Cinquentenário da morte de D. João Evangelista de Lima Vidal

Completam-se hoje (5 de Janeiro) 50 anos sobre a morte de D. João Evangelista de Lima Vidal, Bispo de Aveiro entre 1938 e 1958. Neste texto do Pe Doutor Filipe Rocha, publicado em 1996, realça-se a faceta de pedagogo do bispo que restaurou a Diocese de Aveiro e a liderou nas duas primeira décadas. No presente projecto, pretendemos colocar-nos do ponto de vista dos educadores. É nossa intenção recordar (e analisar) o pensamento pedagógico de conhecidas ( e recentes) personagens aveirenses: para já, João Evangelista de Lima Vidal, Homem-Christo (pai) e Jaime de Magalhães Lima. Será um modesto contributo para que os nomes destes ilustres aveirenses não se percam no olvido da história, mas permaneçam no coração de uma cultura e de uma cidade que eles tanto amaram. (…) Lima Vidal – de seu nome completo João Evangelista de Lima Vidal – nasceu em Aveiro a 2 de Abril de 1874 e faleceu na mesma cidade em 5 de Janeiro de 1958. Possuidor de uma personalidade extremamente rica e multifacetada, foi, deveras, marcado pelo ambiente natural e humano da região que o viu nascer. Ao longo da vida, entregou-se a grandes causas que considerava os seus amores (à terra natal, aos deserdados da fortuna, ás questões sociais, ás criancinhas sobretudo as mais abandonadas, à Igreja com sua vida interna e projecção externa, ás dioceses que governou …). Para além disto ( e muito mais!), Lima Vidal amava profundamente a sabedoria, ou seja, um amplo leque de conhecimentos que ajudem a viver a vida em profundidade e lhe confiram um sentido pessoal duradoiro. É disso que vamos tratar seguidamente. À laia de abertura, porém, podíamos tudo resumir no comentário que ele mesmo teceu a um versículo da Bíblia: “Sine fictione didici, et sine invidia comnunico” ( Aprender com sinceridade, ensinar sem inveja). E explica: “ Não aprende com sinceridade, isto é, pelo puro amor do saber, aquele cujos principais cuidados e mais altos ideais não são precisamente ouvir com atenção os mestres e entrar com profundidade na inteligência dos livros (…); não aprende com sinceridade aquele que, ao lançar-se ao estudo, já leva o firme propósito de encontrar nele a confirmação dos seus erros ou das suas doutrinas, que é capaz de forçar a razão, de a apertar numa forma, para a adaptar, à força, às suas preconcebidas idealizações (…); não aprende com sinceridade aquele para quem a sabedoria é só um ar de encher um balão, de estender um monco pelo peito abaixo, de abrir à cauda um insolente leque(…)”. Ensinar sem inveja: “O avarento, em vez de espalhar à sua volta, em benefício de todos, os dobrões escondidos do seu tesouro, ainda inveja o que os outros têm e o que ele mais quereria era que, num caixão, enterrado à raiz de uma árvore, a chave dele nas suas mãos, todo o bem do mundo se concentrasse a dormir e a apodrecer. Ele se sentaria sobre essa campa como um rei de lodo a escorrer no pântano (…). A luz da verdade, quando entra por algum orifício na escuridão, é para entrar por ele em todas as escuridões; não é para ficar escondida debaixo de algum alguidar, é para subir aos telhados de maneira que todos possam ver e ao seu esplendor alegrar-se”. Eis um espelho onde pode ver-se, em contra-luz, a alma de Lima Vidal! (…) A Diocese de Aveiro, que havia sido extinta em 1881-82 “por inconfessados motivos de ordem política (mais) do que propriamente por considerações ou imperativos de ordem religiosa”, – um dos tristes frutos da união da Igreja e do Estado! – foi restaurada por Pio XI em 1938, sendo Lima Vidal nomeado seu Administrador Apostólico e, mais tarde (1940), Bispo residencial. Também aqui foi preciso começar muitas coisas (quase) a partir do zero; e, mais uma vez, foram postos à prova a clarividência, o arrojo e tenacidade de Lima Vidal: organizou a cúria diocesana, participou nas negociações que levaram à Concordata e ao Acordo Missionário (1940), incentivou Congressos Eucarísticos (Vagos, Anadia, Estarreja, Águeda, Sever do Vouga), reestruturou a vida religiosa na diocese (Sínodo Diocesano, 1944), socorreu os desfavorecidos da fortuna (Florinhas do Vouga), promoveu semanas de Estudos Pastorais e Sociais, etc. Porém, a sua preocupação maior era a formação de sacerdotes e consequentemente a criação de Seminários. Estes estiveram sempre no caminho de Lima Vidal. Quando ainda em Coimbra, havia ele escrito: “O Seminário tem qualquer coisa de grave e de majestoso, de divino, que surpreende ao primeiro encontro os atrasos da alma, nos transporta acima das nossas tentações e dos nossos defeitos; os pulmões sentem-se bem com o ar puro e tranquilo que se respira dentro dos seus muros (…). O Seminário é o coração de uma diocese, e o coração todos sabem que é o grande órgão da vida” (16). No ano lectivo de 1938-39, já não havia tempo de preparar quanto se torna minimamente necessário para uma instituição deste género; no ano seguinte, começou a funcionar, em edifícios alugados, o Seminário de Preparatórios. A sessão solene de abertura teve lugar a 8 de Outubro de 1939. Já nessa data Lima Vidal tinha preparado um Regulamento Provisório. Nele se estabelecem (…) Descendo à praxis vivida nos Seminários criados ou fortemente estruturados por Lima Vidal, diremos que a preocupação fundamental é a criação, nos seus alunos, de personalidades humanas evoluídas dentro da perspectiva de uma mundividência cristã. E nem se estranhe que falemos em personalidades evoluídas: é que se parte do princípio fundamental de que a mensagem cristã, designadamente a evangélica, constitui uma luz que aponta linhas de rumo também para os nossos dias. Filipe Rocha, in “Pedagogos Aveirenses, Lima Vidal”, 1996

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