Católicos portugueses querem sociedade mais justa

Fórum promovido pela Comissão Nacional Justiça e Paz defende mudanças políticas, económicas, sociais e religiosas Construir uma cultura de paz assente na responsabilidade pessoal e dos agentes públicos, que se traduza em mudança de estruturas foi a linha orientadora dos três dias do Fórum “Globalizar a Paz. Construir um Mundo Justo” promovido pela Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP). Uma tarefa difícil, mas possível, acreditam os participantes que pedem mudanças políticas, económicas, sociais e religiosas para criar uma sociedade mais justa. O Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, afirmou no encerramento da iniciativa que um futuro melhor será resultado da “conquista da humanidade” e o “fruto amadurecido de todas as lutas por um mundo mais fraterno, mais justo e em paz”. O documento provisório de conclusões traduz os resultados das conferências e das 4 sessões temáticas que ocuparam os cerca de 400 participantes do Fórum de 21 a 23 de Novembro. A propósito da economia e do trabalho o texto sublinha a necessidade de manter “o primado da responsabilização pública, a centralidade dos direitos dos cidadãos, a responsabilização social das empresas”, a promoção de iniciativas locais e a valorização de profissões socialmente desqualificadas. Sobre a Europa, afirma-se que se “impõe a preservação do modelo social europeu” e que a crise demográfica deve ser enfrentada com “políticas de apoio à família”. A União Europeia “não pode fechar-se sobre si, sendo de rejeitar a ideia de Europa-fortaleza”. As conclusões criticam ainda a “ausência estrutural e continuada de direitos básicos” na sociedade portuguesa, também incapaz de reduzir “o fosso entre ricos e pobres”. E insistem na responsabilidade social dos “media” e na importância do diálogo inter-religioso, temas que dominaram os trabalhos de sábado. Manuela Silva, da CNJP, explica à Agência ECCLESIA que “o objectivo fundamental, a partir de agora, é criar dinâmicas novas para mudar as consciências das pessoas”. Neste sentido, a organização católica pretendeu demonstrar que a tarefa de transformação da sociedade não compete apenas às forças políticas organizadas ou aos governos. Em relação ao futuro e embalada por este sucesso, a CNJP pretende “repensar os meios que podemos mobilizar para uma acção mais ampla na sociedade”. CONSTRUIR UM MUNDO JUSTO A intervenção principal do Fórum coube a Chico Whitaker da Comissão Justiça e Paz Brasileira, para quem “o caminho para a paz é a construção da justiça”. Chico Whitaker, 72 anos, esteve exilado no Chile e em França durante a ditadura militar brasileira, é conhecido internacionalmente como um dos fundadores do Fórum Social Mundial (FSM), afirmação mais visível da convicção que trouxe até Portugal: “outro mundo é possível”. Acusando os “media” de terem uma “grande responsabilidade na banalização da violência”, Chico Whitaker observou que “sempre tivemos conflitos, o problema é como os resolvemos: impondo a vontade do mais forte ou pelo diálogo, que é a forma mais humana”. Está em causa construir um mundo mais justo, disse, mas isso implica aprofundar as causas da injustiça. Mudar comportamentos e mudar as estruturas são as atitudes necessárias para combater as injustiças, traduzidas em duas máximas: “domesticar a economia” e “radicalizar a democracia”. O processo pode passar, segundo explicou, por “pressionar o poder, tomar o poder ou pela mutação social”. Nesse sentido, assegura que é necessário “aumentar o controlo social, criando estruturas políticas novas para introduzir no processo democrático a democracia participativa.” GLOBALIZAR A PAZ Na abertura da iniciativa, sexta-feira à noite, o Cardeal Patriarca de Lisboa afirmou que “a paz é a essência do homem”, assegurando que todo e qualquer acontecimento em torno desse valor é “uma semente que pode provocar outras iniciativas.” Essa intenção de gerar outras iniciativas foi assumida pelo presidente da CNJP, Armando Sales Luís, no discurso inicial. “O Fórum pretende ser um ponto de encontro entre todos os interessados e um ponto de partida para outras acções e reflexões”, disse. O presidente da CNJP fez desde logo referência “à multiplicação da guerras, do crime organizado, do terrorismo e da destruição sistemática” para dar conta da dimensão de um dos propósitos do Fórum: “Globalizar a paz”. A intervenção principal, de Chico Whitaker, apresentou caminhos possíveis para a desejada paz global: israelitas a reconstruir casas de palestinianos destruídas pelo exército do seu país, as “comunidades de paz” na Colômbia, os clubes de trocas ou as redes de troca de saberes são algumas das experiências” que evidenciam uma alternativa. No painel temático sobre trabalho e economia defendeu-se “o direito do pobre sobre a riqueza”, tendo em vista uma distribuição mais equitativa da mesma. Porque a primeira violência sobre os pobres é a sua própria pobreza e porque sem justiça não haverá paz, como foi recordado inúmeras vezes pelos participantes. TERRORISMO E INTOLERÂNCIA RELIGIOSA O mundo não seria melhor sem a religião. A certeza avançada em conjunto por um muçulmano, uma judia e um padre católico ganhou particular relevo numa altura em que as religiões e os seus textos fundadores estão a ser manipulados para a violência e a guerra um pouco por todo o mundo. Falando como “pessoas que estão à volta da mesma mesa a conversar” e não como representantes de uma religião, Esther Mucznik, vice-presidente da Comunidade Judaica de Lisboa, AbdoolKarim Vakil, muçulmano português e investigador no King’s College de Londres e Frei Luís França, da Ordem Dominicana, alertaram que é um “caminho perigoso” tentar encontrar “na essência da religião as causas dos actuais conflitos”, como os do Médio Oriente. Esta via, “desvia as pessoas das verdadeiras causas dos conflitos e atiça a intolerância religiosa”, realçou Esther Mucznik. No debate sobre o papel das religiões, durante o fórum promovido pela CNJP, Mucznik acrescentou que “não é nos fundamentos, mas nos comportamentos religiosos, que devemos encontrar a chave da violência”. Frei Luís França fez questão de vincar que a violência “não nasceu com as religiões” e assegurou mesmo que estas serviram para “canalizar e domesticá-la”. Para AbdoolKarim Vakil, “o Islão desprovido das noções de paz e de perdão é um som oco, não faz sentido.” Na sua intervenção citou o exemplo dos atentados do passado dia 15, contra duas sinagogas judaicas em Istambul, para dizer que “é impossível um muçulmano ficar calado” perante esses actos cometidos em nome do Islão e a verdade é que as suas palavras de paz tiveram grande aceitação junto dos participantes, muitos dos quais se lhe dirigiram pessoalmente após a conferência.

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