Ano Pastoral 2009/10 em Santarém

Brilhe a vossa luz diante dos homens
Carta Pastoral do Bispo de Santarém para 2009/10

O Ano Paulino permitiu-nos conhecer melhor o grande apóstolo São Paulo. Envolvido e transformado pela luz de Cristo quando ia a caminho de Damasco, São Paulo tornou-se um evangelizador incansável, convicto de que a graça que recebera era para comunicar a todos os povos. Tinha consciência clara de que o Senhor o investira da missão de levar o evangelho que é luz e força de salvação para todos os crentes e de que todo o homem anseia pela Boa Nova de Cristo. "Ai de mim se não evangelizar" (1 Cor 9,16). Ou seja, se não evangelizasse privaria as pessoas da graça do evangelho e não seria merecedor da bênção recebida.

Cristão luz do mundo

A missão de anunciar o evangelho é confiada também a todos os crentes. É uma vocação pessoal que decorre do Baptismo, Confirmação e Eucaristia, e também uma missão de toda a comunidade cristã. Jesus veio ao mundo para iluminar todos os povos no caminho para Deus, que é o caminho do amor e da paz. Para que a Sua luz chegue até aos confins da terra, preparou os discípulos, formou com eles a Igreja e enviou-os a pregar a Boa Nova da Salvação a todos os povos: "Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu." (Mt 5, 14-16). Cada cristão é, portanto, chamado a ser luz e todos em comunidade formam uma grande chama, uma cidade iluminada que irradia a luz à sua volta.

A sociedade em que vivemos e de que somos parte activa e comprometida, precisa da luz do evangelho, da proposta do amor e da esperança que Jesus nos veio trazer. O evangelho é, na verdade, um caminho para a vida, dá sentido e orientação à existência humana. É também um fermento de transformação que pode gerar um mundo novo. Damos hoje conta de muitas carências humanas, verificamos muitos sinais de desorientação para os quais o evangelho pode ser a resposta. Adquire, portanto, maior força, o apelo de Cristo: "Vós sois a luz do mundo".

Comunidades missionárias

Esta é a linha de fundo do programa pastoral do próximo ano 2009/2010. No ano transacto procurámos aprofundar a vida fraterna dos cristãos: "Quem acredita nunca está só". Tivemos a preocupação de sensibilizar os fiéis e as comunidades para que se apresentem "como uma casa de família fraterna" onde as pessoas são acolhidas e encontram o calor da solidariedade e do amor cristãos. Este ano, em continuação, vamos aprofundar a missão da comunidade. Na verdade, as comunidades cristãs adultas são comunidades missionárias.

Este plano/programa situa-se na continuação do percurso pastoral que temos vindo a seguir na nossa diocese de Santarém desde o ano 2000, inspirados pelos discípulos de Emaús: Os primeiros três anos foram dedicados ao aprofundamento da Palavra de Deus (lectio divina); depois, outro triénio, aos sacramentos como momentos de encontro com Cristo; agora um triénio, pelo menos, à comunidade cristã: a comunhão na comunidade, no ano passado; a comunidade em missão, este ano; relação Igreja e sociedade, depois.

 

1. A humanidade necessita de luz

Tem crescido nos últimos tempos a indiferença religiosa. Deus parece não despertar interesse nem ter lugar na vida de muita gente. Vários filósofos e cientistas ateus, que marcaram a cultura descrente do século XX (Marx, Comte; Freud, etc.), anunciaram que o progresso e a ciência dos tempos modernos haviam de substituir a religião. Esta estaria ultrapassada. Estas teorias tiveram grande influência e podem gerar a impressão de que a fé cristã, numa sociedade moderna, é irrelevante, faz parte das opiniões privadas, não só não faz falta mas pode constituir até um impedimento ao progresso, à liberdade e ao gozo da vida.

Alcançámos, na verdade, um progresso técnico impressionante, beneficiamos de descobertas científicas que trouxeram uma grande qualidade de vida. Mas verificamos, igualmente, muitos medos e inquietações, grande desorientação, bastantes dependências que alienam e, em muitas áreas, um recuo moral. Esclarece São Paulo aos Romanos, que o facto de terem trocado a verdade de Deus pela mentira e prestar culto às criaturas em vez de adorar o Criador, tornou as pessoas insensatas (Rm 1, 25). Como no mundo romano do tempo de São Paulo, notamos hoje muitas realizações magníficas e, simultaneamente, muita confusão, vaidade, injustiça e opressão, bem como factos perversos e repugnantes. Assim reconheceu Bento XVI, numa carta recente enviada aos bispos: "O verdadeiro problema neste momento da nossa história é que Deus possa desaparecer do horizonte dos homens e que, com o apagar-se da luz vinda de Deus, a humanidade seja surpreendida pela falta de orientação, cujos efeitos destrutivos se manifestam cada vez mais".

