Alexandria, séc. IV d.C. Em torno da sua famosa e riquíssima biblioteca, criada no séc IV a.C. por Ptolomeu, “Ágora” mostra-nos esse ponto do mundo como confluência que foi de séculos de Cultura e Saber, acervo único, – agora, graças às novas tecnologias a ser restaurado – de preciosíssimos registos provenientes de tão ricas como diversas culturas.
Pólo de investigação científica e filosófica, centro de confluência, também, de diferentes religiões, Alexandria vivia então sob administração do Império Romano já convertido ao cristianismo com Constantino.
Ao longo do filme, os diferentes grupos religiosos travam-se, em progressiva violência, de “razões”, extremando posições, enquanto Théon, pagão e o homem mais culto de então, tutela a biblioteca e a sua escola centradas nas questões filosóficas e científicas sem lugar a cultos ou deuses.
Depressa se expõem no ecrã temas tão actuais como o uso e abuso da liberdade, a (in)tolerância, sobretudo mas não só religiosas, com lugar ainda ao questionar do papel da figura feminina na cultura ocidental ilustrado em Hypatia, filha de Théon, filósofa precursora de teorias que contradiziam o entendimento que os homens de então tinham das Sagradas Escrituras e mulher que desafiava, pela participação na vida pública, os cânones sociais.
A qualidade reconhecida de Amenábar e o mérito da produção deste drama histórico (longe da qualidade a que o espanhol nos habituou mas merecedores de visionamento), não podem escamotear imperfeições históricas como a ideia de que a destruição da biblioteca de Alexandria se deveu inteiramente à vontade de um ou mais cristãos de “reescrever” a história. Com efeito, ao longo da sua existência, a biblioteca foi alvo de inúmeros ataques: mais, menos ou nada intencionais, na maioria decorrentes da conquista do território Alexandria e não da vontade expressa de gregos, árabes ou cristãos de mergulhar a humanidade no obscurantismo e numa certa ignorância.
Margarida Ataíde