As dificuldades dos católicos nos primórdios da República

O cunho anti-clerical da revolução «evidenciou-se muito cedo» – afirma Manuel Braga da Cruz A Implantação da República desencadeou “uma vasta campanha anti-religiosa” – disse ontem (dia 7 de Maio), Manuel Braga da Cruz, Reitor da Universidade Católica Portuguesa (UCP), no colóquio «Monárquicos e Republicanos no seio do catolicismo», realizado na UCP. O cunho anti-clerical da revolução “evidenciou-se muito cedo”. O Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da referida universidade deu início, esta Quinta-feira, 7 de Maio, o Seminário continuado «Religião, Cristianismo e Republicanismo», a realizar entre 2009 e 2011, em Lisboa. Este Seminário integra-se no Programa Oficial das Comemorações do Centenário da República. Muito padres e religiosos foram “espancados e vaiados” e foram “assaltadas e saqueadas e queimadas casas religiosas”. Dois desses padres – o confessor da rainha e Barros Gomes – foram “assassinados na sua residência” em Arroios (Lisboa). Para além da onda de desacatos seguiram-se “medidas legislativas”. Afonso Costa – que ocupava no Governo Provisório a Pasta da Justiça – promulgou uma série de decretos com “a ingénua intenção, aliás por ele próprio confessada, de fazer desaparecer do país a religião num espaço de duas gerações” – disse o reitor da UCP. Afonso Costa repôs em vigor a legislação pombalina de 1759; 1767 e os decretos liberais de 1834. Proscreveu os jesuítas do país, “extinguiu as ordens religiosas” e “expulsou para o estrangeiro os que se recusassem a viver secularmente no país” – avançou. Os bens das Ordens Religiosas foram arrolados e integrados na posse do Estado. “Foram dadas ordens à polícia para prender os padres que andassem na rua com vestes talares” – disse o orador. E completa: “Deu-se início, de imediato, à laicização da vida pública portuguesa”. A 18 de Outubro de 1910 foram abolidos todos os juramentos com carácter religioso e “substituídos pela declaração de honra”. Quatro dias depois, foi “suprimido o ensino da Doutrina Cristã nas Escolas Primárias” porque era considerado “incompatível com o pensamento pedagógico que deve regular a instrução educativa das escolas primárias”. Nesse primeiro mês da Implantação da República foram também abolidos dos estatutos da Universidade de Coimbra todas as “obrigações religiosas” e “foi praticamente extinta a Faculdade de Teologia” da mesma Universidade com a “anulação das matrículas do primeiro ano” – realçou Manuel Braga da Cruz. O divórcio foi introduzido na legislação portuguesa a 3 de Novembro de 1910 e onze dias depois foi “extinta a cadeira de Direito Eclesiástico” da Faculdade de Direito de Coimbra. A 28 de Novembro “proibiram-se as Forças Armadas do Exército e da Marinha de intervirem em solenidades e cerimónias religiosas”. Em pleno dia de Natal decretou-se a “exclusiva validade civil do contrato matrimonial”. A acção anti-clerical do governo extravasava o âmbito legislativo. A pretexto de se evitarem perturbações de ordem pública – fomentadas intencionalmente pelos próprios partidários – várias “medidas administrativas complementaram esta acção legislativa”. Nos primeiros meses de 1911 foram desencadeados ataques contra o “Movimento Social Católico e as suas organizações”. As sedes de vários centros estudantis e operários foram “assaltadas” e “logo de seguida encerradas pelo governo” – salientou o Reitor da UCP. De Fevereiro a Julho desse ano, mais de centena e meia de padres “passaram pelos calabouços”. Na Páscoa, Afonso Costa reiterou a proibição a possibilidade de se realizarem cerimónias religiosas “fora dos recintos expressamente destinados”. As relações com as autoridades eclesiásticas “toldavam-se crescentemente” e o Núncio Apostólico em Portugal, Mons. Júlio Tronti, “abandonara Lisboa”. Ficou a substituí-lo, como encarregado de Negócios, Bento Aloisi Massela. Os bispos portugueses assistiam – de forma “apreensiva” – “à actuação legislativa de Afonso Costa”. Um deles, o bispo de Beja foi “ameaçado de morte” e abandonou a sede episcopal para “se refugiar em Sevilha”. Em Fevereiro de 1911, os bispos publicam – “sem prévia requisição de beneplácito” – uma pastoral colectiva onde dizem que “não podem continuar silenciosos”. De acordo com a Doutrina da Igreja – dizem os bispos – “esta não tem predilecção por nenhuma forma de governo, nem está enfeudada em nenhum regime”. CEHR e o Centenário No seguimento do trabalho que tem vindo a ser realizado pelo Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) nos últimos anos, e considerando as exigências do debate historiográfico existente sobre o final da Monarquia Constitucional e a instauração do regime republicano em Portugal, estabeleceu-se uma programação de investigação, de grupos de trabalho e de iniciativas científicas. Considerou-se que esta programação se deveria articular com diversos âmbitos de carácter oficial eclesial e académico, respondendo também às necessidades de participação pública no decorrer de iniciativas das Comemorações Nacionais referentes aos 100 anos da República. Esta programação, própria do CEHR, constitui-se exclusivamente com carácter científico, no âmbito da historiografia. A programação é constituída por quatro níveis de realização: 1) a investigação, com a constituição de um grupo de trabalho envolvendo os colaboradores na execução dos diferentes encargos assumidos pelo CEHR; 2) a publicação de estudos e de fontes documentais inéditas; 3) a realização de um Seminário continuado e aberto para investigadores, de 2009 a 2011, de balanço historiográfico sobre «Religião, Cristianismo e Republicanismo»; e, 4) a organização do Congresso Internacional sobre «Religião, Estado e Sociedade: 100 anos de Separação», em abril de 2011. Nessas circunstâncias foi também aceite o convite da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República (CNCCR) para que o CEHR participasse no seu programa oficial, com o contributo científico próprio.

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