Sem Deus faltam referências

De facto, o ateísmo e a indiferença religiosa, ao pôr de parte a luz de Deus, empobrecem e fragilizam a existência humana. Sem a fé, esperança e amor, as três atitudes ou virtudes que caracterizam o crente em Deus, a humanidade fica desamparada perante o sofrimento, a maldade, o egoísmo, as inquietações do coração humano. Notamos este empobrecimento e desorientação em muitos sintomas.

Uma fragilidade que afecta duramente as pessoas é o sofrimento. Apesar do progresso da medicina, encontramos ainda muitos sofrimentos humanos, não apenas físicos mas também morais e espirituais. As feridas e as dores da existência humana questionam a fé na Providência de Deus. Na verdade, a fé não nos livra do sofrimento nem o explica. Mas é fonte de sentido e consolação. Face à realidade dolorosa das feridas e da dor, o crente pode sentir-se tentado a estar contra Deus. Mas Deus continua a ser o único apoio onde podemos encontrar esperança e fortaleza nestes momentos. ["Pode estar contra Deus mas não sem Ele" como conclui um filósofo crente, Elie Wiesel]

Sem Deus faltam referências e orientação à existência humana. Realidades fundamentais como o respeito e defesa da vida humana, a união e a estabilidade da família fundada no matrimónio, a honestidade, a justiça, a dignidade e a verdade do homem relativizam-se e ficam sem alicerce. O desaparecimento de Deus na consciência dos nossos contemporâneos tem acarretado a morte do humanismo. Sem Deus, como reconhecem muitos estudiosos da vida social, o homem fica sem defesa, sem norte, sem critérios de distinção entre bem e mal para orientar a existência e definir uma escala de valores.

A fé estimula a inteligência

É um engano pensar que, ao pôr de parte a fé, as pessoas se orientam mais pela razão e se tornam mais evoluídos culturalmente. A fé cristã relaciona-se bem com a cultura e com a inteligência e promove-as. Acontece que muita gente deixa a fé porque está para além da razão e depois acaba por acreditar em tudo, em superstições, bruxarias, religiões esotéricas, etc. Ao rejeitarem Deus parece realizar-se frequentemente com as pessoas de hoje o que denuncia a carta aos romanos: as pessoas ficam no vazio e dedicam-se aos ídolos, perdem o senso comum e caem na degradação.

 

2. A procura de Deus no coração humano

Como anunciar o evangelho às pessoas da nossa época atingidas pela descristianização, aparentemente desinteressadas da fé cristã? Será que pregamos no deserto?

Apesar da indiferença generalizada e da apologia do agnosticismo pelas correntes laicistas militantes, verifica-se também, na actual geração, sensibilidade e interesse pela dimensão transcendente da vida humana e abertura ao mistério de Deus.

O apelo da fé continua a ter lugar no coração humano

Verificamos, antes de mais a profundidade e persistência de muitos hábitos cristãos que mostram a necessidade de Deus e podem ser sólidos pontos de apoio na evangelização: procura da Igreja nos momentos decisivos da vida humana (como no baptismo, matrimónio, exéquias); participação das crianças e adolescentes na catequese; congregação de muita gente para rezar e receber formação através da devoção a Nossa Senhora; sentimentos religiosos intensos vividos nas manifestações da religiosidade popular; adesão de muitos adultos a propostas de formação, etc.

A prática dominical, manifestação mais importante da fé, tem diminuído em várias regiões, bem como a celebração de outros sacramentos, como o matrimónio e a reconciliação; Nota-se também decréscimo das vocações de consagração. Mas estes indicadores não são iguais em toda a parte. Há regiões em que estas manifestações de fé aumentam. Por outro lado, assistimos à adesão de numerosas pessoas, designadamente jovens, a expressões religiosas como peregrinações a Santuários e lugares santos, retiros, encontros de espiritualidade, e outras muitas manifestações de abertura ao transcendente. Não são multidões que participam nestes exercícios espirituais. Mas os participantes têm aumentado e são empenhados.

