As memórias de “O Tempo e o Modo”

A Fundação Calouste Gulbenkian tem patente ao público desde o passado dia 15 de Dezembro a mostra “O Tempo e o Modo. 40 anos (1963-2003), um espaço onde se pode ir desde a génese da revista até às páginas da mesma que foram cortadas pela censura. Quando o presidente Jorge Sampaio referiu na inauguração da iniciativa que “O Tempo e o Modo foi um lugar único de diálogo e de confrontos dos nossos mitos e dos nossos dogmas” resumia com mestria o espírito da revista, criada por um grupo de antigos activistas e dirigentes da Juventude Universitária Católica, entre os quais se incluíam António Alçada Baptista, Bénard da Costa, Nuno Bragança, Pedro Tamen e Alberto Vaz da Silva. A auto-intitulada “revista de pensamento e acção” está presente nesta exposição mesmo antes de ter nascido, ou seja, a mostra apresenta uma série de acontecimentos e obras que estão na génese da revista, seja o II Concílio do Vaticano seja o declínio do regime de Salazar. Os antecedentes históricos estão retratados nas páginas do “Novidades”, da “Informations Catholiques Internationales” ou da inspiradora revista “Esprit”. Aos católicos de percurso vários, inquietos, juntaram-se outros colaboradores ampliando vozes e expressões. O editorial do primeiro número reconhece que “gostaríamos que um pensamento orientado para as preocupações deste tempo fosse suficientemente forte para abalar muitos anos de apatia e descrença”. Nas montras da exposição patente na Gulbenkian encontrámos os esquemas de vários números, feitos à mão e riscados vezes sem conta, além de alguns textos censurados pelo lápis azul do Exame Prévio salazarista – um dos quais é uma breve, aludindo à encíclica “Pacem In Terris” do Papa João XXIII. “O Tempo e o Modo” teve seis mil páginas editadas, mas outras tantas foram cortadas pela censura. Guilherme d`Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura (CNC), dedica a sua reflexão semanal de 15 de Dezembro a estes 40 anos de “O Tempo e o Modo”, que qualifica de “momento extraordinário da nossa vida cultural do século XX”. “Afinal, usando uma expressão cara a João Bénard, a revista foi «o piano de uma geração que rejeitava simultaneamente a ditadura, o velho republicanismo jacobino e o PC». E Vasco Pulido Valente, activíssimo membro da redacção da revista, recorda ainda que “a censura e o PC, pelo menos, achavam-nos à altura merecedores da sua execração”, relata o ex-ministro. Artes e Letras, como é possível ver na exposição, foram motivos de polémicas, confronto e discórdias, mas a revista cresceu e abalou a sociedade portuguesa. A correspondência dos leitores permite mesmo traçar esse cenário dos anos ’60. O presidente do CNC confirma que “para além das situações e dos debates, dos momentos de arrufos e das zangas, os animadores da revista tiveram, como poucos, uma lúcida compreensão de que o futuro seria radicalmente diferente e que todos se deveriam preparar para ele… A revista preparou a abertura. Lançou as bases de uma cultura aberta e democrática. Nas linhas e nas entrelinhas disse-se tudo ou quase tudo o que havia para dizer. Foi uma sementeira de ideias e de projectos ao encontro da liberdade!”

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