Antigo porta-voz do Vaticano e presidente da Fundação Joseph Ratzinger evoca exemplo de «coragem»
Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano
Cidade do Vaticano, 04 jan 2023 (Ecclesia) – O padre Federico Lombardi, presidente da Fundação Joseph Ratzinger-Bento XVI, disse hoje à Agência ECCLESIA que o falecido Papa esteve sempre “do lado da solução” na crise dos abusos sexuais de menores, por membros do clero.
“Para mim, seria uma gravíssima injustiça acusá-lo, nesta matéria”, referiu o sacerdote, antigo porta-voz do Vaticano.
Para o religioso jesuíta, Bento XVI foi “aquele que enfrentou a crise, durante muito tempo, e fez a sua parte, segundo as respetivas competências”.
O responsável recorda passos “muito importantes”, do ponto de vista jurídico, dados pelo então cardeal Joseph Ratzinger, enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, unificando a jurisdição entre os vários organismos da Cúria Romana,
Como Papa, acrescenta, Bento XVI enfrentou a questão do padre Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, tendo-o afastado das suas funções sacerdotais, depois de acusações de abusos sexuais contra seminaristas.
O padre Lombardi assinala ainda que foi o falecido Papa a iniciar os encontros com vítimas de abusos, durante as viagens internacionais, “dando o exemplo de como fazer, a partir da escuta, da consciência do sofrimento das pessoas”.
Para o presidente da Fundação Joseph Ratzinger-Bento XVI, as mudanças no direito penal e aposta na prevenção, passando pela formação dos sacerdotes, bem como a carta aos católicos da Irlanda, em 2010, mostram uma pessoa “preocupada com a verdade”.
Não resolveu todos os problemas, é certo, mas foi aquele que, com muita humildade e honestidade, definiu a direção em relação a toda uma série de linhas de ação: a escuta, a justiça, a cura e a prevenção”.
Diretor da sala de imprensa da Santa Sé de entre julho de 2006 e julho de 2016, o padre Federico Lombardi teve oportunidade de acompanhar Bento XVI em várias viagens internacionais e é numa delas que encontra a imagem “símbolo” da vida do falecido Papa: a vigília da JMJ 2011, em Madrid, no aeródromo de Cuatro Vientos, quando se abateu um temporal sobre a multidão.
Bento XVI presidiu, a 20 de agosto de 2011, a uma vigília de oração, agradecendo a centenas de milhares de jovens por terem resistido com ele ao vento e à chuva intensa.
“Muito obrigado pelo maravilhoso exemplo que destes”, disse o Papa, no final da celebração, muito afetada pelo mau tempo, falando numa “aventura” que viveram juntos.
O padre Lombardi assume que se viveram “momentos de preocupação”, perante a possibilidade de a multidão entrar em pânico, destacando a atitude “exemplar” de Bento XVI.
“Foi um modelo da atitude de coragem, de paciência, de confiança num momento difícil”, indica, considerando que Bento XVI enfrentou situações “muito sérias” sem se deixar “desorientar”.
O presidente da fundação dedicada ao falecido Papa sublinha a necessidade de não reduzir o percurso de Bento XVI à renúncia ao pontificado, em fevereiro de 2013, recordando o seu percurso teológico, desde a juventude.
“É uma herança que não deve ser vivida como um arquivo a guardar”, mas uma “inspiração” para enfrentar as questões “da Igreja e do mundo de hoje”, acrescenta.
A renúncia ao pontificado, em fevereiro de 2013, é vista pelo sacerdote jesuíta como “um ato muito coerente”, em relação ao percurso de Bento XVI, por ser “a concretização de uma raciocínio feito na fé e também com a razão”.
Questionado sobre as vozes que pedem o reconhecimento de Bento XVI como “um doutor, um padre da Igreja”, o padre Federico Lombardi manifesta a sua prudência, mas admite que esse desejo manifesta “uma consciência alargada do grande contributo que ele deu para a vivência da fé, no contexto da cultura e das grandes perguntas do mundo de hoje”.
“Ele é testemunha de uma fé que vai ao fundo das questões, que não quer ficar à superfície, que não se contenta com slogans ou imagens provisórias”, conclui.
A Missa exequial pelo Papa emérito Bento XVI vai ser presidida esta quinta-feira, pelo Papa Francisco, a partir das 09h30 (menos uma em Lisboa), na Praça de São Pedro.
OC