A presença de numerosos jovens em Taizé e nos encontros mundiais da juventude e a forma intensa e atenta como vivem estes momentos constitui um sinal admirável da actualidade e da força da fé em Jesus Cristo. Outra expressão que, entre nós é muito significativa e chama a atenção para a importância actual do cristianismo, são os grupos de jovens e adultos que preparam com interesse e seriedade o sacramento do Crisma e os outros sacramentos da iniciação cristã.

Abertura ao mistério

Encontramos também expressões de religiosidade e de necessidade de relação com o transcendente que, não sendo cristãs, não deixam de revelar a procura do "deus desconhecido" (cf Act 17, 22-23) no coração dos nossos contemporâneos: a curiosidade por novas religiões ou movimentos espirituais que oferecem respostas ao mistério da vida e satisfazem, à medida de cada um, o desejo de relação com o transcendente. Podemos ainda considerar a participação de muitos jovens em iniciativas de solidariedade e de ajuda fraterna de matriz cristã, bem como o apreço crescente pelos valores e expressões da cultura e do património artístico da Igreja, como manifestação de sensibilidade e de procura de Deus, pois n'Ele está a fonte e realização plena da bondade e da beleza.

Estes sinais da sensibilidade religiosa das pessoas do nosso tempo confirmam a mensagem da Sagrada Escritura: Deus criou à Sua imagem os homens para que O procurem e, encontrando-O, encontrem a luz e a paz. Existe no coração humano um desejo e uma atracção para Deus, como na terra seca um desejo de água. Sem Deus o mundo é como um deserto, árido e frio.

A situação espiritual e moral da nossa sociedade manifesta a necessidade do evangelho e constitui, portanto, um apelo de Deus para que nos disponhamos a colaborar na missão de evangelizar o mundo.

 

3. O Evangelho é força de salvação para todos os homens

A missão da Igreja não parte, pois, do zero mas assenta na acção prévia de Deus que atrai para a Sua luz. A Igreja sabe que a sua mensagem vai de encontro aos anseios mais profundos do coração humano (Cf GS 21 e 22). Deus quer salvar todos os homens e grava no íntimo do coração humano o apelo para a verdade, para a beleza e para a bondade que são irradiações da Sua perfeição divina e, por isso, caminhos para chegar a Ele. Mas precisa de nós os crentes que formamos a Igreja para dar testemunho da verdade e mostrar ao mundo o rosto de Cristo. Esta é a missão confiada à Igreja, aos apóstolos e a todos os discípulos de Jesus.

Participando da missão da Igreja, os discípulos continuam a obra do Seu Mestre e Senhor. Ele veio, como afirmou, para que tenhamos a vida, uma vida plena e bela, santa e irradiante. Ele próprio é o caminho para a vida e para a verdade. Quem n'Ele acredita e O segue participa da Sua santidade e recebe a força do Seu Espírito para ser luz que irradia nas trevas e fermento de um mundo novo.

O anúncio do evangelho desperta nos ouvintes a fé e esta vence o pecado do mundo e gera a esperança e o amor. Como afirma São Paulo, "o evangelho é poder de Deus para a salvação de todo o crente" (Rm 1,16). Ou seja, o evangelho liberta o homem do pecado e faz-nos participantes da vida de Deus, dando luz, sentido e plenitude à existência humana. Por isso, não deve ficar escondido no interior do crente ou das comunidades cristãs mas irradiar no mundo para que outros acreditem e sejam salvos. É a recomendação de Jesus: "Brilhe a vossa luz diante dos homens".

