugares onde cada um pode continuar a sentir a presença reconfortante do Ressuscitado.

O acontecimento fundador tem lugar em Jerusalém, mas o caminho da fé estende-se a uma longa peregrinação, sempre em direção à Galileia, isto é, aos lugares onde se passam os nossos dias. Aí, com tudo o que acontece, continua a nossa peregrinação com Cristo, aí vivemos da fé, aí damos testemunho da esperança a que fomos chamados.

Começámos um caminho com Cristo no Batismo. Se tomámos essa decisão inicial, havemos de ser perseverantes, como é o caso destes caríssimos eleitos que nesta Páscoa vão receber o sacramento do Batismo. Se porventura fomos levados ao Batismo, ainda antes de termos o discernimento da nossa vontade, é sempre tempo de nos deixarmos enraizar em Cristo por meio de uma decisão consciente e livre em cada um dos nossos dias. Uns e outros havemos de ser igualmente perseverantes com a força do Espírito que habita em nós.

Irmãos e irmãs, a Páscoa da Ressurreição é este hino à vida que nos é, hoje, de novo anunciado. Acolhemo-lo como o compromisso de trabalhar incansavelmente em favor de toda a vida, em favor de toda a criação redimida por Cristo. Que a Páscoa seja a inspiração de vida de que o nosso mundo precisa, este mundo em que vivemos, frequentemente envolto nas mais densas trevas de morte: nestas guerras que aniquilam multidões indefesas, nas culturas que matam seres humanos indefesos, nos comportamentos perniciosos que destroem esperanças legítimas. Porventura, nas perseguições étnicas ou religiosas que impedem as pessoas de serem livres e felizes.

Alegremo-nos, por isso, com Cristo ressuscitado e peçamos-lhe a graça da perseverança no caminho da fé batismal, essa fonte da nossa vida e fonte de vida para o mundo todo.

D. Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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