Padre Manuel Ribeiro, Diocese de Bragança-Miranda
Pudemos neste Tempo Pascal percorrer o caminho do Ressuscitado. N’Ele nos apercebemos que o amor implica, inevitavelmente, o acto de guardar, de guardar algo profundamente sagrado e de valor. Assim o disse Ele: “Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada. Quem Me não ama não guarda a minha palavra” (Jo 14, 23-24a).
Compreendemos, pois, que amar é guardar um alguém no coração. Não é guardar coisas ou objectos. Antes, é guardar pessoas. Aquelas pessoas que intimamente nos marcam, que intimamente nos moldam e que intimamente nos definem. É como que uma condição “sine qua non”: amar implica (sempre) guardar. Voltemos a ler o texto sagrado: “quem Me ama guardará a minha palavra”. Amar é, portanto, guardar como se de um imensurável tesouro se tratasse. Aliás, o que guardamos nós senão o que é importante? Por vezes até guardamos, bem no fundo do coração, as dores e as marcas que nos fizeram sofrer perturbantemente. Tantas são as marcas de dor, de raiva e de ódio que carregamos ao longo da nossa vida. Em vez de carregarmos o amor e os dons belos da vida, carregamos estoicamente tanta dor. Parece que queremos com isto fazer esquecer, mas, talvez sem nos apercebermos, estamos a “intoxicar” a nossa interioridade, estamos a guardar no lugar do amor as trevas dolorosas do ódio, do ciúme, da inveja e do mal. Mas para quê carregar isto? Porque continuamos nesta atitude de profunda comiseração? O que queremos nós marcar?
O medo de dar é sempre o medo de abrir. Ao fecharmo-nos ao amor, abrimo-nos à dor. Esta é a lógica e o resultado do “fechamento”. Na vida só o amor dá sentido à existência pessoal e comunitária. Por isso, o amor não se resume a um sentimento, a um momento ou a um ocaso. Aliás, o amor é na pessoa humana um sentimento, ao passo que em Deus o amor torna-se numa pessoa. Compreendemos, portanto, que o amor gera perenidade, gera eternidade. Vejamos quando um casal de namorados diz um ao outro que o ama. O que faz nascer no coração da pessoa amada esta palavra e esta expressão? Quer dizer que ela será amada sempre e em qualquer circunstância, que será amada e aceite na sua fragilidade e na sua deficiência, que será amada sempre. Por outro lado, ninguém diz ao outro que o seu amor é finito. Vejam este mesmo exemplo do casal de namorados: se um deles disser ao outro que o ama até quando der certo, o que irá acontecer? Experimentemos dizer ao outro que o nosso amor é sobre tais e certas condições. O que acontecerá? O outro entende de forma imediata que não é, autêntica e verdadeiramente, amado. Dizia o sapiente bispo D. Henrique Soares que “amar na vida é sempre um verbo intransitivo. Eu amo, ponto e basta. É tão intransitivo que São Bernardo, no século XII, dizia de modo muito ousado que o amor é a única realidade que se basta a si mesma e que se justifica por si mesma, de modo que quando tu perguntas ‘porque é que tu amas’ (?), eu te respondo amo porque amo. E se insistires em perguntar ‘para que amas’, eu te responderei que amo para amar. Portanto, amo porque amo e amo para amar”.
O amor é assim mesmo. O amor define-nos e projecta-nos muito para além do nosso campo de visão, muito para além do nosso horizonte, muito para além dos nossos sonhos ou das nossas categorias. O amor é uma pessoa: Jesus Cristo. Por outras palavras, Jesus Cristo é o que São João Evangelista tacitamente afirmou: o Amor (cf. 1 Jo 4, 16). Aliás, é no amor que encontramos o descanso e o sentido pleno das nossas opções, das nossas decisões, das nossas prioridades e das nossas necessidades.
Portanto, saibamos não ter medo de amar e de ser amado! Saibamos arrancar do nosso coração todo o ódio, toda a inveja, toda a cólera, todo o ciúme e todo tipo de maldade que nele possam existir. Saibamos reconhecer e redescobrir que menos infinito não sacia a sede, menos que o tudo não sacia a alma. E o tudo é o amor, em particular o amor infinito que brota do coração de Deus Santíssimo. Peçamos, pois, ao Deus de Amor que nos auxilie e nos ajude nesta hercúlea missão de passarmos das trevas à luz, da morte à vida.
Como diz o poeta do amor (Luís de Camões): “Amor é fogo que arde sem se ver; / É ferida que dói, e não se sente; /É um contentamento descontente; /É dor que desatina sem doer. /É um não querer mais que bem querer; /É um andar solitário entre a gente; /É nunca contentar-se de contente; /É um cuidar que se ganha em se perder. /É querer estar preso por vontade; /É servir a quem vence, o vencedor; /É ter com quem nos mata, lealdade. /Mas como causar pode seu favor /Nos corações humanos amizade, /Se tão contrário a si é o mesmo Amor?”
Manuel Ribeiro, padre