Esta convicção manifesta-se na vida e na missão de Jesus. Percorre as povoações da Palestina, ora ao Pai, prega o evangelho, acolhe as pessoas e cura-as dos seus males, movido sempre pelo mesmo zelo de anunciar e manifestar a proximidade do Reino de Deus, convidando os ouvintes à fé e à conversão: "O Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai na boa nova" (Mc 1,15). Naqueles que acolhem o Reino de Deus pela fé e pela conversão, a força do mal é vencida, Satanás é afastado, as alienações são superadas, os doentes são curados, os pobres recebem uma boa nova. A missão que recebeu do Pai responde aos problemas e às feridas profundas da humanidade: "Jesus percorria as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, proclamando o evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças. Contemplando a multidão encheu-se de compaixão por ela pois estava desanimada e cansada como ovelhas sem pastor. Disse então aos seus discípulos: A messe é grande mas os trabalhadores são poucos. Rogai portanto ao Senhor da Messe que envie trabalhadores para a sua messe"(Mt 9, 35-38)

Colaboradores da missão de Jesus

Para que a Sua missão tenha continuidade, Jesus recomenda-nos que rezemos ao Senhor da messe e chama colaboradores a participar da sua compaixão pelo mundo, pelas pessoas desorientadas ou feridas da vida, por aqueles que não têm luz nem esperança, que sofrem a solidão e o desamparo e precisam de quem lhes dê um sinal do amor de Deus. O mundo é como a messe ou vinha do Senhor que precisa de trabalhadores para semear o evangelho da justiça e da concórdia, da paz e do amor: "Porque estais ociosos todo o dia? Ide também trabalhar para a minha vinha". Participar na missão, semear o evangelho é colaborar para que o mundo se torne um jardim onde desabrocham os frutos do Reino que são a santidade e a graça, a justiça, o amor e a paz. Sem o amor e a verdade de Deus, o mundo será um deserto onde domina o egoísmo, a vaidade, a mentira.

Os que se convertem ao Reino de Deus e recebem a graça de Jesus, tornam-se também sinais e instrumentos do Reino: "Proclamai que o Reino dos Céus está perto: Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça" (Mt 10,7-8). Jesus ordena aos seus continuadores que proclamem a proximidade do Reino e dá-lhes o poder de realizar os mesmos sinais que confirmam a mensagem: curar os feridos, limpar os leprosos, ressuscitar os mortos, expulsar os demónios. A vitória de Jesus sobre a morte, o perdão dos pecados, a santificação dos crentes, significam e realizam, na verdade, a destruição do poder do mal, a libertação interior, a paz e a alegria.

A recomendação de darmos de graça o que de graça recebemos, destaca o valor prioritário dos valores espirituais face às riquezas materiais. Na verdade, o evangelho é uma graça ou dom que dá beleza à existência, enriquece o interior do homem e abre novos horizontes de compreensão da realidade num mundo fechado no materialismo. É como um tesouro escondido de valor inestimável que nenhum preço deste mundo pode adquirir. Quem dá testemunho do evangelho, partilha gratuitamente com os outros a graça recebida e enriquece-se a si mesmo, pois há mais alegria em dar do que em receber. Evangelizar é uma missão gratificante que enche o coração e dá gosto à vida, como exclama Isaías: "Quão formosos são os pés do que anuncia boas novas"(Is 52,7). Realmente, na vida dos que se dedicaram totalmente ao serviço do evangelho, notamos claramente alegria e riqueza interiores que irradiam e enriquecem muitos que deles se aproximam.

O Cura D´Ars, ícone da missão

Este ano pastoral 2009-2010, temos presente o exemplo de um santo que se consagrou apaixonadamente à missão de pregar o evangelho, curar os doentes e ajudar os necessitados. De há um século e meio para cá, a sua vida tem sido uma fonte de bênçãos para a Igreja e para os fiéis: São João Maria Vianney, o Cura d' Ars.

Viveu na época conturbada da Revolução Francesa que perseguiu e matou muitos padres, fechou Igrejas e destruiu outras e causou muita desorientação no povo simples. Muita gente se sentia desamparada e confundida como ovelhas sem pastor. João Maria que, desde criança, manifestava um forte amor a Deus e uma caridade sem limites pelos pobres, sofria interiormente com tantas paróquias sem padre, sem eucaristia nem sacramentos, tantas crianças sem formação cristã, tanta gente sem a consolação da fé. Participava intensamente da compaixão de Jesus pela gente desorientada e sem a ajuda da religião. No seu íntimo foi crescendo e amadurecendo a vocação de guiar as almas para a luz de Cristo. Aos vinte anos conseguiu licença dos pais para iniciar os estudos eclesiásticos que, com muitas dificuldades, concluiu sendo ordenado presbítero com vinte e nove anos. Nomeado para a paróquia d'Ars, uma comunidade afastada da vida cristã, entregou-se de alma e coração ao seu ministério, dedicando-se à oração pelo seu povo, à visita domiciliar aos paroquianos, às obras de misericórdia. Impulsionou a catequese para crianças e conseguiu que também os pais a frequentassem. Promoveu a participação dos leigos restaurando confrarias e criando um grupo de oração. A luz de Cristo brilhou em Ars, renovou a prática religiosa, transformou o comportamento dos habitantes, fez renascer a esperança e irradiou à volta para outras paróquias. Ars tornou-se um centro de peregrinações onde muita gente de todas as condições ía procurar contactar com um exemplo vivo da solicitude pastoral de Jesus pelo seu rebanho. Pela sua profunda humildade, intensa espiritualidade e entrega total à missão o Santo Cura D´Ars tornou-se uma luz que irradiou a esperança e um fermento que transformou a vida de muita gente.

