Beja: Homilia no dia de Natal de D. João Marcos

Reverendo senhor padre Novais, amados religiosos e religiosas, caros fiéis leigos:

1 – Ouvíamos há momentos, na 1ª leitura, esta expressão fortíssima do profeta Isaías: as tuas sentinelas levantam a voz. Todas juntas soltam brados de alegria porque veem com os próprios olhos o Senhor que volta para Sião. E, mais adiante, o Senhor descobre o Seu santo braço à vista de todas as nações, e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus. O salmo responsorial confirmou a realização desta promessa grandiosa: todos os confins da terra viram a salvação do nosso Deus. Finalmente o Evangelho, o prólogo do Evangelho de S. João, dá testemunho de que o Verbo Se fez carne e habitou entre nós, e nós vimos a Sua glória.

Ver Deus neste mundo? A Deus, nunca ninguém O viu, atesta o Evangelista, algumas linhas a seguir. Mas acrescenta: o Filho Unigénito, que está no seio do Pai, O deu a conhecer. Na véspera da Sua morte, quando celebravam a última Ceia, o apóstolo Filipe pediu a Jesus: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta! Jesus respondeu-lhe: há tanto tempo que Eu estou convosco e não Me conheces? Filipe, quem Me vê, vê o Pai!

2 – Ver o Pai?! Ver Deus?!

A fé cristã, afirma S. Paulo na Carta aos Romanos, nasce no coração de quem escuta o anúncio da Morte e da Ressurreição de Cristo. Mas na pré-evangelização, antes desse anúncio explícito do Evangelho que suscita a fé, é muito importante o testemunho silencioso da vida cristã que serve de preparação para escutar, que ajuda quem o contempla, a escutar. E, mais adiante, haverá, porventura, momentos em que a visão da Sua glória nos ajudará a escutá-l’O de uma forma nova, tal como experimentaram Pedro, Tiago e João, na transfiguração do Senhor, quando ouviram a Palavra do Pai: este é o Meu Filho muito amado: escutai-O! Aliás, como escutávamos no início da 2ª leitura, muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais pelos profetas. Nestes tempos , que são os últimos, falou-nos por Seu Filho, que é o esplendor da Sua glória e imagem da Sua substância, cheio de graça e de verdade! N’Ele, em Jesus Seu Filho bem-amado, Deus mesmo vem, como tinha prometido, cuidar das Suas ovelhas, procurá-las e alimentá-las com a sua pessoa e com os seus ensinamentos. E, para isso, tornou-Se visível, assumindo a nossa natureza humana, encarnando e fazendo-Se homem mortal, precisamente para destruir, na Sua morte, o demónio, o pai da mentira.

A Solenidade do Natal, celebração do nascimento de Jesus segundo a carne, permite-nos ver, ou melhor, entrever, a visão da glória de Cristo. E isso é sublinhado pelas leituras desta celebração. Que é nascer? É ser dado à luz, é vir a este mundo onde o primeiro sentido, assim o diz o povo, consiste em ver. No evangelho de S. João a palavra ver significa acreditar. Diz, por exemplo, que no túmulo de Jesus, o discípulo amado viu e acreditou. A Tomé, o Senhor, convidando-o a verificar as feridas da Sua paixão presentes no Seu corpo ressuscitado, disse-lhe: porque Me viste, acreditaste. Felizes os que acreditam sem terem visto.

Acreditai, irmãos e irmãs, e vereis Aquele que agora vos fala por meio de mim. Vede, pela fé, Jesus presente na sua Igreja! Escutai-O como fez Maria, irmã de Marta, e servi-O como O serviram, com os seus bens, aquelas mulheres que O seguiam nos caminhos da Galileia e da Judeia.

3 – Em vossos corações surgirá esta pergunta: que vem realizar, neste mundo, o Senhor Jesus Cristo? Escutávamos há momentos, na proclamação do Evangelho, que o Verbo veio ao mundo e o mundo não O recebeu. Mas àqueles que O receberam e acreditaram no Seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.

Que maravilha, queridos irmãos e irmãs, nos concede a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo! Ele, sendo Deus verdadeiro, pois participa como Filho da natureza do Pai, fez-Se homem, para que nós homens, Suas criaturas,  nos tornemos filhos adotivos de Deus! Ele chama-nos a ser santos e a tornarmo-nos deuses por participação. Sim! Deus fez-Se homem, para que nós, homens, unidos a Cristo Jesus, nos tornemos deuses!

