Cartuxa: Onde a Quaresma nunca acaba

Prior do mosteiro de Évora descreve o quotidiano de cada monge e revela que comer pouco faz parte da «normalidade» de uma vida onde «o importante» é a oração

Évora, 17 fev 2015 (Ecclesia) – O Prior da Cartuxa Scala Coeli de Évora, dom frei Antão Lopes, considera que o tempo da Quaresma corresponde ao quotidiano da Cartuxa, onde se vive “todo o ano no deserto”.

"O deserto é o significado da Cartuxa. A nossa vocação consiste em passar todo o ano no deserto, todo o ano sozinhos com Deus e jejuando", afirmou dom frei Antão Lopes à Agência Ecclesia.

Para o Prior da Cartuxa de Évoca, o deserto do monge é a sua cela, que nela passa a maior parte do tempo.

"Este espaço liga-nos ao deserto da Judeia, a esse ar livre, à natureza para onde Jesus se retirou. Liga-nos também aos primeiros ermitas da Igreja que se retiravam para os desertos do Egito e da Síria, Santo Antão, São Paulo Eremita, São Pacómio… todos eles procuravam imitar Jesus num lugar que facilitasse, a natureza", sublinhou.

No ambiente da Cartuxa, o prior do mosteiro de Évora disse que o Tempo da Quaresma “não difere muito do resto do ano”, apesar do jejum ser "mais forte" e a liturgia "mais abundante e rica", com mais tempo para a oração e o canto.

Dom frei Anão Lopes conta que quando a comunicação social fala da Cartuxa, valoriza o jejum, mas que os monges não lhe atribuem assim tanto relevo.

"É algo que entra na normalidade da nossa vida. O facto de comermos pouco e de forma mais simples é algo que nos deixa mais tempo livre e é mais económico. O que para nós é importante é a oração. Esse é que é o aspeto forte da nossa vocação”, sublinhou.

O dia na Cartuxa divide-se em três partes (oito horas de oração, oito horas de trabalho e oito horas de descanso), onde a leitura tem um lugar central na formação espiritual do monge, nomeadamente da Bíblia, à semelhança da experiência de deserto vivida por Jesus

"Não nos podemos esquecer que Jesus, no deserto, venceu as tentações com a Palavra de Deus. Para nós, a Escritura é uma ajuda fenomenal. Nós também temos as nossas tentações, as nossas ideias, pensamentos que por vezes brotam dentro de nós. A Escritura e principalmente o Evangelho é muito importante", sustenta frei Antão Lopes.

D. Antão lembra que os monges não se dedicam a atividades lucrativas e têm também de ter o mínimo de despesas.

"Para que a vida contemplativa aumente, as despesas têm de diminuir. E para que as despesas diminuam temos de comer menos, de usar a roupa mais tempo, utilizar as mobílias e os utensílios da cela mais anos… essa qualidade do jejum e de comer de forma mais simples tem um objetivo, a finalidade de dedicar mais tempo à espiritualidade e menos ao material".

Apenas com 6 monges, o radicalismo da vida na Cartuxa de Évora tem por dificuldades principais “a solidão e a família”.

“A renúncia à família custa muitíssimo, custou-nos a todos, a solidão também custa, mas ela é um meio para se chegar até Deus", refere.

O Mosteiro da Cartuxa, em Évora, remonta a 1587, ano em que se iniciou a sua construção pelo arcebispo D. Teotónio; os primeiros monges chegaram em 1598 e aí permaneceram até à expulsão das ordens religiosas em 1834, quando o espaço se tornou propriedade do Estado e albergou uma escola agrícola que transformou a igreja do mosteiro em celeiro.

Em meados do século XX, Vasco Maria, conde de Villalva, restaurou o mosteiro e devolveu-o à Ordem de São Bruno para acolher a vida cartusiana em Santa Maria Scala Coeli.

A reportagem sobre o mosteiro da Cartuxa em Évora vai ser emitida no programa '70×7' deste domingo, às 11h30, na RTP2.

A Quaresma que se inicia com a celebração de Cinzas (18 de fevereiro, em 2015), é um período de 40 dias, excetuando os domingos, marcado por apelos ao jejum, partilha e penitência, que serve de preparação para a Páscoa, a principal festa do calendário cristão.

HM/PR

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