 

4. A pedagogia da evangelização

O anúncio do evangelho é uma boa nova que responde aos problemas reais dos destinatários. Por isso, para evangelizar precisamos, antes de mais, de conhecer a realidade e descobrir as questões concretas das pessoas a quem nos dirigimos. Como São Paulo no Areópago de Atenas, devemos começar por identificar a procura do "deus desconhecido" que os nossos contemporâneos veneram. A proposta da mensagem cristã desperta interesse se for apresentada como resposta aos problemas e interrogações vitais dos destinatários.

Como alcançar o conhecimento das aberturas e procuras existenciais das pessoas do nosso tempo? Não de forma exterior e teórica mas, como Cristo pela sua incarnação, pela presença solidária, pela partilha de vida, pelo acolhimento e pela escuta, pelo amor e pela proximidade. "A Igreja para poder oferecer a todos o mistério da salvação e a vida divina, deve inserir-se nos grupos humanos com o mesmo afecto com que Cristo pela sua incarnação se uniu às condições sociais e culturais concretas dos homens com os quais conviveu" (AG 10).

A fidelidade à Incarnação e a atenção à maneira como Jesus evangelizava, leva-nos a concluir algumas orientações para o perfil do evangelizador e a pedagogia da evangelização.

Perfil do evangelizador

Seguindo Jesus e olhando para o exemplo do Cura d' Ars, vemos que o evangelizador é um guia espiritual que caminha com as pessoas no percurso que Ele próprio conhece por experiência pessoal. Mais do que um professor que ensina é uma testemunha que vive, é um irmão e amigo próximo das pessoas. Escuta primeiro, presta atenção, procura compreender na luz de Deus as questões existenciais para depois poder iluminar e anunciar uma boa nova para a situação real. Nesse sentido, devemos reconhecer o esforço de proximidade dos sacerdotes que vivem no meio do seu povo, atendem toda a gente com atenção e dedicam-se a visitar os lugares e pessoas que lhes foram confiados. Mostram, assim, pelo seu estilo de vida o significado original da palavra pároco, o "vizinho" que conhece, ajuda e é conhecido pelos outros vizinhos.

Outra característica do evangelizador é a sua forma de agir: actua com a Igreja e em Igreja. Não evangeliza em nome pessoal, de forma isolada ou individualista. É enviado pela Igreja e apoia-se na força do Senhor. Não deve procurar, portanto, o êxito pessoal ou relevo e notoriedade sociais mas o serviço humilde e disponível como o Cura d'Ars. Na vida da Igreja como fraternidade está o apoio fundamental da evangelização. Na comunidade tornam-se visíveis os sinais da vida cristã que sempre devem acompanhar e concretizar o anúncio do evangelho: a vida fraterna dos crentes; a partilha de bens; os sinais da liturgia que manifestam o encontro com Deus; a vida de tantos santos, nossos antepassados e exemplos da fé; a riqueza do património artístico que chama a atenção para a beleza e santidade de Deus.

A pedagogia dos sinais, sempre presente na evangelização, considera-se hoje particularmente oportuna. As pessoas do nosso tempo prestam mais atenção a experiências e exemplos vivos do que a doutrinas e argumentos. Na memória rica da Igreja e na vida actual dos crentes, o evangelizador encontrará sempre ícones que ajudam a tornar concreta a proposta do evangelho. A própria experiência religiosa pessoal, partilhada com simplicidade e humildade, é um apoio de grande importância: "Haverá melhor forma de transmitir o evangelho do que comunicar a outrem a sua própria experiência de fé"? (Paulo VI, EN 46). O contacto pessoal, que torna a luz de Cristo vizinha da vida de cada um, é portanto uma forma de anúncio indispensável. De facto, o evangelho irradia por contágio. Afirma, nesse sentido, o Papa Paulo VI, no mesmo documento, que o testemunho de vida toca profundamente o coração das pessoas de hoje: "O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres; ou, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas" (Paulo VI, EN 41).

