As verdadeiras soluções

Referendo: Sim ou Não? 1. Ao afirmarmos que a legalização do aborto não é a solução, nem legítima, nem eficaz, para enfrentar o drama do aborto clandestino, nem a resposta a dar às mulheres grávidas, que enfrentam com dificuldade a maternidade, aceitamos que nos perguntem: quais são, então, as verdadeiras soluções? Devemos procurá-las nos grandes valores da civilização cristã e de uma sociedade justa e humanista, que ponha os valores acima dos interesses. 2. O primeiro desses valores é o amor fraterno, que exige o domínio dos egoísmos individualistas e a generosidade para ajudar os outros, sobretudo os que enfrentam problemas e necessidades graves. A solidariedade, que no ideal cristão ganha a densidade da caridade, é o dinamismo fundamental da construção da comunidade e de uma sociedade solidária. Num estudo recente, feito pela Universidade Católica Portuguesa, à pergunta dirigida às mulheres, se, num caso de maternidade difícil, optariam pelo aborto ou por aceitar a ajuda para poder levar a termo a sua maternidade, 76% das inquiridas responderam que, se fossem ajudadas, não recorreriam ao aborto. Este é um desafio feito ao Estado, à sociedade e também à Igreja. Temos de encontrar soluções positivas, na linha da solidariedade e da ajuda fraterna. É preciso organizar uma rede de apoio, discreta mas eficaz, de modo que toda a mulher a quem se coloque a tentação de recorrer ao aborto, saiba onde e a quem poderá recorrer, onde seja salvaguardada a sua intimidade e lhe seja garantida a ajuda de que precisa: espiritual, psicológica e material. Para nós cristãos, não passará também por aqui a tal “fantasia da caridade”? 3. Uma outra ordem de valores sobre a qual se pode construir uma solução, situa-se no âmbito da educação. A educação deve propor um quadro de compreensão da vida humana, dos instintos à liberdade, que abra para a generosidade e para a responsabilidade. Conceber o exercício da liberdade numa perspectiva individualista, em que cada um pode fazer tudo o que quer e lhe apetece, não leva nem ao crescimento da pessoa, nem à edificação de uma sociedade justa e solidária. A sociedade fica confrontada com a necessidade de resolver, de forma pragmática e eficaz, os percalços e os problemas criados por uma liberdade individual sem responsabilidade. É assim nos acidentes de viação, nas agressões contra o ambiente, no abandono e abuso de crianças, no aborto. O exercício individualista da liberdade origina uma sociedade permissiva. O Estado gasta uma parte significativa das suas capacidades e energias a corrigir abusos da liberdade, e as leis que enquadram essa busca de soluções tendem a ser pragmáticas, não se enquadrando nos valores fundamentais de uma cultura que situe e motive a liberdade individual. Isso é tarefa da educação. O caso concreto do aborto toca num aspecto fundamental: a educação para a sexualidade, generosa e responsável, que encontra no amor o contexto positivo do seu sentido. Enquanto o ambiente for o de cada um fazer o que lhe apetece, o uso da sexualidade levará, cada vez mais, ao desrespeito da pessoa humana de que resulta: a violência familiar, o abuso de crianças, a sida, a utilização da mulher como objecto, os percalços indesejáveis na adolescência, o aborto. Acordemos todo para uma educação que promova a dignidade da pessoa humana, e esteja à altura da civilização que herdámos. Está na ordem do dia a equação do que deverá ser a educação sexual nas escolas. É bem-vinda e necessária. Mas se não se enquadrar nesta visão generosa da pessoa humana, ela poderá gerar mais permissivismo, mais violência, mais problemas. Um aspecto delicado é a educação para uma sadia regulação da própria fecundidade. A doutrina da Igreja, a este respeito, baseia-se no princípio da fecundidade responsável e generosa, no quadro do ideal cristão da castidade, que desafia os cristãos a viverem a sua sexualidade como experiência de amor generoso, no quadro da família, potenciada com a graça própria do sacramento do matrimónio. O não sancionamento ético, por parte da Igreja, de todos os métodos de regulação da fecundidade, não pode ser usado como argumento a favor do aborto. Eles dizem respeito à exigência do amor casto, caminho de santidade, situando-se no âmbito da consciência da pessoa, homem e mulher, não comprometendo a vida de outro ser humano, como no caso do aborto. São mandamentos diferentes na Lei de Deus: guardarás castidade é um mandamento, que é desafio para a vivência da própria sexualidade; e “não matarás”, que é exigência radical de respeito pela vida dos outros. Em termos religiosos ou simplesmente culturais, não haverá verdadeira educação sexual se não abrir para a perspectiva da castidade, concebida como vivência generosa e responsável da própria sexualidade. Este é o quadro cultural em que se construirão soluções, não apenas para o problema do aborto, mas para a estabilidade do casamento, para os desregramentos que impedem uma vida sadia e para a erradicação de todas as formas de violência que têm a sua origem numa sexualidade desregrada e egoísta. Durante toda a vida, a sexualidade tem de ser expressão de vida e caminho de felicidade. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca * Quarto de 5 textos (semanais) do Cardeal Patriarca de Lisboa, a respeito do Referendo sobre o Aborto

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top