Carta por ocasião da Jornada Mundial pela Santificação dos Sacerdotes

Cardeal Dario Castrillón Hoyos, prefeito da Congregação para o Clero A Jornada Mundial pela Santificação dos Sacerdotes celebra-se na solenidade do Coração de Jesus, 18 de Junho, com o lema: “A Eucaristia, manancial de santidade no ministério sacerdotal”. Queridos amigos sacerdotes: A Jornada Mundial para a Santificação dos Sacerdotes, que será celebrada no alegre clima da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, oferece-me a oportunidade de reflectir convosco sobre o dom de nosso ministério sacerdotal, compartilhando a vossa solicitude pastoral por todos os fiéis e pela humanidade inteira, e de maneira particular pela parte do Povo de Deus que se confiou aos vossos respectivos serviços, dos quais sois solícitos e generosos colaboradores. O tema que quero propor-vos este ano está em sintonia com a carta encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, que o Santo Padre João Paulo II quis presentear-nos na Quinta-feira Santa do ano passado, vigésimo quinto aniversário de seu pontificado e Ano do Rosário: “A Eucaristia, manancial de santidade no ministério sacerdotal”. 1. Criados para amar “Sede santos porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo” (Levítico 19, 2). O livro do Levítico nos recorda a graça e a meta de todo fiel e, de maneira particular, de todo ministro ordenado: a santidade, que é intimidade com Deus, amor sem reservas à Igreja e a todas as almas. A vocação sacerdotal é “essencialmente um chamamento à santidade, que nasce do sacramento da Ordem” (João Paulo II, exortação apostólica “Pastores dabo vobis”, 33). O sacerdote está chamado, nas suas próprias circunstâncias, ali onde Deus o colocou, a encontrar, conhecer e amar a Cristo no exercício do seu ministério e a identificar-se cada vez mais com Ele. Se, na iminente solenidade do Sagrado Coração de Jesus, mantivermos o nosso olhar dirigido para o Senhor, para o seu único, sumo e eterno Sacerdócio, ampliaremos os nossos horizontes mais além das fronteiras de nossa vida quotidiana e enriqueceremos a nossa existência com uma dimensão mais universal e missionária. “Eu vos digo: Levantai vossos olhos e vede os campos, que branquejam já para a colheita” (João 4, 35). O eco destas palavras do Senhor ressoa ainda hoje no nosso coração e mostra o imenso horizonte da missão de amor do Verbo encarnado, que se torna a nossa missão: a entrega como herança a toda a Igreja e, de maneira específica, dentro dela, a nós, seus ministros ordenados. É verdadeiramente grande o ministério de amor do qual nos convertemos em ministros, nós, os sacerdotes! Os Actos dos Apóstolos nos recordam que esse mesmo Jesus com o qual os apóstolos tinham vivido, comido e compartilhado o cansaço de cada dia, continua presente agora na sua Igreja. Cristo está presente nela não só porque continua a atrair para si todos os fiéis deste Trono de graça e de glória que é a sua Cruz redentora (Cf. Colossenses 1, 20), formando com todos os homens, de todo tempo, um só Corpo, mas também porque ele está sempre presente no tempo e de maneira eminente como Cabeça e Pastor, que ensina santifica, e governa constantemente seu Povo. E esta presença realiza-se através do sacerdócio ministerial que ele quis instituir no seio de sua Igreja. Por este motivo, todo o sacerdote pode repetir que foi eleito, consagrado e enviado para que veja a actualidade de Cristo, de quem se converte em autêntico representante e mensageiro (Cf. Congregação para o Clero, “Directório para o ministério e a vida dos presbíteros, “Tota Ecclesia”, 31.1.1974, n. 7). A vida de Cristo, da qual somos portadores, “Christo-foroi”, é como a água que corre entre terrenos rochosos e áridos e que os faz fecundos. Com a vinda de Cristo no tempo e no espaço do homem, a história deixou de ser terra árida, como se mostrava antes da Encarnação, para assumir um significado e um valor de esperança universal. “Não podemos permitir-nos dar ao mundo uma imagem de terra árida, depois de receber a Palavra de Deus como chuva descida do céu; nem jamais poderemos pretender chegar a ser um único pão, se impedimos que a farinha se transforme em um único pão, se impedimos que a farinha seja amassada por obra da água que foi derramada sobre nós” (Cf. São Irineu, “Adversus Haereses”, III, 17, PG 7, 930; João Paulo II “Incarnationis Mysterium”, n. 4). 