A importância dos sinais, dos ícones e das experiências vividas como uma base fundamental da evangelização, decorre da realidade da fé cristã que é um encontro com Cristo vivo, uma experiência vital que dá um novo rumo à existência e não apenas a adesão a uma doutrina ou tradição. Por isso, é igualmente importante guiar os destinatários numa experiência pessoal de vida cristã e não apenas no conhecimento do cristianismo. A fé como seguimento do caminho de Jesus aprende-se fazendo, praticando, exercitando, combatendo os impedimentos e as tendências contrárias. É eloquente a este respeito a imagem da vida cristã como "o bom combate da fé". Assim compreendemos a importância de exercícios espirituais no itinerário da fé (aprender a rezar e a celebrar; crescer na capacidade de escuta da Palavra de Deus; desenvolver a atitude de despojamento pessoal, de serviço e de caridade).

Resumindo em poucas palavras a nova pedagogia: A fé é como um caminho, faz-se caminhando. Não à maneira de cada um, não sozinho, mas em comunidade. Quem acredita nunca está só. A evangelização parte da comunidade e apoia-se na sua vida. Deve processar-se também em comunidade, em grupo onde os membros partilham uns com os outros a sua experiência de fé, o seu amor e ajuda fraterna e, deste modo, se apoiam mutuamente no caminho do Senhor. Um caminho que leva à conversão, à vida nova em Cristo que, por sua vez, pelo testemunho irradiante da comunidade, se difunde para o mundo. Na terminologia tradicional da Igreja esta pedagogia designa-se por catecumenado e é o itinerário recomendado para fazer adequadamente a iniciação cristã nos nossos dias.

Na actual situação pastoral é decisivo e fundamental o primeiro anúncio como primeiro passo que motiva e dá início ao itinerário catecumenal. Por isso, é uma prioridade relevante cuidar do primeiro anúncio e encontrar formas práticas de o oferecer a um maior número possível de pessoas. Pelo contacto pessoal, pela palavra esclarecedora, pelo testemunho da comunidade, pelos sinais visíveis do cristianismo e servindo-nos da mediação de Movimentos Eclesiais especialmente dedicados a esta missão. A primeira evangelização desperta o desejo de progredir na aproximação à luz de Deus e de crescer na vida nova em Cristo.

 

5. A responsabilidade de todos os fiéis na missão da Igreja

É vasto e amplo o trabalho na vinha do Senhor. Para realizarmos a missão da Igreja com um estilo evangelizador que responda ao novo contexto cultural e religioso, precisamos de aperfeiçoar as actividades pastorais que já realizamos e criar iniciativas novas que respondam aos novos problemas. Uma pastoral verdadeiramente evangelizadora atenta aos novos condicionalismos não pode repetir e manter o que sempre e como sempre se fez. A educação cristã das crianças necessita de uma renovação permanente; a formação de jovens e adultos, de propostas e meios sempre novos; os sacramentos, de preparação cuidada e continuada; a caridade, de responder a novas formas de pobreza; a colaboração na justiça e na solidariedade social, de novas iniciativas e soluções. Onde vamos encontrar colaboradores em número e qualidade suficiente?

A missão da Igreja diz respeito a todos os fiéis, à Igreja no seu todo, como Corpo de Cristo. Todos os fiéis iluminados e convertidos pela fé, santificados pelo Baptismo e pela Eucaristia e enriquecidos na Confirmação com os carismas do Espírito Santo, são chamados a ser luz do mundo e obreiros da vinha do Senhor. Os carismas são dados a cada um para enriquecimento de todos, ou seja, devem levar ao serviço (ou ministério) e não ao engrandecimento pessoal.

A consciência de missão e das várias tarefas que ela implica, deve, por isso, ser acompanhada pela descoberta dos diversos carismas concedidos pelo Espírito Santo aos fiéis. Deste modo, podem escolher-se e preparar-se animadores para colaborar nas actividades da evangelização, Com esta dinâmica podem pôr-se em funcionamento serviços ou ministérios diferentes e complementares.

