As intuições de Taizé e o futuro da Igreja

Depois do encontro europeu de jovens de Milão, o primeiro realizado após a morte do irmão Roger, é possível perscrutar algo sobre o futuro da comunidade de Taizé? Sem querer entrar em adivinhações, pode dizer-se que ali se vivem algumas intuições importantes do que deve ser o cristianismo do futuro. Pelo menos, se este quiser ser uma experiência significativa para as pessoas. Desde logo, a experiência da oração, uma das marcas exteriores mais importantes. Taizé é mais do que um bonito modo de rezar (e só isto já é muito importante, num tempo em que são necessárias experiências estéticas da fé). O irmão Roger escrevia que “a oração não afasta das preocupações do mundo” e que “nada há de mais responsável que a oração”. Quanto mais esta for “simples e humilde, mais somos levados a amar e a expressar o amor através da nossa vida”. A oração é, em Taizé, um meio de levar cada um a mergulhar na experiência humana mais profunda. Seja ela a pobreza, a miséria, a fome, o conflito, ou a proposta de um modelo de desenvolvimento mais humano e pacífico. Essa profunda relação entre a oração e o empenhamento traduz-se na fórmula que a comunidade sintetiza com a bela expressão “vida interior e solidariedade humana”. Esse modo de rezar tem também a ver com o modo simples com que a comunidade vive. E é ele que permite atitudes como a confiança, a esperança, a reconciliação. Pela sua morte, em Agosto, às mãos de uma mulher desequilibrada, “o irmão Roger como que sublinhou a mensagem da sua vida que se tornou cada vez mais simples: confiança, paz, reconciliação”, dizia o irmão Aloïs em entrevista ao “Público” (26/12/05). “A sua morte foi como uma confirmação da sua vida. Podemos dizer agora que a palavra ‘confiança’ não era vazia ou fácil. Através dessa palavra, o irmão Roger queria dirigir a todos um convite a abrir-se. Ele disse muitas vezes que a fé não estava reservada só a alguns: todos podem acolher o amor de Deus e assumir os riscos de o viver.” Acolher, outro verbo essencial: em Taizé, todos são recebidos sem que ninguém pergunte se acredita, tem dúvidas ou não crê. Mesmo assumindo intrinsecamente a sua identidade cristã (ou melhor: por causa disso), Taizé sublinha, com esta atitude, a importância da relação humana fundamental e do mesmo acolhimento que Jesus fazia a todos. O compromisso pela reconciliação dos cristãos, paixão fundamental “inscrita na fundação” de Taizé, como também dizia o irmão Aloïs na citada entrevista, é uma consequência natural desses modos de rezar e viver a essência da Igreja: uma comunidade para servir as pessoas e o mundo. Universalidade, esperança solidária no olhar da realidade, acolhimento da diferença, confiança e vida simples, opção pela reconciliação dos cristãos assumindo o melhor de cada tradição, para lá de questiúnculas históricas e teológicas. São estes os elementos que fazem de Taizé um novo Assis, como um dia o Papa João XXIII terá caracterizado a comunidade. O futuro do cristianismo, mesmo que a comunidade de Taizé um dia desapareça, passará muito pelas intuições que o irmão Roger ali foi criando e vivendo – primeiro sozinho, desde 1940, e logo a seguir com os irmãos que começaram a aparecer. O grande místico contemporâneo que o irmão Roger foi (é) soube dar-nos o testemunho de quem perscrutou o sentido profundo da busca essencial de sentido. António Marujo, Jornalista do “Público”

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