Bispo de Vila Real escreve sobre desafios do Ano Paulino

D. Joaquim Gonçales mostra preocupação porque «muitas pessoas têm a Bíblia em casa mas não a sabem usar» O Ano Paulino e os seus desafios 1- É já no próximo dia 29, dia de S. Pedro e S. Paulo, que se inicia em todo o mundo católico o «Ano Paulino», ou seja, o jubileu dos 2000 anos do nascimento de S. Paulo. Todo o cristão traz este nome gravado no ouvido, de tanto o haver escutado na proclamação dos seus textos na liturgia. Dessa proclamação ou mesmo da leitura pessoal dos escritos paulinos duas notas ressaltam imediatamente – a paixão pela pessoa de Jesus e a reflexão de Paulo algo difícil. De facto, em S. Paulo andam sempre juntos o afecto e a reflexão, fala com o coração e a cabeça. Nem é um sentimental nem um cerebral frio. Sente-se que Paulo fala de alguém de quem gosta e fala a um auditório muito variado com um discurso algo complexo. Comparando-o com os Evangelhos, nota-se que, apesar de os destinatários dos quatro evangelistas serem diferentes, a narrativa é bastante linear, acessível a toda a gente, ao passo que os escritos de Paulo são algo enredados, a indicar grande reflexão para fazer entender o seu caso pessoal e para responder a situações típicas dos judeus e gentios, gregos e romanos: para os primeiros, recorre ao Antigo Testamento; para os gregos recorre ao conceito de sabedoria e argumentos da razão; para os romanos, usa conceitos jurídicos e a lei da natureza. Por tudo isto, pela evolução religiosa de si mesmo e pela encruzilhada cultural em viveu, Paulo de Tarso é uma figura bíblica extraordinariamente rica e motivadora. 2- Culturalmente Paulo é um homem de fronteira. Judeu fiel nascido fora da Palestina, reúne na sua pessoa a cultura judaica herdada da família e cuidadosamente estudada por si próprio, a perspectiva cristã dessa cultura feita a partir da sua conversão, a cultura grega helenista própria do meio onde nasceu, viveu e trabalhou, e a cultura romana das estruturas políticas do Império do qual era cidadão de pleno direito. Para sublinhar que a mudança radical da sua vida se deve ao acontecimento da estrada de Damasco e não a uma reflexão académica, os estudiosos chamam- -lhe hoje «homem de um «evento», isto é, a mudança do seu mundo interior e cultural baseia-se num facto histórico, uma intervenção pessoal do próprio Jesus Cristo e não é a conclusão lógica de longo estudo de gabinete. Paulo repete isso constantemente. Paulo transforma-se num homem de ruptura com o esquema judaico do antigo Israel e da lei de Moisés, ruptura que não significa desafeição e muito menos desprezo das suas raízes, mas uma leitura nova feita à luz do Messias. Paulo sente-se um homem novo perante o judaísmo oficial, e, apesar disso, um homem apaixonado pela história do seu povo, o que o levaria a reflectir sobre o mistério da vocação do povo de Israel. O caso de Paulo constitui um rico filão para uma reflexão sobre a novidade e a alegria de ser cristão, sobre a fé como relação pessoal com Jesus e geradora de um compromisso apostólico, sobre o diálogo da fé cristã com o judaísmo, com as outras culturas e para o estudo das primeiras raízes cristãs da Europa. 3- Ao proclamar o Ano Paulino, o Papa não nos convida propriamente a um estudo académico, não se tem em vista a formação científica, ainda que ela se suponha nos responsáveis para ajudar a compreender os textos, mas uma acção pastoral em sintonia com o «Sínodo dos Bispos sobre a Palavra na vida e missão da Igreja» a realizar em Roma no próximo mês de Outubro, e que os Bispos de Portugal concretizaram num conjunto de acções tendo como base de trabalho o texto de um livro encomendado para isso: Um ano a caminhar com S. Paulo. É uma proposta oficial que representa uma ocasião oportuníssima para iniciar os fiéis na meditação e revisão de vida a partir dos textos de Paulo. Muitas pessoas têm a Bíblia em casa mas não a sabem usar, continuando a ser um livro hermético. Deseja-se, portanto, aproveitar a ocasião para, a partir do caso de Paulo, fazer uma experiência de como usar espiritualmente a Bíblia, fazer a chamada «lectio divina» com as etapas da leitura, reflexão, confronto com a vida actual, oração pessoal ou em forma de salmo. Todos os párocos e demais agentes de pastoral são convidados a um empenho especial na sua execução. Não será sempre fácil, quer por falta de hábito de