Aveiro: Homilia de D. António Moiteiro na Missa Vespertina da Ceia do Senhor

Amou-os até ao fim

1. O gesto do lava-pés

Foto Diocese de Aveiro

Jesus, consciente de que o seu fim está próximo, dispõe-se a viver a sua Páscoa no momento em que o povo judeu celebra a Páscoa judaica da libertação do Egito. Este é um dos momentos fundantes da fé de Israel, mas no qual Jesus nos deixa o memorial eucarístico da sua vida e da sua entrega por nós até à morte e morte de cruz. Este é o sacramento que atualiza, no hoje da história, o mistério da nossa salvação definitiva.

O texto da primeira leitura do livro do Êxodo é comentado pela Bíblia de Jerusalém com estas palavras: «A Páscoa judaica preparava a festa cristã. Cristo, o cordeiro de Deus, é imolado (na cruz) e comido (na Ceia), no decorrer da Páscoa judaica (Semana Santa). Cristo (e nós com Ele) vai “passar” deste mundo, cativo do pecado, ao Pai, à Terra Prometida. Esta é a Páscoa de Cristo, que vai substituir a Páscoa dos judeus. Este é o mistério central da nossa fé».

Na Ceia de despedida com os seus discípulos, Jesus lava os pés aos seus discípulos. Coloca-se no lugar de quem serve e o seu gesto escandaliza aqueles que o contemplam. Lavando os pés aos seus discípulos, Jesus faz-se o último deles, é como o escravo que lava os pés ao seu senhor. Jesus quer dizer-lhes que este gesto só o entenderão verdadeiramente depois da Páscoa, porque o maior serviço que Jesus nos oferece é dar a vida por cada um de nós. O gesto de tirar o manto, para depois o retomar, recordaria o que Jesus tinha dito noutra ocasião: “Eu dou a minha vida para a tomar de novo” (Jo 10,17-18).

2. A Ceia do Senhor

É o amor que está no centro da entrega de Cristo por mim e por ti. “Sabendo bem que tinha chegado a sua hora da passagem deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo” (Jo 13,1).

Celebrar a Ceia do Senhor não pode reduzir-se a um simples cumprimento de um preceito da Igreja. “Fazei isto em memória de Mim” exige da nossa parte a decisão de querer repetir este memorial de entrega e serviço aos outros, na forma sacramental. A cruz de Jesus, assumida e abraçada por amor, salva-nos. É este o amor a que estamos convidados, os discípulos de Jesus, e o que pode salvar o mundo: que procura o bem e a felicidade do outro, que não é egoísta, que perdoa e se reconcilia, que é capaz de renunciar e sacrificar-se pelos outros.

Foto Diocese de Aveiro

Neste dia, celebramos também a instituição do sacramento da Ordem. Jesus dá aos seus apóstolos o mandato: “Fazei isto em memória de Mim”. A Eucaristia une-nos, em primeiro lugar, a Cristo, que se nos oferece como alimento: “O que come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6,56). Mas também nos une a todos os irmãos: “Formamos um só corpo os que participamos do mesmo pão” (1Cor 10,17). Por isso, a Eucaristia é um compromisso com Cristo, que nos exige uma união real com Ele; uma união de coração e de obras; uma aceitação do seu amor, que se manifesta no cumprimento dos seus mandamentos. E é também um compromisso com os irmãos. Se formamos um só corpo, temos de nos ajudar uns aos outros; precisamos de estar ao serviço dos irmãos. Receber o seu Corpo e o seu Sangue como alimento, significa sermos discípulos de Jesus, seguirmos os seus passos, vivermos em conformidade com Ele, mas também um compromisso com o mundo em que vivemos. Quando Jesus diz “Tomai e comei”, quer afirmar que tomemos a vida nas nossas mãos, e recebê-lO na Eucaristia exige luta e esforço para sair do pecado e superar as situações difíceis que não estão de acordo com o projeto cristão.

O pão partido e repartido é também compromisso pessoal de cada um de nós em sermos testemunhas da sua morte e ressurreição. Jesus parte o pão e oferece-o aos seus discípulos e, com este gesto, convida-nos a assumir um compromisso, integrando-nos na sua obra redentora e continuando a sua missão. Assim o entenderam os primeiros discípulos; dando testemunho da ressurreição de Jesus assumiram todas as suas consequências, como são as perseguições, as incompreensões dos seus contemporâneos e até o martírio.

Celebramos a passagem da libertação de Deus pela nossa história com a presença sacramental de Jesus connosco na instituição da Eucaristia. Como queremos que seja esta “passagem” na nossa vida? O mistério pascal pode encher de sentido a nossa vida, com as suas contradições, fraquezas e até pecados. “O amor de Deus derramado nos nossos corações” (Rm 5,5) é o único que nos pode dar plenitude.

Aveiro, 28 de março de 2024.
† António Manuel Moiteiro Ramos, Bispo de Aveiro

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