Esta transformação é o grande objetivo da Sua vinda, é o resumo da missão da Igreja e é também o programa da nossa vida cristã. Somos membros vivos do Corpo de Cristo, Nosso Senhor, que é a Igreja, e participamos da Sua vida e Missão: anunciar, celebrar e praticar, estes três verbos podem resumir, de certo modo, a vida cristã. Anunciar o Evangelho suscita e alimenta a fé. Celebrar na Eucaristia a Sua vitória sobre a morte fortalece a nossa esperança. E praticar o mandamento novo do amor, torna visível no mundo a comunhão fraterna. A vida de Cristo, filho de Deus, traduzida na fé, na esperança e na caridade é cultivada e vivida na Igreja pelos filhos de Deus que somos nós. Esse dinamismo das três virtudes teologais, da fé, da esperança e da caridade descentra-nos de nós mesmos, impede-nos de estagnar e de apodrecer numa vida sem sentido e faz aparecer em nós as mesmas obras de Cristo Nosso Senhor, obras de obediência amorosa ao Pai e de serviço humilde aos irmãos.

Se este é o programa da tua vida, se vieste ao mundo para seres cristão e filho de Deus, porque vives tão esquecido da caminhada que tens de fazer? Que te detém? Porque estás adormecido, suportando, tantas vezes sem esperança, a rotina do teu dia-a-dia?

Desperta, tu que dormes, levanta-te de entre os mortos e Cristo te iluminará. Desperta, Igreja de Beja, levanta-te de entre os mortos, celebra e anuncia Cristo teu Senhor e Mestre, e com o clarão da Sua luz iluminarás os habitantes da terra alentejana!

4 – Mas onde está Aquele que João Batista e os profetas anunciaram? Onde podemos ver a Sua majestade, o Seu poder e a Sua glória? No presépio, em vez do Juiz Omnipotente apenas vemos uma criança débil, dependente em tudo dos cuidados de Maria e de José que a limpam e alimentam. E na Igreja, tantas debilidades e pecados, a todos os níveis, em vez da santidade que seria de esperar dos seus membros…

Alguma vez vos interrogastes, caros irmãos e irmãs, porque será que de tanta gente que enchia a cidade de Belém nos dias do Recenseamento e viu Jesus, tão poucos acreditaram n’Ele? E porque será que a Sua vida pública se pode resumir a uma sequência de desilusões, e termina no maior de todos os escândalos que foi morrer crucificado? Porque será que, já em Belém, não havia lugar para Ele na hospedaria?

Feliz de quem não encontra em Mim ocasião de tropeço, dirá anos mais tarde, o próprio Senhor Jesus àqueles que se escandalizavam dos Seus ensinamentos e dos seus comportamentos misericordiosos. Nós acreditamos que Aquele Menino recém-nascido é Deus feito homem. E recebemo-l’O como Mestre e Senhor que vem ensinar-nos. Aceitamo-l’O tal como é, sem O querermos adaptar aos nossos aleijões espirituais, pois nós é que precisamos e devemos converter-nos e adaptar-nos a Ele. Celebrando o Seu nascimento em nós neste ano de 2019, aceitamo-l’O como o Pai no-l’O dá. Ele é o verdadeiro tesouro no vaso de barro da nossa carne. Inteiramente dependente de nós. Celebrar o Seu Natal compromete-nos a cuidar d’Ele agora, para que cresça e possa realizar, em nossas vidas, a Sua obra de Salvação.

E como se cuida deste Menino que é Deus feito homem? Rezando diariamente, participando na celebração da Eucaristia dominical, cultivando a comunhão fraterna e anunciando o Seu Evangelho.

Queridos irmãos e irmãs: celebremos com renovada gratidão a Eucaristia, nesta solenidade do Natal. Entreguemos a este Menino cuja imagem vemos deitada nas palhas da manjedoura, mas que agora está realmente vivo e ressuscitado à direita do Pai, intercedendo por nós, todos aqueles que amamos, todas as nossas preocupações e cuidados.

Cuidemos d’Ele, e Ele cuidará de nós.

+ J. Marcos
Sé de Beja, 2019

 

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