estudo e de leitura, quer por falta de pessoas orientadoras. De qualquer modo, os catequistas, os leitores, os cantores, os ministros da comunhão, os jovens crismados e a crismar, os escuteiros, os que frequentam a catequese nos anos mais adiantados, devem ser estimulados a constituírem um ou mais grupos que reúnam uma vez por semana. Os pais que se sentirem capazes poderão em casa fazer esse trabalho com os seus filhos mais novos num dia de cada semana. Temas paulinos para os encontros 4- Os textos seleccionados conduzem a uma série de catequeses cujos temas são indicados logo no início de cada texto. Convém ter presente que S. Paulo não desenvolve nenhum tema como um conferencista, com princípio, meio e fim, mas responde a situações concretas da sua acção pastoral, e responde com a cabeça e coração, sempre com afecto a Jesus Cristo e ao povo. É este clima de afecto e de atenção à vida real, às situações de desgosto, de alegria, de surpresa, de desânimo, de contrariedades e de choques, que deve ser cultivado na meditação e oração dos textos, evitando a fuga para a mera especulação intelectual. Os textos paulinos transportam-nos à madrugada da fé, ao clima de surpresa do mundo pagão perante um mensagem que parece um sonho. Tudo neles cheira ainda à novidade, quer da parte do mundo judeu quer do mundo grego e romano. Indicam-se alguns tópicos das catequeses paulinas: – A leitura das circunstâncias da vida pessoal como caminho providencial para a compreensão da vocação de cada um; – O legítimo semitismo e o semitismo ultrapassado, sem que isso justifique o anti-semitismo político; – A fé como relação pessoal com Jesus, e como um processo dinâmico: a intervenção divina, a humildade de pessoa (a célebre queda do cavalo), e o baptismo como entrada na comunidade já organizada; – O sentido da Justificação cristã, nascida de uma iniciativa divina; – O apostolado como reflexo dessa amizade interior e diaconia aos outros, e não mera propaganda; – A formação das comunidades eclesiais e sua irradiação missionária, a escolha e a formação de colaboradores – As provações na vida cristã: a fé não é um êxtase nem garantia de sucesso. – O dinheiro e o voluntariado nos apóstolos do Evangelho; – A estrutura da família na transmissão da fé: sentido antigo e actual – A estrutura fundamental das Cartas de Paulo. – O homem sem Deus ou o drama humano da descrença – A insuficiência da fé genérica em Deus se faltar o «caminho» de Jesus Cristo – Antropologia Paulina ou o drama interior do homem, mais tarde chamado «pecado original». – A redenção, obra do amor de Deus trino. – A liberdade em S. Paulo: dispensa das leis de Moisés mas não da ética pessoal. – O baptismo como «participação na Páscoa» e como «iluminação». – A história da celebração da Eucaristia: nomes, ágape e Eucaristia, celebração do sacrifício pascal, comunhão com Deus e com os outros. – A Ordenação de homens para serviço da comunidade – O Matrimónio cristão: imagem do amor de Cristo pela Igreja – A Mulher na Igreja e feminismo cristão – A Igreja como mistério: acção do Espírito, carismas e ministérios, Cristo cabeça da Igreja; – Notas da Igreja: apostólica, católica, una e santa. – A Bíblia e a Comunidade crente. Sendo fundamental na fé da Igreja, a Bíblia nasceu da Comunidade e não o contrário, de modo que o Cristianismo não é uma «religião do livro» mas fruto de um encontro com Jesus dentro da comunidade. – A oração cristã, suas notas características – A Igreja no mundo: povo orante e instrumento de salvação, de novas relações humanas, de caridade e de justiça. – A entreajuda das várias igrejas ou dioceses, o diálogo inter religioso – As virtudes cristãs e o trabalho na perspectiva cristã, – A sexualidade humana e a escatologia – O cristão e as organizações do Estado – A Salvação, a Morte e a Esperança cristã. 5- Dentro do mesmo tema, cada grupo fará caminhos algo diferentes, conforme a sua situação e capacidade. O trabalho pastoral neste ano de 2008-2009 pode conduzir a iniciativas complementares, tais como «Cursos de iniciação à Bíblia», «Cursos de leitores», havendo para ambos eles textos editados há anos pela Diocese, dinamização das «Oficinas de Oração». Encenações da pessoa e discursos de Paulo na Catequese, visitas turísticas às igrejas históricas de Paulo. Joaquim Gonçalves, Bispo de Vila Real

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