Assim, além do ministério ordenado nos seus três graus (bispos, presbíteros e diáconos), devem ser reconhecidos e funcionar também os ministérios laicais instituídos (ministro extraordinário da Eucaristia; leitor e acólito no futuro) e os ministérios de facto, ou seja, as tarefas ou responsabilidades dos colaboradores leigos nas funções do anúncio da Palavra, da celebração da liturgia, da preparação dos sacramentos e da dedicação à caridade e à administração do património. Todos estes ministérios devem revestir-se de um estilo evangelizador.

Ano sacerdotal

Neste ano pastoral, mais concretamente de 19 de Junho de 2009 a 11 de Junho de 2010, decorre um ano sacerdotal proclamado pelo Papa Bento XVI "para fomentar a renovação interior de todos os sacerdotes em ordem a um testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo". Estas duas linhas de força estão, na verdade, profundamente associadas e interdependentes na vida e missão do sacerdote: o crescimento da vida espiritual e a eficácia da evangelização. Assim o ano sacerdotal é uma oportunidade de aprofundar a identidade do sacerdote como testemunha da fé e guia espiritual do povo de Deus, de rezar pelos nossos sacerdotes para que o Senhor os guarde na fidelidade ao Seu amor e os faça crescer na santidade. O sacerdote orante, continuamente actualizado no exercício do seu ministério, totalmente dedicado à evangelização é um fermento de renovação e de animação missionária das comunidades, à semelhança do Cura d'Ars.

Ano vocacional

O ano sacerdotal torna-se naturalmente um ano vocacional. A missão do sacerdote vivida de forma exemplar, dedicada e feliz, cria o clima propício para o despertar de novas vocações. Mas o fomento das vocações ao sacerdócio pertence a toda a comunidade cristã (Cânone 233). Assim o ano sacerdotal convida-nos a renovar a rede de participação dos fiéis na pastoral vocacional. A começar em cada paroquia (ou a nível interparoquial), onde deve funcionar um grupo de animação vocacional (GAV), continuar na vigararia através do funcionamento da equipa vicarial da pastoral vocacional (EVPV) e chegar ao centro de coordenação, o Secretariado Diocesano da Pastoral Vocacional (SDPV). O discernimento e amadurecimento das vocações serão proporcionados pelo Pré-seminário, pelo Grupo vocacional São Francisco de Sales e pelos Seminários onde se preparam os nossos seminaristas.

São João Maria Vianney, exemplo de espiritualidade e de caridade

São João Maria Vianney viveu exemplarmente as propostas que nos são feitas para o ano sacerdotal: a espiritualidade intensa e o desejo de orientar as pessoas para Cristo ("Conquistar as almas para Cristo" como dizia). Todos os dias começava de madrugada a sua oração pelos paroquianos ("Meu Deus, rezava, concedei-me a conversão da minha paróquia"). A oração ritmava o seu dia. Numa pequena paróquia como Ars tinha uma vida cheia e ocupada pois, além da oração, visitava as famílias em casa, passava pelos campos, cuidava dos doentes e dos necessitados, criou ainda uma escola e um orfanato para responder às carências sociais. Vivia em profunda união eclesial com o Bispo e com os colegas a quem manifestava grande apreço, humildade e veneração. O amor de Deus estava nele profundamente associado ao amor do próximo, a espiritualidade frutificava pela caridade.

Deus faz de seus servidores chamas ardentes que iluminam e aquecem o mundo (Cf Heb 1, 7). Assim aconteceu com São Paulo, com o Santo Cura d´Ars e acontecerá com todos os que se deixam penetrar profundamente pela luz de Cristo e se disponibilizam para a irradiar pelo mundo: "As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver com rectidão. Elas são luzes de esperança. Certamente, Jesus Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da história. Mas para chegar até Ele precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebida da luz dele e oferecem assim, orientação para a nossa travessia [da vida]. Quem mais do que Maria poderia ser para nós estrela da esperança?" (Bento XVI, SS 49)

À Virgem Nossa Senhora, estrela da evangelização, que acompanha e guia a Igreja nos caminhos da missão confiamos o nosso plano e pedimos que nos ensine a disponibilidade que ela mostrou no serviço do evangelho.

Santarém 31 de Julho de 2009, memória de S. Inácio de Loiola,

+ Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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