2. Com o coração de Cristo O que se necessita para alcançar a felicidade não é uma vida cómoda, mas um coração enamorado, como o de Cristo. O Coração santíssimo e misericordioso de Jesus, atravessado por uma lança na Cruz, como sinal de entrega total, é fonte inesgotável da verdadeira paz, é manifestação plena desse amor oblativo e salvífico com o qual ele nos “amou até o extremo” (João 13, 1), pondo o fundamento da amizade de Deus com os homens. A solenidade de seu Sagrado Coração convida à alegria da caridade de entregar-nos aos demais: “Cantai ao Senhor um cântico novo, porque fez maravilhas!” (Salmo 97,1). Queridos sacerdotes, os prodígios são a nossa vida, mistério de predilecção divina e dom de sua misericórdia, expressados desta maneira tão conquistada pelo profeta Jeremias: “Antes de eu te ter formado no seio materno, conhecia-te, e antes que nasceste, tinha-te consagrado: eu, profeta das nações, constituí-te” (Jeremias 1,5). Não só o sacerdócio, também o caminho de preparação a ele é um dom, que como diz São Paulo: “ninguém se arroga tal dignidade, mas o chamado por Deus” (Hebreus 5,4). Através do sacerdócio baptismal, todos somos servidores de Cristo. Como diz São Paulo na segunda carta aos Coríntios, somos os servidores da alegria dos homens (Cf. 2 Coríntios, 1, 24). Mas o ministério sacerdotal, recordamo-lo com palavras de Paulo VI, “não é uma profissão ou um serviço qualquer exercido a favor da comunidade eclesial, mas um serviço que participa de maneira absolutamente especial e com um carácter indelével na potência do sacerdócio de Cristo, graças ao sacramento da Ordem” (Paulo VI, “Mensagem aos sacerdotes”, 30 de junho de 1968, ao encerrar o Ano da Fé). Os homens desejam contemplar no sacerdote o rosto de Cristo, encontrar nele a pessoa que, “posta a favor dos homens no que se refere a Deus” (Hebreus 5,1), pode dizer com Santo Agostinho: “A nossa ciência é Cristo e nossa esperança também é Cristo. É ele quem infunde em nós a fé com respeito às realidades temporais e é ele quem nos revela essas verdades que se referem às realidades eternas” (Santo Agostinho, “De Trinitate”, 13, 19, 24). 3. Mediante a Eucaristia, que é nossa força e esperança Os Evangelhos falam da iniciativa de Cristo que, caminhando sobre as águas, leva ajuda e consolo aos apóstolos, que se encontram na barca agitada pelas ondas do Lago Tiberíades (Cf. Mateus 14, 22-32). É um convite a reavivar nossa plena confiança em Cristo. Ele também nos repete a exortação dirigida aos navegantes: “Ânimo, sou eu; não temais” (Mateus 14, 27). Não nos deixemos atemorizar pelas dificuldades, tenhamos confiança n’Ele! A vocação sacerdotal, proposta com eficácia por Cristo em vós e acolhida por vós com generosa humildade, como terra fecunda, dará certamente frutos abundantes. Como Pedro, saiamos ao encontro de Jesus salvador, fixando o nosso olhar no seu rosto misericordioso: só o olhar do crucificado e ressuscitado, contemplado na nossa oração e na confissão sacramental, pode superar a força de gravidade da nossa pequenez, dos nossos limites e pecados. São João Crisóstomo, ao comentar esta passagem do Evangelho, afirma: “Quando falta a nossa cooperação, também a ajuda de Deus perde a sua força” (Comentário ao Evangelho de São Mateus, n. 50). Redescubramos em particular na Eucaristia a verdade e a eficácia das palavras e da acção de Cristo. “Jesus, estendendo a mão, agarrou-lhe e disse: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?”