Bento XVI traça quadro sombrio da situação mundial

Discurso ao corpo diplomático, um dos mais importantes do ano, sublinha desafios que se colocam à comunidade internacional: fome, guerra, violência e subdesenvolvimento Bento XVI lançou hoje um olhar particularmente crítico sobre a situação da comunidade internacional, lamentando os problemas levantados a centenas de milhões de pessoas pelos dramas da fome, da guerra, da violência e do subdesenvolvimento. No aguardado discurso ao corpo diplomático acreditado na Santa Sé, uma espécie de balanço sobre “o estado do mundo”, o Papa começou por desafiar os representantes de 179 Estados e Instituições internacionais a “lançarmos um olhar sobre a situação internacional, para examinar os desafios que somos chamados a enfrentar conjuntamente”. Entre as questões essenciais, como o próprio as definiu, estão “as milhões de pessoas, especialmente mulheres e crianças, às que faltam água, comida e um tecto”. “O escândalo da fome, que tende a agravar-se, é inaceitável num mundo que dispões dos bens, dos conhecimentos e dos meios para lhe pôr fim”, atirou. Na linha do que tinha feito na Mensagem para o Dia Mundial da Paz 2007, Bento XVI apontou o dedo aos “contínuos atentados contra a vida, desde a sua concepção à morte natural”, recordando também as crises humanas e os fenómenos migratórios. O Papa pediu mudanças que possam “eliminar as causas estruturais das falhas da economia mundial”, para corrigir os “modelos crescimento” incapazes de “garantir o respeito ao ambiente, o desenvolvimento integral e também para o futuro”. Preocupantes são também os sintomas crescentes de crise no que diz respeito ao desarmamento, com o aumento das despesas militares à escala mundial. “As questões da segurança, agravadas pelo terrorismo, que há que condenar firmemente, devem ser tratadas numa abordagem global e clarividente”, advertiu o Papa. Do Iraque a Timor O Papa condenou a “violência terrível que ensanguenta o Iraque” e lembrou as “legítimas preocupações da comunidade internacional” a respeito do programa nuclear do Irão. Bento XVI falou da “crise política” que afecta Timor Leste, classificando-a como sinal de “uma certa fragilidade dos processos de democratização”, visível também noutros países. Em Timor, a Igreja Católica quer “continuar a oferecer a sua contribuição nos sectores da educação, da saúde e da reconciliação nacional”. O discurso alertou para os “perigosos focos de tensão” na Península da Coreia, apelando à “reconciliação” do povo coreano. Ao “evitar os gestos que possam comprometer as conversações”, disse o Papa, é preciso não condicionar as ajudas humanitárias destinadas às populações mais vulneráveis da Coreia do Norte. Vietname, Afeganistão ou Sri Lanka foram outros dos países que mereceram um olhar atento. Sobre a situação genérica no Médio Oriente, Bento XVI frisou que “os libaneses têm o direito de ver respeitada a sua integridade e soberania; os israelitas têm direito a viver em paz no seu Estado; os palestinianos têm o direito a uma pátria livre e soberana”. “Renovo o meu premente apelo a todas as partes em causa no complexo xadrez político da região, com a esperança de que se consolidem os sinais positivos – registados nas últimas semanas – entre Israelitas e Palestinianos. A Santa Sé nunca se cansará de repetir que as soluções armadas não conduzem a nada, como se viu no Líbano, no verão passado”, disse. “Para pôr termo à crise e aos sofrimentos que esta provoca nas populações – advertiu o Papa -, é preciso proceder a uma abordagem global, que não exclua ninguém da busca de uma solução negociada que tenha em conta as aspirações e os legítimos interesses dos diferentes povos implicados”. Num olhar sobre a América Latina, o Papa falou de Cuba, saudou a “melhoria de alguns índices económicos” no Brasil e pediu o esforço de todos na “pacificação” da Colômbia. África As dificuldades vividas na África mereceram, da parte do Papa, um olhar particularmente atento. Depois de lembrar que os países desenvolvidos se comprometeram a destinar 0,7% dos seu PIB para ajudas internacionais, Bento XVI elencou os dramas vividos no Darfur, Uganda, Costa do Marfim e as regiões dos Grandes Lagos, a África Austral e o chamado corno de África. No Darfur, disse, a comunidade internacional parece impotente, desde há quatro anos, não obstante as iniciativas destinadas a apoiar as populações em dificuldade , “protegendo eficazmente as populações civis”. “Só uma colaboração activa entre as Nações Unidas, União Africana, os governos em causa e outros protagonistas poderá dar eficácia a estes meios. Convido-os a todos a agir com determinação: não podemos aceitar que tantos inocentes continuem a sofrer e a morrer assim”, apontou. “Repito-o: não esqueçamos a África e as suas numerosas situações de guerra e de tensão. Há que recordar que só as negociações entre os diferentes protagonistas podem abrir o caminho a um regulamento justo dos conflitos, deixando entrever progressos para a consolidação da paz”, pediu. Europa Nos últimos pontos do seu discurso, o Papa deixou uma referência à Europa, aos dois países que acabam de ser integrados na União Europeia (Roménia e Bulgária), assim como ao 50º aniversário dos Tratados de Roma, que ocorre este ano. Bento XVI faz votos de que, no Tratado constitucional, “sejam plenamente protegidos os valores fundamentais que estão na base da dignidade humana, em particular a liberdade religiosa em todas as suas dimensões, e os direitos institucionais das Igrejas”. Evocando a recente celebração dos cinquenta anos da insurreição de Budapeste, Bento XVI observou que “os dramáticos acontecimentos do século XX incitam todos os Europeus a construírem um futuro livre de toda a opressão e de todo o condicionamento ideológico, tecendo elos de amizade e de fraternidade e manifestando solicitude e solidariedade para com os mais pobres e pequenos”. “Há também que purificar as tensões do passado, promovendo a todos os níveis a reconciliação, pois só ela permite construir o futuro, dando lugar à esperança”, acrescentou. Sinais positivos Como elementos positivos que emergem nos dias de hoje, Bento XVI referiu antes de mais “a crescente tomada de consciência da importância do diálogo entre as culturas e entre as religiões”. Trata-se – sublinhou – de “uma necessidade vital, em particular dados os desafios comuns que dizem respeito à família e à sociedade”. De registar também uma maior “tomada de consciência da comunidade internacional sobre os enormes desafios do nosso tempo, assim como os esforços para a traduzir em actos concretos”. Em conclusão, Bento XVI deixou votos de que as várias instâncias responsáveis pela comunidade internacional saibam “trabalhar para a construção de um humanismo integral, o único que pode assegurar um mundo pacífico, justo e solidário”. (Com Rádio Vaticano)

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