“ (Mateus 14, 31). A mão de Deus nos sustenta e as águas escuras, agitadas por nossa soberba e pelo demónio, perderão o seu poder. Da Eucaristia tiraremos a força da caridade de Cristo. Neste sentido, na carta encíclica sobre a Eucaristia, o Santo Padre escreve: “Todo o compromisso de santidade, toda a acção orientada a realizar a missão da Igreja, há-de tirar do Mistério eucarístico a força necessária e se há de ordenar a ele como a seu cume” (João Paulo II, carta encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, 17 de Abril de 2003, n. 60). Deus vos pede, sacerdotes diocesanos, missionários e religiosos, que vos entregueis com entusiasmo neste sagrado ministério, que redescubrais, especialmente na Eucaristia, a beleza da vossa vocação sacerdotal. Que cada um se converta em educador de vocações, sem ter medo de propor opções radicais na santidade. Conscientes, como afirmava o santo Cura d’Ars, de que “o sacerdote é o amor do coração de Jesus” (“Esprit du Cure d´Ars, M. Vianney dans sés catéchismes, sés homélies et as conversation”, édition de Téqui, Paris 1935, p. 117), como não vos recordar que não há nada mais alentador que um testemunho apaixonante da própria vocação? “O sacerdote – dizia também São João Maria Vianney – é algo imenso, que se ele mesmo o compreendesse, morreria” (“Esrit…” o. cit., p. 113). Como sentinelas da Casa de Deus, que é a Igreja, velemos para que em toda a vida eclesial da nossa paróquia se reviva o encontro com Cristo crucificado e ressuscitado. Evitemos os obstáculos do activismo nos quais naufragaram em ocasiões os melhores programas apostólicos e pastorais, e pelos quais se tornaram áridas muitas vidas comprometidas num serviço que não foi adequadamente regado pela Palavra de Deus e por sua presença na Eucaristia. Repitamos com as palavras do Santo Padre: “No humilde sinal do pão e do vinho, transformados em seu corpo e seu sangue, Cristo caminha connosco como a nossa força e o nosso viático e transforma-nos em testemunhas de esperança para todos” (João Paulo II, carta encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, n. 62). Façamos que os fiéis cristãos revivam a experiência do Cenáculo que, em certo sentido, foi o primeiro curso de formação dos apóstolos. No Cenáculo, o Mestre, depois de ter instruído os doze, lavou-lhes os pés e, antecipando o sacrifício cruento da Cruz, entregou-se a si mesmo totalmente e para sempre no sinal do pão e do vinho. No Cenáculo, em espera de Pentecostes, os apóstolos reuniram-se, perseverando na oração, com um mesmo espírito em companhia de Maria, a mãe de Jesus (Cf. Atos, 1, 14). Este ano celebra-se o aniversário número 150 da definição dogmática da Imaculada Conceição de Maria, proclamada pelo beato Pio IX, em 8 de Dezembro de 1854. Invoquemos, portanto, com particular confiança, a Bem-aventurada Virgem Imaculada. Peçamo-lhe, mulher “eucarística”, que alente sempre em nós o desejo de identificar-nos plenamente com seu Filho, de ser “ipse Christus, alter Chrsitus”, para ser em todo lugar arautos do Evangelho, especialistas em humanidade, conhecedores do coração dos homens de hoje, partícipes de suas alegrias e esperanças, angústias e tristezas e para ser, ao mesmo tempo, contemplativos, enamorados de Deus. Dirijamo-nos a Maria, Rainha dos apóstolos e dos sacerdotes. Peçamo-lhe que nos acompanhe no nosso caminho ministerial, como acompanhou os apóstolos e os primeiros discípulos no Cenáculo. Dirijamo-nos a ela, Estrela da evangelização, com confiança para que por sua intercessão o Senhor conceda a cada um o dom da fidelidade à vocação sacerdotal. Que a Imaculada Conceição resplandeça no centro das nossas comunidades eclesiais e as transforme num sinal elevado entre os homens, como “cidade situada em cima do monte” e como “uma lâmpada sobre o candeeiro para que ilumine a todos” (Mateus 5,14-15)!

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